Hora extra

Tempo gasto para vestir uniforme de trabalho deve ser pago

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9 de fevereiro de 2006, 10h05

O tempo que o trabalhador gasta para vestir o uniforme já conta como jornada de trabalho e deve ser remunerado. O entendimento é da 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (São Paulo). Os juízes condenaram a Mahle Componentes de Motores do Brasil a pagar a um ex-empregado 10 minutos por dia de trabalho como hora extra. Cabe recurso.

A empresa exigia que o funcionário só registrasse o ponto depois de estar uniformizado. No fim do expediente, o procedimento era o contrário: o empregado tinha de bater o cartão antes de se trocar. Por entender que merecia receber hora extra pelo tempo gasto, o ex-empregado entrou com ação na Vara do Trabalho de Mauá (SP).

Para se defender, a Mahle alegou que o fato de o relógio de ponto estar na ante-sala do vestiário, onde seus empregados se preparam para o trabalho, não significa que eles já estejam a seu serviço. A primeira instância não acolheu o argumento e a indústria de autopeças recorreu ao TRT paulista.

O juiz Plínio Bolívar de Almeida, relator do Recurso Ordinário, esclareceu que “independentemente de onde estava o relógio, claramente, os trabalhadores estavam à disposição do empregador desde o momento em que adentravam no estabelecimento”.

“São de livre disposição do empregador as normas de administração. Mas, se tem interesse nesse procedimento e exige o comparecimento do empregado minutos antes do início da jornada, tem de remunerar, como hora extra, o que ultrapassar a jornada normal”, concluiu o juiz.

RO 01486.1998.361.02.00-0

Leia a íntegra da decisão

RECURSO ORDINÁRIO DA 27ª VT DE MAUA.

RECORRENTE: MAHLE COMPONENTES DE MOTORES DO BRASIL LTDA.

RECORRIDO: VANDETE ALVES DA SILVA.

EMENTA: “Procedimento administrativo que exige maior tempo do trabalhador à disposição do empregador. Normas de apresentação e colocação de vestuário antes do início da jornada. Horas-extras. Apelo não provido.”

RELATÓRIO

Inconformada com a r. sentença de fls. 378/382 que julgou procedente em parte a reclamação trabalhista recorre a Reclamada pela via ordinária às fls. 400/431 sustentando que a r. sentença deve ser reformada e não concordando com o pagamento de horas extras e com a reintegração ao trabalho, tendo em vista ausência do atestado do INSS. Pede a reversão da condenação quanto aos honorários periciais.

Laudo Pericial às fls. 314/334. Impugnação a perícia às fls. 351/359 somente pela Reclamante. Esclarecimentos às fls. 362/364.

Feito instruído, conforme ata de fls. 376. A Reclamante desiste do pedido de insalubridade, homologado pelo douto Juízo “a quo” com a concordância da Ré. Sem oitiva das partes e testemunhas. Encerrada instrução processual. Juntados documentos com a inicial e com a defesa.

Embargos declaratórios opostos pela Reclamada às fls. 388/389, rejeitados às fls. 390.

Custas e depósito recursal satisfeitos às fls. 407/408.

Tempestividade das razões de recurso também observadas.

Regularmente intimada, a Reclamante apresentou contra-razões às fls. 434/435 a tempo e modo.

Procurações acostadas às fls. 13 pela Autora e fls. 337 pela Ré.

Douto parecer do Ministério Público do Trabalho por cota às fls. 436, nos termos da Lei Complementar nº 75/1993.

É o relatório do necessário.

CONHECIMENTO

Conheço do recurso. Bem feitos e aviado preenchendo, assim, os pressupostos de admissibilidade.

