Complicações legais

A propósito de unificar impostos, Supersimples viola direitos

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9 de fevereiro de 2006, 19h10

O Projeto de Lei Complementar 123 (PLP 123/2004), conhecido como Supersimples, foi apresentado com objetivo de eliminar burocracias e regulamentar a unificação de tributos, para incentivar a legalização de milhares de micro e pequenas empresas que hoje atuam na informalidade.

Mas a mesma proposta que visa facilitar a vida de micro e pequenos empresários pode significar dificuldades e redução de direitos por outro lado – o lado do trabalhador.

O substitutivo em debate na Câmara padece de um grande problema: extrapola em muito a abrangência da matéria, que deveria ser uma lei complementar apenas para “instituir o regime único de arrecadação dos impostos e contribuições da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”. Assim, em vez de tratar unicamente da matéria tributária do novo regime especial, o substitutivo avança – de forma inconstitucional e com grandes problemas no mérito – sobre as legislações trabalhista, previdenciária e até em normas de fiscalização sanitária, ambiental e de segurança do trabalho; além de matérias de direito civil e processo judicial.

Evidentemente essa matérias estranhas devem – a bem da constitucionalidade e da técnica legislativa – serem retirados do substitutivo, restabelecendo o âmbito da Lei Complementar ao que manda o parágrafo único do art. 146 da Constituição: instituir regime único de arrecadação dos impostos e contribuições da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

Mudanças na legislação trabalhista

Ao tentar criar novos benefícios para empresários individuais com receita bruta menor que 36 mil reais/mês, o substitutivo avança sobre um terreno perigoso: a redução de direitos trabalhistas.

Artigo 41

Estabelece que, no que se refere às obrigações previdenciárias e trabalhistas, o empresário individual com receita bruta anual de até 36 mil reais teria opção de reduzir o depósito para o FGTS para até 0,5%.

Qual é o problema

Esta medida abre um precedente perigoso: além de criar duas categorias de trabalhadores, abre a porta para redução, no futuro, do depósito também em grandes empresas.

E, mais grave, na prática aceita-se uma situação em que o acordado prevalecerá sobre o legislado – ou seja, se houver acordo entre patrão e empregado, a lei que obriga o depósito de 8% do FGTS poderá ser desconsiderada, valendo o acordo. Este é um precedente legal que pode abrir espaço para que, no futuro, a mesma regra passe a valer para outros direitos trabalhistas, como já se tentou fazer outras vezes.

Artigo 44

Neste artigo, o substitutivo avança sobre a fiscalização no que se refere aos aspectos trabalhista, metrológico, sanitário, ambiental e de segurança. Estabelece que a fiscalização deverá ter “natureza prioritariamente orientadora” e que, em caso de se constatar irregularidade (nas áreas citadas), só será possível a fiscalização lavrar infração em uma segunda visita (na primeira, com algumas exceções, só poderá ser feita advertência), mas a segunda visita é definida de tal forma que só será possível lavrar a infração depois de formalizado um “Termo de Ajustamento de Conduta” e quando se registrar reincidência de falta em relação ao termo de conduta; isto é, apenas cometida a mesma falta, pela terceira vez, será possível lavrar o ato de infração.

Qual é o problema

O procedimento proposto é no mínimo leniente em questões essenciais, que envolvem riscos iminentes à saúde à vida das pessoas. E tem, também, o inconveniente de estender aos fiscais o poder de negociar termo de ajustamento de conduta, procedimento mais próprio do Ministério Público.

Movimento sindical protesta

Várias centrais sindicais já lançaram nota criticando as mudanças propostas pelo substitutivo. A CUT “manifesta sua posição contrária a diversos artigos da proposta que flexibilizam direitos e precarizam relações de trabalho”. Em nota oficial, a Central afirma que “Ficariam comprometidas as multas por atraso no pagamento de salário, férias, 13º salário etc, dada a amplitude do termo de ajustamento ou compromisso. Por outro lado, a possibilidade de redução do depósito para o FGTS, além de criar duas categorias de trabalhadores, poderia abrir a porta futuramente para redução do depósito também em grandes empresas”.


A Nova Central Sindical dos Trabalhadores avalia que o substitutivo “poderá usurpar com direitos dos trabalhadores e fragilizar, ou até mesmo, aniquilar de vez, com instrumentos de fiscalização que deveriam dar garantias mínimas de salubridade e segurança aos trabalhadores”.

A Força Sindical também lançou nota oficial, protestando contra os pontos do substitutivo que avançam sobre os direitos dos trabalhadores. Diz a nota: “A Força Sindical considera um crime contra o trabalhador brasileiro, as propostas referentes às leis trabalhistas embutidas no Substitutivo do Projeto de Lei Complementar nº 123 – Lei Geral das Micro e Pequenas Empresas que está em tramitação no Congresso Nacional. Parte dos dispositivos que constam no Substitutivo são benéficos. No entanto, outros são extremamente prejudiciais e não contribuirão para estimular a criação de micro e pequenas empresas. Portanto, devem ser excluídos do Substitutivo. Por exemplo, o Substitutivo propõe reduzir o depósito do FGTS de 8% para 0,5%, criando trabalhadores de segunda classe”.

Mudanças na legislação previdenciária

São propostas várias mudanças e criados regimes especiais para empresários individuais. Mas algumas delas são inconstitucionais, outras reduzem benefícios.

