Violência doméstica

Juizados devem continuar julgando violência doméstica, diz juiz

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6 de fevereiro de 2006, 15h35

Um grupo de juízes fluminenses pediu nesta segunda-feira (6/2) o apoio do presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministro Edson Vidigal, para que os crimes praticados contra as mulheres — referentes à violência doméstica — permaneçam na competência dos juizados especiais. Liderados pelo juiz do 9º Juizado Especial Criminal da Barra da Tijuca, Joaquim Domingos de Almeida Neto, o grupo pediu que Vidigal defenda, junto ao Congresso Nacional, a manutenção do modelo atual.

Os juízes querem evitar a aprovação do Projeto de Lei 4.559/2004, cuja finalidade é aumentar as penas para os crimes de violência doméstica. Os argumentos apresentados pelos juízes vão desde o fato de que a transferência dessa competência implicará impunidade até ao argumento de que a justiça criminal tradicional “trabalha prioritariamente com réus presos”.

Violência doméstica

Durante a permanência do presidente do STJ, ministro Edson Vidigal, no Fórum do Tribunal de Justiça do Rio, na Barra da Tijuca, o juiz Joaquim Domingos Neto apresentou as preocupações dos juízes com relação à proposta que tramita na Câmara dos Deputados. O juiz fluminense entregou ao ministro Vidigal documentos nos quais são elencadas as questões que marcam a posição da categoria.

Um dos documentos contempla um histórico com enfoque nas mudanças e perspectivas. “A resposta penal tradicional somente contribuiu para afastar da Justiça a questão da violência doméstica — no processo penal tradicional todo o foco de atuação é sobre o réu e para ele se constrói todo o sistema de garantias constitucionais”, disse Domingos.

Segundo o juiz, no Rio de Janeiro, em 2003, apenas 0,21% dos casos criminais chegaram à vara criminal. Enquanto isso, de toda a massa de procedimentos criminais, 64% representavam infrações de menor potencial ofensivo e foram judicializados de imediato.

No conjunto de documentos, os juízes anexaram o Projeto de Lei original e também o substitutivo que se pretende dar à proposta. O ministro Vidigal se comprometeu a analisar os textos.

Conheça o Projeto de Lei

PROJETO DE LEI

Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, e dá outras providências.

O CONGRESSO NACIONAL decreta:

TÍTULO I

DISPOSIÇÕES PRELIMINARES

Art. 1º Esta Lei cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal e dos tratados internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil, e estabelece as medidas para a prevenção, assistência e proteção às mulheres em situação de violência.

Art. 2º Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social.

Art. 3º É dever da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público, em especial, assegurar à mulher condições para o exercício efetivo dos direitos à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária, desenvolvendo ações que visem garantir os direitos humanos das mulheres no âmbito das relações domésticas e familiares no sentido de resguardá-la de toda a forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Art. 4º Na interpretação desta Lei serão considerados os fins sociais a que ela se destina e a condição peculiar da mulher em situação de violência doméstica e familiar.

TÍTULO II

DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER

CAPÍTULO I

DISPOSIÇÕES GERAIS

Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura-se violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou conduta, baseada na relação de gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, ocorrida:

I – no âmbito da unidade doméstica, compreendida como espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;

II – no âmbito da família, compreendida como relações pessoais afetivas;

III – em qualquer outra relação pessoal de afeto na qual o acusado compartilhe, tenha compartilhado ou não o mesmo domicílio ou residência da ofendida.

Parágrafo único. Consideram-se relações de gênero as relações desiguais e assimétricas de valor e poder atribuídas às pessoas segundo o sexo.

Art. 6º A violência doméstica e familiar contra a mulher constitui uma das formas de violação dos direitos humanos.


CAPÍTULO II

DAS FORMAS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER

Art. 7º São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, dentre outras previstas em lei:

I – a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda a integridade corporal ou a saúde da mulher;

II – a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que cause dano emocional e diminuição da auto-estima, que prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento da mulher, vise a degradar ou a controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insultos, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou, por qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;

III – a violência sexual, entendida como qualquer conduta que constranja a mulher a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força, assim como ações que forcem a mulher a comercializar ou utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, ao impedimento ao uso de qualquer método contraceptivo, ou ações que a forcem ao matrimônio, gravidez, aborto ou prostituição, mediante coação, chantagem, suborno, manipulação ou qualquer outro meio que limite ou anule seu arbítrio;

IV – a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta ilegítima que configure perda, retenção, subtração, destruição parcial ou total de objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos da mulher e os destinados a satisfazer suas necessidades;

V – a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria à honra ou à reputação da mulher.

TÍTULO III

DA ASSISTÊNCIA À MULHER EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR

CAPÍTULO I

DAS MEDIDAS INTEGRADAS DE PREVENÇÃO

Art. 8º A política pública que visa coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher far-se-á por meio de um conjunto articulado de ações governamentais e não-governamentais, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, tendo como diretrizes:

I – integração operacional de órgãos do Judiciário, Ministério Público, Defensoria, Segurança Pública, Assistência Social, Saúde, Educação, Trabalho e Habitação;

II – a promoção de estudos e pesquisas, estatísticas e outras informações relevantes, concernentes às causas, conseqüências e freqüência da violência doméstica e familiar contra a mulher, para a sistematização de dados, a serem unificados nacionalmente, e a avaliação dos resultados das medidas adotadas;

