Contratações da Prodam

STJ examinará recurso de Maluf sobre contratações da Prodam

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7 de fevereiro de 2006, 10h31

A ministra Denise Arruda, da 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, determinou a subida do Recurso Especial de Paulo Maluf contra decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo. Os desembargadores mantiveram condenação do ex-prefeito paulistano em ação popular que apontou contratação irregular de funcionários da Prodam — Companhia de Processamento de Dados do Município de São Paulo.

A ação popular questionou a contratação de 94 funcionários pela Prodam e a transferência de 68 servidores à prefeitura, para exercício de cargos de confiança durante a administração do então prefeito Paulo Maluf. A ação sustenta que o ato causou prejuízo aos cofres públicos, em razão da falta da prestação dos serviços contratados e dos salários pagos aos novos contratados, muito superiores aos recebidos por servidores municipais em funções idênticas.

O TJ paulista confirmou a decisão de primeira instância e negou a admissão do Recurso Especial. O juiz de primeiro grau entendeu que efetivamente houve prejuízo para os cofres públicos e que a transferência dos empregados da Prodam ao município de São Paulo foi ilegal e lesiva ao erário.

Ainda em primeira instância, o juiz entendeu que os responsáveis pela transferência irregular deveriam figurar como réus. Por isso, a ação foi proposta contra o diretor da Prodam, o então prefeito Paulo Maluf e secretários municipais envolvidos na admissão dos contratados em cargos de confiança.

No Recurso Especial, Paulo Maluf afirmou que a petição inicial não indicaria claramente os fatos de que foi acusado, dificultando sua defesa e levando a uma sentença “confusa e afoita”. O ato também não seria lesivo nem ao erário nem à Administração, e o prefeito não poderia figurar no pólo passivo da ação.

O TJ paulista não deferiu a subida do Recurso Especial sob o argumento de que tais questões não foram abordadas na segunda instância, o que impediria a análise pelo tribunal superior. A ministra Denise Arruda inicialmente negou Agravo de Instrumento que visava forçar a subida do Recurso Especial, em razão da falta de assinatura do advogado na petição do recurso.

Mas Paulo Maluf entrou com Agravo Regimental afirmando constar, nos autos principais do Recurso Especial, a assinatura devida e ter juntado cópia da via que possuía na época da formação das peças para instrução do Agravo. A ministra, então, verificou que não houve a falta de assinatura e determinou a subida do Recurso Especial, que será apreciado pela 1ª Turma do STJ.

Leia a íntegra da decisão

Superior Tribunal de Justiça

AgRg no AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 694.278 – SP

(2005/0119354-4)

RELATORA : MINISTRA DENISE ARRUDA

AGRAVANTE : PAULO SALIM MALUF

ADVOGADO : PAULO GUILHERME DE MENDONÇA LOPES E OUTROS

AGRAVADO : ALDAÍZA SPOSATI

ADVOGADO : MICHAEL MARY NOLAN E OUTROS

INTERES. : MUNICÍPIO DE SÃO PAULO

PROCURADOR : LIGIA MARIA TORGGLER SILVA E OUTROS

INTERES. : JOÃO BAPTISTA MORELLO NETTO

ADVOGADO : CARLOS CELSO ORCESI DA COSTA E OUTROS

INTERES. : JOSÉ BLOTA NETO E OUTRO

ADVOGADO : OSWALDO IANNI

INTERES. : COMPANHIA DE PROCESSAMENTO DE DADOS DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO – PRODAM

ADVOGADO : JOSÉ CARLOS RODRIGUES PEREIRA DO VALE

INTERES. : JOSÉ ROBERTO FARIA LIMA

ADVOGADO : OSMAR DE NICOLA FILHO

INTERES. : ANA ELIZABETH SETEMBRE E OUTROS

ADVOGADO : WILSON GIANULO E OUTRO

DECISÃO

PROCESSUAL CIVIL. RECONSIDERAÇÃO DA DECISÃO AGRAVADA. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO POPULAR.ALEGAÇÕES DE ILEGITIMIDADE PASSIVA DO RECORRENTE E DE INEXISTÊNCIA DE PREJUÍZO AO ERÁRIO, DENTRE OUTRAS.DECISÃO AGRAVADA RECONSIDERADA PARA PROVER O AGRAVO DE INSTRUMENTO E DETERMINAR A SUBIDA DOS AUTOS PRINCIPAIS.