Artigo 69

Modifica o artigo 21, da Lei 8212/2001, que trata da alíquota de contribuição dos segurados empresário, facultativo, trabalhador autônomo e equiparado. Pela proposta, estes passam a ter direito a um regime especial, de contribuição de 11% sobre o salário de contribuição (que pela lei é de 20%). Mas quem optar pela alíquota mais baixa não poderá contar o período em que contribuir com a alíquota reduzida para aposentadoria por tempo de contribuição.

Qual é o problema

O artigo 201 da Constituição Federal, inciso V, parágrafo 1º diz expressamente:

§ 1º É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de poasentadoria aos beneficiários do regime geral de previdência social, ressalvados os casos de atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, definidos em lei complementar.

O artigo 59 do PLP 123, ao adotar critérios diferenciados para concessão de aposentadoria por tempo de contribuição, entra em choque claramente com a Constituição Federal.

Artigo 71

Modifica vários artigos da Lei 8213/1991. Vários deles têm que ser questionados, pois criam novas regras para concessão de auxílio-doença, por exemplo – o que já foi tentado com a MP 242, rejeitada pelo Congresso e considerada inconstitucional pelo STF. Veja os artigos modificados, e qual o problema:

Mudança no inciso II do artigo 26 da Lei 8213

Este artigo, no seu inciso II, determina que não há carência para a concessão dos seguintes benefícios previdenciários: auxílio-doença e aposentadoria por invalidez nos casos de acidente de qualquer natureza ou causa de doença profissional ou do trabalho. Ao modificá-lo, o artigo 71 do PLP exclui desses casos os cidadãos que optarem pela alíquota menor, de 11%. Para estes, haveria carência de 12 meses.

Qual é o problema

Mais uma vez, tenta-se mudar a forma de concessão de auxílio-doença, dificultanto o acesso a ela – como foi tentado na MP 242. Se o objetivo, como dizem os proponentes da lei e seus defensores, é a inclusão previdenciária de milhares de brasileiros, não faz sentido criar novas carências. Se alguém só tem condições de pagar 11% de contribuição, não pode ficar desamparado caso sofra acidentes ou doença de trabalho, por exemplo, dez meses após estar contribuindo com a Previdência na nova proposta de alíquota.

Esta proposta de mudança é também inconstitucional. Afronta o § 13 do artigo 201 da CF, que diz o seguinte:


§ 13 O sistema especial de inclusão previdenciária de que trata o § 12 deste artigo terá alíquotas e carências inferiores ás vigentes para os demais segurados do regime geral de previdência social.”

Fica claro que está sendo instituída uma carência superior à vigente para os demais segurados do RGPS e, portanto, está sendo contrariado esse dispositivo constitucional.

Artigo 72

Modifica o artigo 94 da Lei 8213/1991, que diz o seguinte:

Art. 94. Para efeito dos benefícios previstos no Regime Geral de Previdência Social, é assegurada a contagem recíproca do tempo de contribuição ou de serviço na administração pública e na atividade privada, rural e urbana, hipótese em que os diferentes sistemas de previdência social se compensarão financeiramente.”

O art. 72 do PLP acrescenta um parágrafo ao artigo acima, que tem a seguinte redação:

§2º Não será computado como tempo de contribuição, para efeito dos benefícios previstos em regimes próprios de previdência social o período em que o segurado contribuinte individual ou facultativo tiver contribuído na forma do § 2º, salvo se complementadas as contribuições na forma do § 3º, ambos do artigo 21 da Lei nº 8212, de 24 de julho de 2001.”(NR)

Qual é o problema

Os regimes próprios de Previdência (de servidores públicos da União, Estados e Municípios) admitem dois tipos de aposentadoria: por tempo de contribuição ou por idade. A mudança proposta atinge os servidores públicos que, durante determinado tempo, tiverem contribuído pela alíquota reduzida, de 11%, instituída pelo PLP (que deixa claro que o tempo não pode ser contado para aposentadoria por tempo de contribuição).

Pela legislação atual, ao requerer o benefício da aposentadoria, seja por idade ou por tempo de contribuição, o servidor pode contar o tempo em que esteve na iniciativa privada. Se for aprovada a nova proposta, será desconsiderado o tempo de contribuição com a alíquota reduzida. Ou seja, suponha que um contribuinte individual tenha optado por contribuir com 11%, já que não tinha condições de pagar os 20% e o faz durante 10 anos. Posteriormente, é aprovado em um concurso público e se torna servidor. Quando atingir a idade em que pode se aposentar por idade, esta será concedida proporcionalmente ao tempo de contribuição.

Mas esse servidor será bastante prejudicado, pois os 10 anos em que contribuiu com alíquota reduzida não podem ser contados para sua aposentadoria por idade. É,portanto, uma discriminação e um grande prejuízo para o segurado.

Aprovar os benefícios para as empresas, sem prejudicar os trabalhadores

Em que pese o mérito e a necessidade de aprovação da matéria, é essencial que as matérias estranhas à proposição sejam liminarmente retirados, restabelecendo o caráter próprio da Lei Complementar prevista na Constituição. Isso se aplica, especificamente, às seguintes partes:

· Disposições sobre legislação trabalhista: art. 38 a 41 (Capítulo VI, seções I e II)

· Disposições sobre matéria de processo judicial (Justiça do Trabalho, Civil e de Juizados Especiais Cíveis): art. 42 e 43, Capítulo VI, seção III); art. 57 a 60, Capítulo XI; e art. 62 e 63, Capítulo XII;

· Dispositivos relativos à fiscalização sanitária, ambiental e de segurança: art. 44, Capítulo VII;

· Disposições sobre legislação previdenciária, contribuição sindical e salário-educação: art. 69 a 72, parte do Capítulo XIV.

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