Preço da discussão

Bate-boca com cliente dá demissão por justa causa

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10 de fevereiro de 2006, 9h59

Empregado que discute com cliente pode ser demitido por justa causa. O entendimento é da 9ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (São Paulo). Para os juízes, os empregados são representantes do empregador e devem se portar com dignidade e cortesia perante a clientela. A decisão do TRT paulista mantém a demissão por justa causa de uma empregada da Drogaria Onofre.

Segundo os autos, a autora da ação trabalhava como caixa da drogaria e chamou o freguês de burro, porque ele não conseguia lembrar a senha do cartão do banco. O cliente retrucou, dizendo que burra era ela. A drogaria classificou o ato da empregada como indisciplina e, amparada no artigo 482, alínea “h”, da Consolidação das Leis do Trabalho, rescindiu seu contrato.

Inconformada, a caixa entrou com ação na 58ª Vara do Trabalho de São Paulo, para reverter sua demissão em dispensa sem justa causa. A primeira instância negou o pedido. Ela recorreu ao TRT de São Paulo insistindo em receber as verbas rescisórias.

O juiz Luiz Edgar Ferraz de Oliveira, relator do Recurso Ordinário, esclareceu que, “independentemente de quem deu início às agressões verbais, fato é que a atitude da reclamante, ao discutir com cliente, basta à quebra de confiança, o que autoriza a dispensa por justa causa”.

Para o relator, “os empregados são prepostos do empregador e devem portar-se com dignidade e cortesia perante a clientela. Em caso de desentendimento com o cliente, por motivos relacionados à negociação, devem solicitar a intervenção do superior hierárquico”.

Leia a íntegra da decisão

9ª TURMA

PROCESSO N° 01738.2003.058.02.00-1

RECLAMANTE: ANGELICA RAMOS VALENCIA

RECLAMADA: DROGARIA ONOFRE LTDA.

RECORRENTE: A RECLAMANTE

ORIGEM: 58ª Vara de São Paulo

Justa causa. Discussão e ofensas recíprocas entre vendedor e cliente. CLT, art. 482, alíneas “h” e “j”. Os empregados são prepostos do empregador e devem portar-se com dignidade e cortesia perante a clientela. Em caso de desentendimento com o cliente, por motivos relacionados à negociação, devem solicitar a intervenção do superior hierárquico. Não podem os prepostos entrar em bate-boca com o cliente, usando desnecessariamente palavras que ofendem a auto-estima, salvo se a atitude for em auto-defesa, a título de retorsão, ou resposta imediata a uma ofensa pessoal que constitua crime, o que será sempre dependente de prova, competindo ao trabalhador provar sua versão em caso de dispensa por justa causa.

RECURSO ORDINÁRIO

Contra a sentença de parcial procedência (fls. 130/133). Pede reforma (fls. 140/144), postulando as verbas decorrentes da dispensa imotivada, diferenças de piso salarial, horas extras, adicional noturno, reflexos e multa do artigo 477 da CLT. Contra-arrazoado (fls. 149/151). Remessa dos autos ao Ministério Público do Trabalho, conforme certidão de fl. 152.