I. Trata-se de agravo regimental (fls. 423/428) apresentado contra decisão monocrática sintetizada na seguinte ementa:

“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO

ESPECIAL SEM ASSINATURA DO ADVOGADO. NÃO-CONHECIMENTO.

1. Considera-se inexistente o recurso interposto sem a assinatura do

advogado.

(Precedentes do STJ e do STF)

2. Agravo de instrumento não-conhecido.” (fl. 418)

O agravante aduz, em suma, que, “quando da formação das peças para a instrução do agravo juntou cópia da via que possuía”, sendo certo que, nos autos principais, “o recurso especial estava devidamente assinado” (fl. 426). Menciona, ainda, que:

“É certo que, em sede de agravo regimental, incabível é a complementação das peças tidas por obrigatórias à formação do agravo de instrumento (art. 544, § 1º, do CPC), todavia, cumpre salientar que o agravante não está juntando documento novo, porquanto já existe cópia desse mesmo recurso especial nos autos de agravo de instrumento manejado contra a inadmissibilidade do recurso especial. A juntada do incluso documento faz-se necessária para que seja comprovada a autenticidade das informações tecidas pelo agravante no presente recurso.” (fl. 427)


Efetuou a juntada da cópia da petição de recurso especial que está contida nos autos principais (fls. 429/474), objetivando comprovar a inexistência de vício relativo à ausência de assinatura.

Requer a reforma da decisão agravada, para que seja provido o presente agravo.

II. Verifica-se que os argumentos aduzidos nas razões de agravo regimental revelam-se plausíveis, no sentido de afastar o erro apontado na formação do presente instrumento, tendo em vista que houve a comprovação hábil de que a petição juntada aos autos principais foi devidamente assinada, motivo pelo qual deve ser reconsiderada a decisão agravada, haja vista o fundamento aventado não ser óbice à análise recursal.

1. Trata-se de agravo de instrumento contra decisão que inadmitiu recurso especial interposto em face de acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que, nos autos de ação popular, em sede de apelação e reexame necessário, confirmou a decisão do juízo singular, podendo o aresto ser assim sintetizado:

“3. As preliminares ficam afastadas. No que tange à alegação de inépcia da exordial, a autora se insurgiu contra a cessão de determinado rol de empregados contratados pela PRODAM e repassados à municipalidade, no curso das gestões das autoridades e administradores que integram o pólo passivo da demanda. Restou consignado, na inicial, o prejuízo suportado pelo erário, em função do procedimento, vale dizer, a falta de prestação dos serviços efetivamente contratados pela entidade; além disso, os servidores transferidos à Prefeitura teriam percebido da companhia remuneração superior aos vencimentos inerentes aos cargos que ocuparam. Tudo com esteio na lei da ação popular (Lei n° 4 717, de 1 965), na Constituição Federal e na Lei Orgânica de São Paulo.

Consoante se depreende pelo estabelecido na Constituição da República (CR/88 – art. 5º, inciso LXXIII e art. 37), bem como nos princípios e mandamentos insculpidos na lei da ação popular (Lei nº 4 717, de 1 965 – art. 2º, letras ‘c’ e ‘e’), resta claro que atos administrativos praticados com desvio de finalidade e eivados de ilegalidade no objeto são nulos e lesivos ao erário. Na hipótese, a autora apontou concretamente o prejuízo resultante ao patrimônio público das contratações realizadas, consistente na aludida circunstância de os empregados terem recebido da PRODAM remuneração superior e incompatível com os vencimentos dos cargos e empregos que exerceram na Administração Municipal.

A causa de pedir não destoa do estabelecido na legislação processual em vigor (Cód.Proc.Civ. – art. 282, inciso III), vez que não se exige a precisa declinação do fundamento legal, porquanto ao juiz cabe aplicar o direito aos fatos, mesmo que não o tenha sido apontado corretamente pelo autor.

(…)

Quanto à alegada impossibilidade jurídica do pedido, ausência de interesse de agir e pressupostos da ação popular (ilegalidade e lesividade), consoante restou suso asseverado, vale dizer, a cessão de empregados da PRODAM à municipalidade, da forma consignada na exordial, refletem flagrante ofensa aos vetores dos dispositivos legais supra mencionados. Assim, não há falar, na espécie, em discricionariedade, não havendo de se cogitar de que comportamentos de tal natureza atrelem-se a critérios de conveniência e oportunidade.