V O T O

Horas Extras. Nego provimento. A Reclamada determina a colocação do relógio de marcação de início e término da jornada, praticamente na ante-sala do vestiário onde os seus empregados se preparam para o trabalho. E insiste que tanto não significa que esses já estão a seu serviço. Independentemente de onde estava a “chapeira” e o relógio, entendo que, claramente, os trabalhadores estavam à disposição do empregador desde o momento em que adentravam no estabelecimento. E tinham de chegar nesse horário para, arrumados e alinhados, iniciarem a ativação, que nada tem a haver com a “disponibilidade para o emprego”. Claro está que a não obediência aos padrões determinados pela empresa, evidentemente traria ao obreiro a condição de ser visto como pessoa de difícil trato, ou seja, a caminho da demissão. São de livre disposição do empregador as normas de administração. Mas, se tem interesse nesse procedimento e exige o comparecimento do empregado minutos antes do início da jornada, tem de remunerar, como hora-extra, o que ultrapassar a jornada normal.

Reintegração por conta de estabilidade. Doença profissional.

O Código Civil vigente privilegia a boa-fé nas relações sócio-econômicas. E determina, em seu artigo 114, e em consonância com o dispositivo 1090 do Código Civil anterior, que as condições mais benéficas têm de ser interpretadas de forma restritiva.

É meu entendimento que a r. decisão, que reformo, não atendeu a esses procedimentos, determinados por princípios gerais de direito.

O que a norma coletiva impede é a perversidade da demissão do trabalhador acidentado, ou que padece de alguma enfermidade adquirida no decorrer do contrato de trabalho com o mesmo empregador. Que, então, assume a responsabilidade de encontrar alguma atividade, nova colocação para ao empregado, até pela dificuldade que passará a ter de encontrar um outro emprego. É a determinação da função também social da atividade econômica e que não pode ter como único sentido a obtenção de maior lucratividade.

Entretanto, condiciona a garantia a dois pressupostos:

a) redução da capacidade laboral, incapacidade de continuar na mesa função e de exercer função compatível com a sua capacidade de trabalho, após o evento;

b) necessário atestado do INSS.

Em outras palavras, somente no caso de divergência entre esses elementos é que está presente a possibilidade do pedido pretorial. E para se evitar abusos ou interpretações subjetivas, quer de peritos, quer de julgadores e que, infelizmente não são raras no desenrolar dos trabalhos processuais.

Não faço a mesma interpretação do auxiliar do Juízo, que, sempre é bom lembrar, não obriga o Julgador.

A uma, porque não foi acionado, previamente o INSS e que poderia arcar com os custos da eventual impossibilidade do empregado em continuar o contrato de trabalho. Não trouxe a Autora, e o fato está sendo alertado pela Reclamada desde a contestação e reiterado nas razões de recurso, a comprovação indispensável do Laudo do INSS.

A duas, porque a eventual moléstia, LER, não impossibilita o trabalhador de ser colocado em outra função. Não está a Autora absolutamente impedida de trabalhar. Poderia e deveria ser afastada por conta da Previdência Pública para o competente tratamento. Não poucas vezes temos julgado processos em que o obreiro pretende a garantia, mas, já está trabalhando em outra empresa.

A três, a perícia foi realizada quando o local de trabalho já estava totalmente desativado, conforme consta do laudo pericial, fls. 315, última linha, desde 1995 e a perícia foi realizada em 2001 (fls. 314), o que diminui, se não, exclui, a fidelidade.

A norma coletiva não está presente para assegurar, em qualquer hipótese, um emprego vitalício. A função é de propiciar o tratamento e, no caso de, efetivamente o trabalhador não poder continuar na mesma função, face ao acidente ou moléstia, ter resguardado o emprego a que se dedicou e que foi causa do infortúnio.

DISPOSITIVO

Com os fundamentos supra dou provimento parcial ao apelo da Reclamada para julgar improcedente a ação no que diz respeito à reintegração por conta de doença profissional e reflexos, mantendo no mais o r. decidido.

Custas como já arbitradas.

Despesas processuais abarcadas pelos honorários periciais por conta da Autora e que isento tendo em vista a nova disposição do celitário a partir da Lei 10.537, de 2000. Houve o pedido de isenção de custas, formulado com a peça vestibular às fls. 12, item 3-8 e devidamente instruído com a declaração de fls. 14 dos autos do processo.

É o meu voto.

P. BOLÍVAR DE ALMEIDA

Juiz Relator

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