Restrição de seguro

Registro Nacional de Sinistro viola direito do consumidor

Autor

10 de fevereiro de 2006, 16h15

Introdução

De cerca de três anos para cá têm surgido situações inusitadas para os consumidores no mercado de seguros de automóveis. O adquirente de veículo formula a proposta perante uma seguradora e, por motivos desconhecidos ou mediante fórmulas genéricas e vazias, tais como "proposta recusada por critérios técnicos" ou “declínio por política de aceitação da companhia” , o consumidor recebe a notícia de que lhe foi negada a contratação do seguro.

Isso não seria estranho se o consumidor não tentasse a cobertura securitária perante outras seguradoras, recebendo recusas imotivadas pela totalidade das seguradoras e nada existindo que lhe desabone, ficando pasmo diante da sua privação de um direito próprio da cidadania e de interesse social, na medida em que as seguradoras exploram mercado fechado com a graça do Governo Federal, no lucrativo ramo do sistema financeiro que integram.

Tão pouco conhecido, mas tão nefasto como uma negativação indevida do consumidor junto ao Serasa ou SCPC, o RNS — Registro Nacional de Sinistros, mantido pela Fensaseg — Federação Nacional das Empresas de Seguros Privados e de Capitalização, tem violado sistematicamente os direitos do consumidor com a complacência do órgão de fiscalização governamental, que, por não ser diferente dos demais, fiscaliza e normatiza apenas aquilo que as fiscalizadas consentem, com verdadeira inversão de papéis como costuma acontecer no cenário brasileiro.

Assim, passo a descrever aquilo que acontece e o sistema vigente.

Do contrato de seguro

O Decreto-lei n° 73, de 21 de novembro de 1966, alterado pela Lei n° 9.656/98, que rege as operações de seguro, instituiu o Sistema Nacional de Seguros, composto pelo CNSP, Susep, IRB-Brasil, sociedades autorizadas a operar em seguros privados e capitalização, entidades abertas de previdência complementar e corretores de seguros habilitados.

O Governo Federal formula sua política de seguros privados, estabelece suas normas e fiscaliza as operações no mercado nacional. As empresas de seguros privados são autorizadas a operar, abrangendo não só seguros de veículos, mas de previdência privada, de vida e de saúde.

O contrato de seguro está inserido no contexto da política de governo, como instrumento da democracia necessário para o desenvolvimento econômico e social, possibilitando o exercício da cidadania pelas pessoas, que têm necessidade de contratar e obter a garantia contratual de proteção, de forma geral e sem discriminação.

Assim, não há liberdade de contratar, mas necessidade de contratar com alguma das seguradoras do sistema, que são obrigadas a aceitar as propostas, salvo motivo justificado.

Tanto assim é que a Susep, autarquia federal fiscalizadora das operações de seguro, editou a circular Susep 251, de 15 de abril de 2004, estabelecendo a obrigação da seguradora de fazer a comunicação formal de recusa de proposta, justificando a recusa, justamente para proteger o consumidor e diante do caráter social e necessário do contrato, que não pode mais ser visto sob os ultrapassados e senis olhos do direito de primeira geração do liberalismo contratual. in literis:

Circular Susep No 251, de 15 de abril de 2004.

Dispõe sobre a aceitação da proposta e sobre o início de vigência da cobertura, nos contratos de seguros e dá outras providências.

O SUPERINTENDENTE DA SUPERINTENDÊNCIA DE SEGUROS PRIVADOS – SUSEP, na forma do disposto no art. 3o, § 2o, do Decreto-Lei no 261, de 28 de fevereiro de 1967, no art. 36, alíneas “b”, “c”, “g” e “h” do Decreto-Lei no 73, de 21 de novembro de 1966, utilizando a faculdade outorgada pelo art. 6o da Resolução CNSP no 7, de 27de junho de 1996, e tendo em vista o que consta do processo SUSEP no 15414.001560/2003-48,


R E S O L V E:

Art. 2o A sociedade seguradora terá o prazo de 15 (quinze) dias para manifestar-se sobre a proposta, contados a partir da data de seu recebimento, seja para seguros novos ou renovações, bem como para alterações que impliquem modificação do risco.

§ 4o Ficará a critério da sociedade seguradora a decisão de informar ou não, por escrito, ao proponente, ao seu representante legal ou corretor de seguros, sobre a aceitação da proposta, devendo, no entanto, obrigatoriamente, proceder à comunicação formal, no caso de sua não aceitação, justificando a recusa.

(grifo nosso)

As seguradoras consultam o cadastro de negativação chamado de RNS – Registro Nacional de Sinistros, que é um banco de dados integrante do SISEG – Sistema Integrado de Dados Técnicos de Seguros, que tem sido utilizado tanto na aceitação de riscos, quanto nas regulamentações de sinistros, uma vez que possibilita o cruzamento de informações em sua ampla base de registros.

Este cadastro nacional de restrições é mantido como serviço pela Fenaseg – Federação Nacional das Empresas de Seguros Privados e Capitalização, exposto inclusive no seu site http://www.fenaseg.org.br/. As seguradoras alimentam o registro, o qual também utiliza as bases de dados do DPVAT, do Denatran (BIN Fabril, BIN Roubo e Furto), do SNG – Sistema Nacional de Gravames e da Associação Comercial de São Paulo. O registro é de consulta on line e vendido às seguradoras e associadas por meio de contrato, inclusive revendedoras de automóveis.

