Altivez judicial

Entrevista: ministro Gilmar Mendes

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10 de fevereiro de 2006, 13h48

Eleito presidente do Tribunal Superior Eleitoral na última terça-feira (7/2), o ministro Gilmar Mendes tem diagnóstico e prognóstico na ponta da língua para descrever os problemas da Justiça Eleitoral e a diretriz que deve adotar para atenuá-los. O principal drama, afirma, está no aspecto gerencial. O desafio é o de racionalizar o sistema, priorizando o que realmente importa.

“Mas o rigor para combater os vícios não pode ser usado para trair as urnas”, adverte, dando como exemplo o caso de um município em que os três candidatos a prefeito participaram da inauguração de uma obra pública e todos os três tiveram a candidatura cassada.

Gilmar acha fundamental transplantar o aporte tecnológico do Tribunal Superior Eleitoral para todo o país e lutar para manter a estrutura leve, eficiente e rápida que essa Justiça especializada tem. O ministro pode não completar o mandato, já que a saída de Nelson Jobim do STF deve antecipar sua vez de participar do comando do tribunal, como vice da sua colega Ellen Gracie.

Mas o ministro não se furta a propor mais realismo na avaliação do quadro atual. “Responder, apoliticamente, que estaríamos preparados para as novas formas de fraude no financiamento dos partidos poderia ser algo presunçoso. Mas podemos afirmar com grande tranqüilidade que agora estamos mais atentos. Há propostas de novas resoluções, há critérios novos de fiscalização, novos procedimentos estão sendo encetados”, afirma.

Nesta entrevista à revista Consultor Jurídico, Gilmar Mendes avalia que até agora a Justiça Eleitoral centrava esforços no combate às fraudes na votação, mas que o problema foi superado com a votação informatizada. Segundo o ministro, “não se dava a devida atenção à questão do financiamento dos partidos”.

Leia a entrevista

ConJur — Como o TSE ajuda no exercício da democracia?

Gilmar Mendes — O TSE exerce uma função importantíssima no atual sistema democrático brasileiro, não só realizando as eleições, que hoje têm a qualidade do voto informatizado, mas também fiscalizando as eleições, evitando os abusos de poder político ou econômico. O Tribunal também julga as eventuais pendências a respeito de todo o processo eleitoral, desde o registro até a diplomação dos candidatos.

ConJur — Desde que começou sua carreira, o que o senhor acha que mudou na democracia brasileira?

Gilmar Mendes — Estamos fazendo um longo aprendizado democrático desde a Constituição de 1988. Nós podemos apontar, especialmente em relação ao modelo de 1988, uma democracia mais sólida, porque calcada em bases institucionais mais fortes. Nós temos não só o Congresso Nacional, o Poder Executivo, as eleições regulares, a alternância de poder, mas também um Poder Judiciário forte, um Ministério Público forte e atuante, uma sociedade civil que se organiza e que reclama. Temos os mais diversos elementos que fazem a base de uma democracia sólida. O Brasil tem se modernizado também da perspectiva de uma democracia a partir da força dessas diversas instituições.

ConJur — Por falar em aprendizado, o TSE está aparelhado para impedir que se repitam valeriodutos?

Gilmar Mendes — Todos nós aprendemos um pouco com essas acusações, com essas revelações. Creio que temos feito uma autocrítica. Havia um enfoque, no âmbito da Justiça Eleitoral, no sentido de priorizar o combate às fraudes e nós superamos isso, por exemplo, com a informatização das eleições. Havia uma ênfase no combate ao abuso do poder político ou econômico manifestado, às vezes, de maneira tópica, episódica, aqui ou acolá. Mas não se dava a devida atenção à questão do financiamento dos partidos. E aí essa revelação foi extremamente importante. E o TSE, como as demais instituições, está atento a essa nova questão. Há propostas de novas resoluções, há critérios novos de fiscalização, novos procedimentos estão sendo encetados.

ConJur — Então, estamos preparados para combater o problema do financiamento partidário?

