Reflexo do povo

Serviço policial nasce falho porque falta educação para sociedade

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8 de fevereiro de 2006, 6h00

Cada sociedade tem o tipo de criminoso que merece. O que é igualmente verdade é que cada comunidade tem o tipo de Polícia que insiste em ter. (Robert Kennedy)

Nos últimos dias, podemos observar o quanto o serviço policial está sendo alvo de críticas, nos mais diversos sentidos. Basicamente, todas as discussões giram em torno de problemas como corrupção, violência policial, entre outros pontos negativos. Mas a verdade não está toda desnuda, porque sempre colocam a culpa no policial e a problemática não está nele, mas sim no modelo de segurança que temos. Fica uma questão: qual a Polícia que a sociedade quer?

A que está aí, acredito. Porque, caso os cidadãos desejassem um modelo mais perfeito dos organismos policiais, os poderes representativos (Executivo, Legislativo e Judiciário) já teriam expressado essa vontade popular, emparedados por uma cobrança maciça e contínua. E um modelo excelente de policiamento inclui, desde sempre, o respeito pelo cidadão e a conseqüente deferência pela atividade policial, por parte desse mesmo cidadão.

A partir do momento que todos os serviços policiais fossem devidamente treinados, equipados e munidos da autoridade que lhes é devidamente imbuída pela função, seria extinto o que se denomina popularmente de “aplicação social da lei”: os agentes de segurança pública cumpririam, na totalidade e sem meios termos, o que está previsto na legislação.

Da forma como a segurança pública funciona hoje, se os policiais exigissem o cumprimento integral da lei, seriam acusados de rigorosos, insensíveis e outros termos por atos que, no fim, somente demonstrariam profissionalismo e dedicação. Ou alguém, nos dias atuais, ficaria feliz de ser autuado por estacionar em frente à garagem de sua própria casa ou em fila dupla na porta do colégio das crianças? A lei não faz exceções, devemos nos lembrar.

Com esta mudança de comportamento por parte das forças policiais, a ponderação e o descaso pelo serviço certamente desapareceriam. Digo ponderação, quando temos o costume de discutir, imediatamente, com o policial que está nos fazendo uma abordagem ou uma notificação de trânsito, mesmo sabendo que temos meios legais para as devidas providências. Essa discussão pode gerar margem para interpretações dúbias, tais como oportunidades de corrupção (e de tentar corromper, não podemos esquecer) ou de excessos das partes envolvidas, tais como abusos do corpo policial, ou mesmo do cidadão, onde este seria indubitavelmente qualificado nos termos do “desacato à autoridade”.

Desacato? A qual autoridade? A partir do momento em que a sociedade não tem aporte educacional nem cultural para interpretar devidamente o serviço policial, este, por si só, já nasce falho. Como exemplo, pecamos na educação das crianças quando muitos pais, por desleixo ou pura falta de autoridade familiar, ameaçam suas crianças com a presença da Polícia. Qual a opinião que se formará na mente destes pequenos seres? De que lado ele se situará, nesse imenso desafio que é manter a segurança pública em geral? Sem levar em conta as influências culturais que pervertem o sentido das coisas, trazendo uma violência midiática à tona, onde a Polícia passa a ser mais temida que a própria criminalidade.

A Polícia é um reflexo da sociedade em que está inserida. Em uma sociedade totalmente honesta, os policiais serão totalmente honestos. Em uma sociedade em que parte da população é corrupta, haverá parte dos policiais que pratica a corrupção. Essa é uma máxima já desgastada para os estudiosos, mas a sociedade não vê isso. O que se demonstra é um desapego total à problemática, onde os policiais carregam a pecha de participantes de um esquema criminoso e corrupto, que não tem fim, nem inocentes.

Em uma recente entrevista a uma rádio local, um comandante da Polícia Militar do estado de Goiás arrazoou bem: numa corporação com mais de 15 mil policiais, um número inferior a 150 membros estão sendo acusados, formalmente, de alguma irregularidade ou desvio. Isso representa, estatisticamente, menos de 1% (!) de todo o efetivo. E esses índices se repetem em todos os organismos policiais, Brasil afora.