Na hipótese de o segurado ter seu carro roubado e posteriormente recuperado sem sequer ter utilizado o seguro (hoje em dia seqüestros relâmpagos são muito comuns), fica anotado na base de dados que seu veículo foi roubado (observando-se ou não que não houve utilização do seguro).

Se o mesmo segurado, por exemplo, teve dois pequenos sinistros, ainda que causados por culpa de terceiros, poderá ele ser inserido no Registro Nacional de Sinistros e suas futuras propostas de seguro serão negadas, ainda que tenha perfil médio de pessoa cuidadosa e responsável.

O consumidor ignora a sua inclusão no referido cadastro, idealizado inicialmente para identificar fraudadores no mercado de seguros. Ele não é comunicado da abertura do cadastro em seu nome nem quanto à natureza e teor dos fatos restritivos.

Tratando da amplitude da norma do art. 43 e seus parágrafos do Código de Defesa do Consumidor, o ilustre jurista e Magistrado Rizzato Nunes leciona que, a despeito da ênfase da discussão recair nos chamados cadastros de inadimplentes dos serviços de proteção ao crédito, a norma incide em sistemas de informação mais amplos. “Todo e qualquer banco de dados de arquivo de informações a respeito de consumidores – pessoas físicas ou jurídicas – está submetido às normas do CDC.” [1]

Esta é a razão pela qual o Direito do Consumidor exige a cientificação prévia de inclusão de registros em cadastros de negativação, para dar possibilidade ao consumidor de retificar, informar ou justificar (CDC art. 43), mas que tem sido esquecido por alguns seguimentos cartelizados da nossa economia.


Ao que parece, as Seguradoras somente querem tornar segurável o grupo de pessoas que jamais utilizam o seguro, no intuito de simplesmente auferir lucro, porém a finalidade das seguradoras é de, em recebendo prêmio atuarialmente definido, correr riscos relativos aos mesmos.

Do dano moral decorrente das violações

A obrigatoriedade de reparar o dano moral está consagrada na Constituição Federal, precisamente em seu art. 5º, onde a todo cidadão é "assegurado o direito de resposta, proporcionalmente ao agravo, além de indenização por dano material, moral ou à imagem" (inc. V) e também pelo seu inc. X, onde "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.

Temos dois ilícitos civis em potencial. O primeiro seria a própria inclusão do consumidor em cadastro de negativação, sem cumprir a obrigação legal de fazer a prévia cientificação, sem a qual não há a possibilidade daquele de retificar, informar ou justificar, conforme faculdade prevista no artigo 43 do Código de Defesa do Consumidor, que assim dispõe:

“Art. 43. O consumidor, sem prejuízo do disposto no art. 86, terá acesso às informações existentes em cadastros, fichas, registros e dados pessoais e de consumo arquivados sobre ele, bem como sobre as suas respectivas fontes.

§ 2° A abertura de cadastro, ficha, registro e dados pessoais e de consumo deverá ser comunicada por escrito ao consumidor, quando não solicitada por ele.”

Desta forma, é possível a aplicação do entendimento dos Tribunais já consolidado e exemplificado na ementa abaixo:

INDENIZAÇÃO – Responsabilidade civil – Danos moral e material – SERASA – Deferimento de inclusão de nome no cadastro negativo – Comunicação ao consumidor – Falta – Responsabilidade pela inobservância de procedimento legal – Artigos 43, §2º, do Código de Defesa do Consumidor, e 3º da Lei Federal 9.507/97 – Afronta aos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório – Danos materiais, no entanto, inexistentes – Indenização por dano moral devida – Recurso provido para esse fim. (Apelação Cível 162.547-4 – Americana, Terceira Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de SP, 3/10/2000, JTJ 248/149)

Também:

Recurso Especial 752.135 – RS (2005/0083236-3), Min. Aldir Passarinho Junior, Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, julgamento em 16.08.2005.

O segundo seria decorrente do caráter restritivo e prejudicial ao consumidor que emana da própria natureza e finalidade do RNS, de efeito a estigmatizar o cadastrado como privado de condições normais a merecer a tutela securitária.

Conclusão

Então, na próxima vez que for fazer seguro e receber uma recusa, deve ser esta motivada. Se outras seguradoras recusarem-no também, fique desconfiado, pois poderá estar incluído no referido cadastro, devendo procurar ajuda com as entidades de defesa do consumidor e junto ao Ministério Público, que tem tido atuação formidável no tema do exercício da cidadania.

Dentre as inúmeras atribuições do Ministério Público de São Paulo, encontra-se aquela destinada a promover a tutela civil dos interesses difusos e coletivos dos consumidores. Esta tutela é promovida pelos Promotores de Justiça do Consumidor do Estado de São Paulo, Órgãos de Execução.

Haverá interesses difusos quando ocorrer lesão ou ameaça de lesão a um número indeterminado de consumidores, ligados entre si por circunstâncias de fato (CDC, art. 81, parágrafo único, inc. I). Por exemplo: publicidade enganosa, rotulagem irregular de alimentos ou medicamentos, cláusulas abusivas em contratos padrões, produtos com vícios de qualidade ou quantidade ou defeitos colocados no mercado de consumo, cadastros gerais de negativação, etc.

A Representação deverá ser dirigida ao Promotor de Justiça do Consumidor do local do dano, quando de âmbito local, e ao Promotor de Justiça do Consumidor da Capital (Rua Riachuelo, 115, 1º andar, sala 10, CEP 01007-904), quando de âmbito regional ou nacional.


[1] Comentários ao Código de Defesa do Consumidor: direito material (arts. 1º a 54), Luiz Antonio Rizzatto Nunes, São Paulo, Saraiva, 2000, p. 514/525

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!