Calor da discussão

Peão que manda chefe “se ferrar” não comete falta grave

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11 de fevereiro de 2006, 6h00

Mandar o chefe “se ferrar” não justifica demissão por justa causa. O entendimento é da 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (São Paulo). Para os juízes, no calor de uma discussão, é preciso levar em conta o peso e o significado que expressões, às vezes chulas, assumem quando ditas por operário humilde a pessoa culta.

O TRT paulista converteu a demissão por justa causa de um servente de pedreiro da Trajeto Construções e Serviços em demissão comum. Com isso, a empresa terá de pagar todas as verbas referentes à rescisão do contrato de trabalho.

Segundo os autos, o servente de pedreiro discutiu com o chefe de departamento pessoal da empresa e, exaltado, disse para ele “se ferrar”. Testemunhas ouvidas no processo confirmaram que houve a ofensa.

O fato causou a demissão por justa causa do trabalhador, que entrou com ação na 20ª Vara do Trabalho de São Paulo. A primeira instância acolheu o pedido e condenou a Trajeto a pagar todos os direitos e indenizações trabalhistas. A construtora apelou ao TRT.

O relator do recurso no tribunal, juiz Plínio Bolívar Almeida, considerou que o trabalhador é “pessoa humilde, ativado em função simples, servente de obra civil. Evidentemente não têm as suas palavras o mesmo peso de ofensa que as proferidas por pessoa culta”.

“No estrato social do reclamante a expressão usada, ‘vá se ferrar’ e até mesmo outras mais grosseiras, com maior conteúdo de ofensa moral, não têm o mesmo significado que a jovem testemunha, auxiliar do Departamento de Pessoal considerou, sobretudo pelo fato do ofendido ser o seu superior imediato”, observou.

Para os juízes, “subjetiva e objetivamente, a testemunha, influenciada pelo temor reverencial e pela própria educação mais esmerada, entendeu a expressão, quase coloquial, como ofensa. Pecado venial e que poderia, quando muito, ser punido com advertência verbal, no máximo escrita, até mesmo uma suspensão simples, de um dia. Jamais com a demissão por justa causa”.

Leia a íntegra da decisão

RECURSO ORDINÁRIO DA 20ª VT DE SÃO PAULO.

RECORRENTE: TRAJETO CONSTRUÇÕES E SERVIÇOS LTDA.

RECORRIDO: FRANCISCO JOSÉ E SILVA.

EMENTA: “Justa causa. Tem de ser corretamente comprovada. Discussão entre o trabalhador, pessoa simples, no departamento de pessoal, envolvendo ser demitido ou pedir demissão. Alegação de ter ficado alterado e usado expressões vulgares. Apenas uma testemunha, auxiliar do encarregado de pessoal. Apelo provido parcialmente.”

R E L A T Ó R I O

Inconformado com a r. sentença de fls. 105/110 que julgou procedente em parte a reclamação trabalhista recorre o Reclamado pela via ordinária às fls. 116/119, sustentando que a r. sentença deve ser reformada para que seja reconhecida a justa causa na dispensa do Reclamante. Discorda sobre o pagamento de horas extras e da multa. E aduz que os descontos referentes ao INSS e IRFF devem ficar também a cargo do Reclamante.

Feito instruído, conforme ata de fls. 51/53, com depoimento das partes e de duas testemunhas, uma convidada pelo Reclamante e outra pela Reclamada. Encerrada instrução processual. Juntados documentos com a inicial e com a defesa.

Embargos declaratórios opostos pelo Réu às fls. 112/113, rejeitados às fls. 114.

Custas processuais e depósito recursal pelo Reclamado, comprovado o recolhimento às fls. 120/122. Prazo e valores corretos.

Tempestividade das razões do recurso, também observada.

Regularmente intimado o Reclamante apresentou contra-razões às fls. 125/127 a tempo e modo.

Procuração acostada às fls. 09 pelo Autor e fls. 55 pelo Réu.

Dispensada remessa dos autos ao douto Ministério Público do Trabalho para atuação como custus legis, por não configuradas nenhuma das hipóteses do Provimento 01/2005 da CGJT.

É o relatório do necessário.

CONHECIMENTO

Conheço do recurso. Bem feito e aviado preenchendo, assim, os pressupostos de admissibilidade.

V O T O

Dou provimento parcial ao recurso da Reclamada.

Entendo não provada a justa causa para a demissão do trabalhador. Pessoa humilde, ativado em função simples, servente de obra civil. Evidentemente não têm as suas palavras o mesmo peso de ofensa que as proferidas por pessoa culta. Ademais, ter dito ao chefe de pessoal no calor de uma discussão “vá se ferrar”, exaltado, não tem peso suficiente para ser aplicada a pena máxima da demissão. E em que circunstâncias. O servente de obra é enviado ao Departamento de Pessoal. Duas versões, porque queria pedir demissão, ou que teria sido demitido. Público e notório que o mercado de trabalho é altamente deficitário. Principalmente na especialidade do Autor, simples servente de obra civil. Não parece razoável que tenha sido orientado pelo engenheiro encarregado da obra para ir ao Departamento de Pessoa e acordar a sua demissão. E a prova trazida pela Reclamada é muito frágil. Quase inexistente. É que a testemunha fala, genericamente, em exaltação do Reclamante, circunstância compreensível pela dificuldade de comunicação do servente de pedreiro e pela pressão do ambiente, o Departamento de Pessoal do empregador. No estrato social do Reclamante a expressão usada, “vá se ferrar” e até mesmo outras mais grosseiras, com maior conteúdo de ofensa moral, não têm o mesmo significado que a jovem testemunha, auxiliar do Departamento de Pessoal considerou, sobretudo pelo fato do ofendido ser o seu superior imediato. Subjetiva e objetivamente a testemunha, influenciada pelo temor reverencial e pela própria educação mais esmerada, entendeu a expressão quase coloquial, como ofensa. Pecado venial e que poderia, quando muito, ser punido com advertência verbal, no máximo escrita, até mesmo uma suspensão simples, de um dia. Jamais com a demissão por justa causa.

Os cartões de marcação da jornada, com a chamada “pontualidade britânica” e apontados por terceiros, forma usual e comprovada por simples visualização, não merecem qualquer credibilidade.

A prova testemunhal é, também, falha. Uma única testemunha e descrever o mesmo depoimento do Autor. Entretanto, esses horários declarados não são os mesmos que os requeridos na peça vestibular. De onde entendo não provado o alegado, ônus que caberia ao Reclamante. Entendo não comprovada a existência de horas extras não pagas pela Reclamada.

Ainda de se prover o recurso para que a Ré possa descontar e reter a parte do Autor nos devidos fiscais e previdenciários, os primeiros no total do recebido e os previdenciários aferidos mensalmente o valor da contribuição, nos termos da Súmula nº 368, do C. TST e Provimentos nº 01/1996 e 03/2005, ambos da CGJT.

DISPOSITIVO

Com os fundamentos supra dou provimento parcial ao recurso da Reclamada para determinar seja expungido da condenação o que vem a título de horas extras e reflexos e para determinar que as partes litigantes recolham cada qual a sua quota-parte relativa aos valores devidos à Previdência Social, nos termos da Súmula nº 368, do C. TST e determinar que o cálculo dos valores devidos a título de Imposto de Renda tenha por base o valor total dos créditos do Reclamante, observando-se os Provimentos nº 01/1996 e 03/2005, ambos da CGJT.

Custas como já sentenciado.

É o meu voto.

P. BOLÍVAR DE ALMEIDA

Juiz Relator

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