Permitindo uma observação livre, acredito que estes dados são compatíveis com os procedimentos internos dos conselhos de classes nacionais (OAB, CRM, CRA, entre outros). Mas por que o impacto social da falha do serviço policial é maior? Por envolver vidas e liberdade? Por ser um serviço público que deveria zelar pela sociedade? Não vejo diferenças com outras profissões ou funções, sem desmerecer nenhuma, inclusive.

Os próprios policiais têm sido vítimas desta violência (real e midiática) que a sociedade sofre, nos dias de hoje. Recentemente, dois homens resgataram um casal de presos da carceragem de um distrito policial, na região metropolitana de Goiânia. No momento do ataque à delegacia, havia apenas um agente carcerário. Este ficou o tempo todo com uma arma apontada para sua cabeça e nada pôde fazer para impedir a fuga dos detidos, acusados de produção e tráfico de drogas. Esse policial é ou não mais uma vítima da insegurança reinante?

Logo, partindo da premissa que um policial em serviço, que deveria oferecer proteção aos paisanos, não tem segurança para si mesmo, qual é o profissionalismo que podemos esperar de nossas corporações?

Está em voga, atualmente, o monitoramento das viaturas policiais, visando localizá-las, em caso de alguma denúncia de abuso por parte de seus componentes. Mas, e o investimento em treinamento? Aonde o policial vai se educar em legislação e outras fontes de saber, se o salário do mesmo é incompatível com o custo de uma educação formal?

O governo tenta se eximir das responsabilidades sobre a má qualidade de nosso policiamento e serviços de segurança pública, em geral. Atualmente, está em discussão uma inovação legal visando o combate à tortura no Brasil, onde se prevê, entre outras propostas governamentais, visitas surpresas a locais de privação da liberdade, inversão do ônus da prova e a criação de uma promotoria especializada na investigação do crime de tortura.

A inversão do ônus da prova denota, em poucas palavras, que o policial terá de provar que não se excedeu e agiu com lisura. Mas, e a responsabilização institucional da falta de treinamento para o policial acusado? Qual será a salvaguarda para os policiais em atividade, que a partir deste momento, não terão a segurança de suas ações? Nunca é demais lembrar que ele próprio terá de tomar as providências cabíveis para sua defesa, às suas expensas.

Conclamo os cidadãos de bem a abrirem os olhos para um fato importante: se o policial, como agente de autoridade representante do poder público, pratica alguma falha (no sentido de excesso ou desvio funcional) a responsabilidade toda tem de ser creditada ao órgão a que este é ligado, porque a irregularidade derivou de uma falha de treinamento, equipamento ou mesmo de acompanhamento institucional. Não se nasce policial, mas forma-se.

Policiais são recrutados entre os cidadãos comuns, provenientes de famílias comuns e, fora da função policial, são como qualquer outro do povo. Tal qual uma ferramenta, o agente de segurança pública simboliza, na maioria das vezes, o caminho que o estado indica a ele. Não falo aqui de atos de omissão, corrupção e outros naturais a toda a espécie humana: estes casos têm de ser tratados individualmente, pois aqui o cidadão, transmutado em policial, utiliza a função para exercitar atividades incompatíveis com a finalidade da segurança pública.

Finalizando, o organismo policial, por si só, não é responsável pelo que vem acontecendo, pois a ausência de fiscalização social gerou o que sofremos atualmente. O Ministério Público e o Poder Judiciário não estão se omitindo nas punições (individuais, aos policiais), mas também estas instituições são partes responsáveis pela exigência constitucional da melhor qualidade de nossa segurança pública, podendo, inclusive, reclamarem administrativa e criminalmente, a eficiência dos organismos policiais e, como conseqüência, mudar a mentalidade pública sobre a atividade policial.

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