(…)

Outra preliminar que fica afastada é a de ilegitimidade passiva e necessidade de complementação da relação jurídico-processual. A legislação específica (Lei n° 4 717, de 1 965 – art. 6º) determina que os responsáveis pela prática do ato ou contrato administrativo impugnado bem assim os respectivos beneficiários, devem, necessariamente, compor o pólo passivo do processo.

Na hipótese, os empregados foram contratados pela PRODAM e admitidos no exercício de cargos ou empregos na Administração Direta do Município. A distribuição do pessoal se deu para as Secretarias discriminadas na inicial. Além do Diretor da PRODAM, responsável pela formalização dos contratos de trabalho com os empregados, foram citados para a ação o então Prefeito de São Paulo, responsável pelo ingresso do pessoal em cargos da Prefeitura, notadamente da Secretaria Municipal de Governo, bem como os Secretários que não deixaram de admitir a admissão dos contratados, inclusive ao exercício de cargos de confiança. Não há como negar legitimidade passiva de todos os administradores demandados.

(…)

Da mesma forma, improcede o requerimento formulado em relação à ex-Prefeita Luiza Erundina e aos administradores da PRODAM daquela gestão. Isso porque o objeto da lide refoge por completo ao âmbito do contrato celebrado entre o município e a PRODAM, durante a administração da ex-alcaide.

Na verdade, o que está ‘sub judice’ é, única e tão somente, a cessão de determinados empregados contratados pela PRODAM à municipalidade, no curso da subseqüente gestão.


No tocante às citações por edital que se revestiam de irregularidades, foram devidamente refeitas, não deixando de observar a providência prevista em lei (Cód.Proc.Civ. – art. 9º, inciso II).

(…)

A hipótese dos autos é exclusivamente de direito e a prova documental apresentada é suficiente para a apreciação da causa, até porque a Autora ressaltou que a ilegalidade da conduta residiu na contratação de servidores pela PRODAM e a cessão ao Município de São Paulo para o exercício de funções que não são técnicas, i.é, em desconformidade com os objetivos da própria PRODAM, culminando com o desvio de finalidade das contratações.

Dessarte, eventual produção de provas constituiria medida meramente protelatória.

4. No mérito, a sentença não comporta os reparos possíveis ao reexame e objetivados nos recursos. A autora da presente ação insurge-se contra o procedimento que considera ilegal de 94 (noventa e quatro) contratações de pessoal, pela PRODAM, e colocação de 68 (sessenta e oito) servidores contratados à disposição da Prefeitura Municipal de São Paulo, para o exercício de cargos de confiança, no período da administração dos réus, com prejuízo ao erário público, não só pela falta da efetiva prestação dos serviços contratados pela empresa, como também pela responsabilidade assumida por esta última de pagamento dos respectivos vencimentos dos servidores que foram cedidos, cujos valores são muito superiores àqueles percebidos pelos servidores municipais no desempenho de idênticas funções.

Os réus não negaram as contratações, apenas defenderam a legalidade delas, ao argumento de que a PRODAM sempre gozou da tradição de fornecer assessoria externa à Administração Direta e Indireta do Município, ao passo que esse tipo de prestação de serviços teve origem em ‘contrato de prestação de serviços técnicos de consultoria e assessoramento’, celebrado em 11 de janeiro de 1 991, com a então Prefeita Luiza Erundina de Sousa, o que passou a constituir-se fonte de receita da empresa que sempre recebeu pelos serviços prestados, inexistindo lesão patrimonial ou prejuízo efetivo aos cofres públicos.

(…)

Dessarte, não há dúvida que as contratações foram realizadas pelo regime da CLT, com a inobservância da exigência de concurso público, à época da Administração dos réus indicados na inicial, em que também era Diretor-Presidente da PRODAM o co-réu, José Roberto Faria Lima, ao passo que todas foram realizadas em caráter permanente ou definitivo, independentemente de estarem relacionadas ou não à execução de serviços na área de informática ou de processamento de – dados, consoante se depreende da documentação de fls. 4.648/4.651 e 4.840 e seguintes (Volume 24º).