Gilmar Mendes — Sim, mas não devemos ter ilusões. Nós temos de ter uma luta permanente e esse não é um problema apenas da democracia brasileira. Quando nós vislumbramos crise nas democracias no mundo, em geral ela está na questão do financiamento dos partidos ou do financiamento das campanhas eleitorais. Então responder, apoliticamente, que nós estaríamos preparados para as novas formas de fraude no financiamento dos partidos poderia ser algo presunçoso. Mas podemos afirmar com grande tranqüilidade que agora estamos mais atentos a esse tema e sabemos de seu potencial de corrupção, da ameaça séria que ele constitui para o próprio processo democrático.

ConJur — O que foi feito para combater essa prática?

Gilmar Mendes — A partir da iniciativa do ministro Carlos Velloso nós fizemos uma comissão no âmbito do Tribunal Superior Eleitoral e apresentamos já algumas sugestões ao Congresso Nacional, que estão se processando. Estamos em contato com a Receita Federal e tentando aprimorar um modelo de controle. Estamos num esforço de modernização institucional. É preciso que os atores da cena democrática, os partidos, os candidatos, se engajem nesse esforço que é básico para a construção de uma democracia saudável. É preciso, portanto, que essas normas encontrem legitimidade, encontrem validade, que nós não precisemos apelar de forma mínima para o seu efeito repressivo. Vamos apostar nesse conteúdo pedagógico, especialmente depois dessas revelações tão negativas para essa nossa experiência.

ConJur — O senhor diria que o PT está tecnicamente habilitado a concorrer depois de tudo o que se verificou?

Gilmar Mendes — Não vou emitir juízos sobre essa questão. Inclusive há discussões sobre isso na própria Justiça Eleitoral.

ConJur — Partindo da polêmica sobre o ministro Nelson Jobim, pode-se dizer que hoje o Judiciário brasileiro é apolítico?

Gilmar Mendes — Eu creio que nem a Constituição pretende que, especialmente o Supremo Tribunal Federal, seja apolítico. É quase uma constatação óbvia que o Tribunal exerce uma função política eminente, que é a função de definir o limite dos demais poderes e de seu próprio poder. Mas o Supremo não pode e não deve ter atuação político-partidária. Por isso a Constituição estabelece a proibição de um juiz ter vinculação político-partidária. O Tribunal não pode estar a serviço dessas forças partidárias. O juiz não deve estar vinculado a impulsos político-partidários. A função política do tribunal, porém, é natural porque, por definição, ao Tribunal cumpre a definição dos limites dos demais poderes e de seus próprios atos.

ConJur — Esse sistema que permite a políticos que participam de eleições indicar juízes não é perigoso?

Gilmar Mendes — Não. Ninguém coloca em dúvida a independência do tribunal por causa disso. A história está aí para mostrar. Há inúmeros exemplos de juízes que votaram contra as autoridades que o indicaram. Pode ocorrer que forças dominantes indiquem mais juízes num dado momento histórico. Mas nada que comprometa a lisura do processo. É preciso tomar cuidado para que a idéia da independência total não leve ao autismo. O pior que poderia acontecer seria a falta de legitimação por parte do tribunal — isto é, a sua não aceitação por parte dos jurisdicionados. E isso não ocorre.

ConJur — O senhor acha que há um recrudescimento de ataques contra a imprensa por meio de ações cíveis, tentativas de mordaça, etc?

Gilmar Mendes — Temos um texto moderno e complexo. E como tal ele procura assegurar as mais diversas posições desses atores plurais de uma sociedade complexa. A imprensa tem um papel importante, mas é claro que se ela atinge direitos também deve responder. E aí há a responsabilidade tradicional, ortodoxa, criminal e penal se for o caso, e há também a responsabilidade civil. Então isso me parece absolutamente natural, não há nada de novo nessa questão. Talvez a Constituição de 1988 apenas tenha explicitado todos esses termos: de um lado assegurou a ampla liberdade de imprensa, proibiu a censura e de outro permitiu que as pessoas eventualmente atingidas por atos da imprensa, ou de outras pessoas, possam mover a sua defesa. Agora, o texto constitucional não comporta medidas de proibição de publicação, de restrições absolutas. Se houve uma medida nesse sentido por parte de um juiz, cabe à parte atingida recorrer. Não me parece que haja esse perigo sistêmico, essa ameaça à liberdade de imprensa no Brasil. Pelo contrário. Eu acredito que nós estamos a viver um dos períodos mas amplos de liberdade de imprensa.

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