VOTO

1. Pressupostos. Conheço, nos termos da lei (fls. 9 e 140).

2. Justa causa. Mantenho a sentença. Os fatos que motivaram a dispensa enquadram-se nas disposições do artigo 482, “h” da CLT. A testemunha da reclamada – Sr. Vilmar – declarou que “…desceu, presenciando a reclamante e um cliente discutindo; que não sabe quem começou a discussão; que todavia presenciou a reclamante faltando com respeito com o cliente e vice-versa; que a reclamante disse ao cliente que ele não sabia passar a senha e era burro; que o cliente retrucou, dizendo à reclamante que ela é que era burra” (fl. 86). Independentemente de quem deu início às agressões verbais, fato é que a atitude da reclamante, ao discutir com cliente, basta à quebra de confiança, o que autoriza a dispensa por justa causa. A indisciplina, caracterizada pelo “…descumprimento de ordens gerais do empregador, dirigidas impessoalmente ao quadro de empregados”, é verificada, já que para o sucesso empresarial é fundamental a cortesia no tratamento dos clientes. Faz parte do trabalho, além das tarefas inerentes à função, a manutenção do equilíbrio emocional em situações críticas, devendo, o bom empregado evitar situações deste tipo que, ao final, apenas geram prejuízos ao empregador. Os empregados são prepostos do empregador e devem portar-se com dignidade e cortesia perante a clientela. Em caso de desentendimento com o cliente, por motivos relacionados à negociação, devem solicitar a intervenção do superior hierárquico. Não podem os prepostos entrar em bate-boca com o cliente, usando desnecessariamente palavras que ofendem a auto-estima do cliente, salvo se a atitude for em auto-defesa, a título de retorsão, ou resposta imediata a uma ofensa pessoal que constitua crime, o que será sempre dependente de prova, competindo ao trabalhador provar sua versão em caso de dispensa por justa causa. Além da indisciplina e da insubordinação, há de ser considerada a hipótese da letra j do art. 482 da CLT, que se refere a ofensa proferida pelo empregado contra qualquer pessoa no âmbito da empresa. Mantenho a decisão.

3. Das funções exercidas. A recorrente confirma no depoimento que exercia tarefas variadas, nem sempre ligadas às de balconista, ao confessar que “…foi para o balcão de atendimento (já que fazia várias atividades na reclamada, inclusive aplicação de injeção” (fl. 85). Na inicial se qualifica como caixa e os fatos que ensejaram sua dispensa ocorreram no exercício de funções de caixa. Sua primeira testemunha afirma que suas funções primordiais eram de caixa, apensas exercendo outras caso estivesse desocupada (fl. 86). Portanto, indevidas as diferenças salariais do piso dos balconistas. Mantenho.

4. Horas extras e reflexos. A reclamada trouxe aos autos os controles de horário (fls. 104/120), assinados pela recorrente, a quem incumbia a prova da prestação de horas extras (artigo 818 da CLT). Deste ônus, a recorrente se desincumbiu em parte. Sua primeira testemunha afirma que (fls. 85/86): “trabalhavam no mesmo horário: das 13:40 às 22:00/22:30/22:45 com uma folga semanal; que a devida prorrogação do horário trabalhado não era anotada em folha de ponto”. A 1ª testemunha da reclamada não foi inquirida sobre o assunto e a 2ª testemunha não trabalhava com a reclamante. Logo, se defesa afirma que o trabalho ia até 22 e a prova testemunhal é no sentido de que a recorrente ficava à disposição até por volta de 22:30, tem a recorrente direito de receber meia hora extra diária. Não há hora extra em sábado, pois o regime de trabalho era de 5 x 1, com uma folga, ou duas quando a recorrente trabalhava seis dias seguidos. Dou provimento parcial ao recurso para incluir na condenação meia hora extra diária com adicional de 50% e os reflexos nos termos da letra “c” da inicial.

5. Adicional noturno. Devida a diferença de 20% de adicional noturno sobre a meia hora extra, até 30/6/2003, e de 30% a partir da vigência da norma coletiva – cláusula 47ª (fl. 56) -, com os mesmos reflexos postulados na inicial.

6. Multa do art. 477 da CLT. Houve depósito em conta corrente (fls. 128/129) no prazo do § 6º da mesma norma e a recorrente, por ocasião da dispensa, trabalhava há menos de um ano, não havendo necessidade de homologação da rescisão ou pagamento. Mantenho a improcedência deste pedido.

7. Conclusão. Dou provimento parcial ao recurso para acrescer à condenação meia hora extra diária, com adicional de 50%, e adicional noturno de 20% até 30/6/2003 e 30% a partir da vigência da norma coletiva, mais diferenças de repousos e reflexos em FGTS, férias e 13º salário quitados, apurando-se a atualização monetária e juros nos termos da sentença. Arbitro em R$.500,00 o acréscimo da condenação, importando as custas suplementares em R$.10,00, pela reclamada. Nada mais.

Juiz LUIZ EDGAR FERRAZ DE OLIVEIRA

Relator

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