O réu Paulo Salim Maluf, à época Prefeito Municipal de São Paulo, celebrou os aditivos de fis. 313/6, na condição legal de representante da Prefeitura Municipal de São Paulo, juntamente como o réu, José Roberto Faria Lima, este na qualidade de então Diretor-Presidente da PRODAM, sendo ambos responsáveis, também, pelas contratações impugnadas. Os demais réus, Celso Roberto Pitta, ex-Secretário Municipal de Finanças; João Baptista Morelio Netto, ex-Secretário Municipal de Administração; e, Reynaido Emydgio de Barros, ex-Secretário Municipal de Vias Públicas, todos também participaram e/ou deram causa à contratação de pessoal pela PRODAM e respectiva transferência aos cargos da Prefeitura, na medida em que requisitaram ou aceitaram tais servidores nas respectivas secretarias.

O fato de não ter sido observado o concurso público para todas as contratações, mencionadas na espécie, torna obrigatório o reconhecimento da nulidade de tais contratos, independentemente das demais ilegalidades verificadas.

Lesivo é todo o ato ou omissão administrativa que desfalca o erário ou prejudica a Administração. Essa lesão – tanto pode ser efetiva quanto legalmente presumida (Lei n° 4 717, de 1 965 – art. 4º, inciso 1). Portanto, basta a prova da prática do ato naquelas circunstâncias, para considerar-se lesivo e nulo de pleno direito. Destarte, a lesividade ao patrimônio público nem sequer estaria a exigir comprovação, na medida em que considerada ‘legalmente presumida’.

Não obstante isso, a prova documental revela a configuração do dano concreto, haja vista que as contratações efetivadas pela PRODAM, para suposto atendimento ao contrato de prestação de serviços, celebrado em 11 de janeiro de 1991, não poderiam ter sido realizadas com base em tal contrato que não as autorizava, o que importou, desse modo, no indevido pagamento de salários aos funcionários irregularmente contratados e cedidos à Prefeitura Municipal, com remuneração superior, inclusive, à fixada na legislação municipal, para os ocupantes dos mesmos cargos da Prefeitura.

E, por força do referido contrato, a PRODAM passou a perceber pagamentos, como fonte de receita originária, dos órgãos que se beneficiaram pela transferência do pessoal contratado.

Dessarte, acertadamente a presente ação foi julgada procedente em parte, ficando mantidos todos os argumentos da sentença no tocante à condenação dos réus, ficando despiciendo repisá-los.” (fls. 153/170)

Os embargos declaratórios opostos foram rejeitados.

No recurso especial, interposto com base na alínea a do permissivo constitucional, o ora agravante aponta ofensa aos arts. 267, 282 e 295 do CPC, bem como ao art. 1º da Lei 4.717/65, alegando, em síntese, que: (a) a petição inicial “não indicou com clareza os fatos que propiciaram a inclusão do recorrente nesta contenda” (fl. 249); (b) “a inicial é tão vaga e genérica que, além de dificultar a defesa do recorrente, fez com que o magistrado a quo proferisse sentença confusa e afoita como a exordial” (fl. 251); (c) “é patente a ilegitimidade passiva do recorrente, de modo que, não se enquadrando nas condutas lesivas e ilegais que a recorrida fez alusão também não deveria suportar os efeitos oriundos da sentença”; (d) o ato que se tenta invalidar não produziu lesão ao patrimônio público, motivo pelo qual “não há que se cogitar a sua nulidade através de ação popular, uma vez que não houve desfalque ao erário nem prejuízo à Administração e à comunidade, faltando dessa forma, o requisito nuclear para o seu ajuizamento” (fls. 260/261). Menciona, ainda, que:

Na falta de melhores argumentos para manter o recorrente na demanda, foi incluído no lugar da ex-prefeita, (…) como se existisse algum silogismo entre as supostas irregularidades e os aditivos por ele assinados, mas, diametralmente oposto às suas conclusões ao excluírem da lide os beneficiários do ato.

Ocorre, entretanto, que o recorrente apenas assinou, conjuntamente com o Sr. José Roberto Faria Lima, os aditivos, que, contrariamente ao que pretendiam os nobre magistrados, não foram responsáveis pelas contratações impugnadas.” (fl. 268)

A inadmissão do recurso especial fez-se à consideração de que os preceitos legais tidos por violados não foram apreciados pela Corte de origem.

O agravante reitera as mesmas razões expendidas no recurso especial.

3. Diante do exposto, reconsidero a decisão ora agravada e, preenchidos os requisitos de admissibilidade recursal, dou provimento ao agravo de instrumento, determinando a subida dos autos principais para melhor análise da matéria.

Publique-se.

Intimem-se.

Brasília (DF), 16 de dezembro de 2005.

MINISTRA DENISE ARRUDA

Relatora

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