III – a observância, nos meios de comunicação social, dos valores éticos e sociais da pessoa e da família, de forma a coibir os papéis estereotipados que legitimem ou exacerbem a violência doméstica e familiar;

IV – a implementação de centros de atendimento multidisciplinar para as pessoas envolvidas em situação de violência doméstica e familiar, visando agilizar e garantir o atendimento integral às mulheres;

V – a implementação de atendimento policial especializado às mulheres;

VI – a realização de campanhas educativas, voltadas à prevenção da violência doméstica e familiar contra a mulher e à difusão desta Lei e dos instrumentos de proteção aos direitos humanos das mulheres;

VII – a celebração de convênios, protocolos, ajustes, termos ou outros instrumentos entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios para a promoção de parcerias entre si ou com entidades não-governamentais, objetivando a implementação de programas voltados à erradicação da violência doméstica e familiar contra a mulher, bem como a capacitação permanente dos integrantes dos órgãos referidos no inciso I deste artigo.

VIII – a capacitação permanentemente dos integrantes do Poder Judiciário, do Ministério Público, da Defensoria Pública, da Polícia Civil, bem assim dos profissionais da saúde, da educação, da assistência social, dentre outros;

IX – a promoção de programas educacionais formais e não-formais que disseminem valores éticos, do irrestrito respeito à dignidade da pessoa humana e dos direitos das mulheres, e

X – privilegiar nos currículos escolares, em todos os níveis, de conteúdos relativos aos direitos humanos, à equidade de gênero e à violência doméstica e familiar contra a mulher.

CAPÍTULO II

DA ASSISTÊNCIA SOCIAL À MULHER EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA

Art. 9º A assistência social às mulheres em situação de violência doméstica e familiar deverá ser prestada de forma articulada, emergencial ou não, conforme os princípios e as diretrizes previstos na Lei Orgânica da Assistência Social, no Sistema Único de Saúde, dentre outras normas pertinentes.


CAPÍTULO III

DO ATENDIMENTO PELA AUTORIDADE POLICIAL

Art. 10. Nas hipóteses de violência familiar ou doméstica praticadas ou na iminência de serem praticadas contra mulheres deverá ser imediatamente notificada a autoridade ou o agente policial para que possa comparecer ao local.

Parágrafo único. Aplica-se o disposto no caput na hipótese de descumprimento de medida cautelar aplicada pelo juízo.

Art. 11. No atendimento à mulher em situação de violência a autoridade ou o agente policial buscará adotar as seguintes providências:

I – providenciar transporte para a ofendida até o hospital, o posto de saúde ou o Instituto Médico Legal;

II – providenciar transporte da ofendida e seus dependentes em risco de vida para local seguro ou abrigo;

III – assegurar a possibilidade da ofendida retirar seus pertences pessoais do local da ocorrência ou do domicílio familiar;

IV – comunicar à ofendida o horário e o local de comparecimento à delegacia, caso não seja possível o seu atendimento imediato;

V – informar à ofendida dos direitos a ela conferidos nesta Lei e dos serviços públicos e privados disponíveis; e

VI – garantir proteção policial, quando necessário.

Art. 12. Em todos os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, feito o registro do fato, deverá a autoridade policial adotar, de imediato, os seguintes procedimentos, além daqueles já previstos no Código de Processo Penal e na Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995:

I – colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e de suas circunstâncias;

II – ouvir a ofendida;

III – ouvir o indiciado e as testemunhas;

IV – determinar que se proceda ao exame de corpo de delito e requisitar os exames periciais necessários;

V – averiguar a vida pregressa do indiciado, sob o ponto de vista individual, familiar e social, sua atitude e estado de ânimo antes e depois do fato e durante ele, e quaisquer outros elementos que contribuam para a apreciação do seu temperamento e caráter;

VI – ordenar a identificação do indiciado e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes; e

VII – remeter à autoridade judiciária o expediente lavrado.

§ 1º O previsto no inciso IV deste artigo implicará no encaminhamento prioritário da ofendida, quando necessário à preservação das provas.

TÍTULO IV

DOS PROCEDIMENTOS

CAPÍTULO I

DISPOSIÇÕES GERAIS

Art. 13. Ao processo, julgamento e execução das causas cíveis e criminais em que esteja caracterizada a violência doméstica e familiar contra a mulher, aplicar-se-ão os Códigos de Processo Penal e Civil e a Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995, no que não conflitarem com o procedimento estabelecido nesta Lei.

CAPÍTULO II

DA EQUIPE DE ATENDIMENTO MULTIDISCIPLINAR

Art. 14. A equipe de atendimento multidisciplinar deverá ser integrada por profissionais especializados nas áreas psicossocial, jurídica e da saúde.

Art. 15. Compete à equipe de atendimento multidisciplinar, dentre outras atribuições que lhe forem reservadas pela legislação local, fornecer subsídios por escrito à autoridade judiciária, ao Ministério Público e à Defensoria Pública, mediante laudos ou verbalmente em audiência, e desenvolver trabalhos de aconselhamento, orientação, encaminhamento, prevenção e outros, assegurada a livre manifestação do ponto de vista técnico.

Art. 16. Quando a complexidade do caso exigir avaliação mais aprofundada, poderá ser determinada pela autoridade judiciária a manifestação de profissional especializado em determinada área, mediante a indicação da equipe de atendimento multidisciplinar.

Art. 17. O Poder Judiciário, na elaboração de sua proposta orçamentária, poderá prever recursos para a criação e manutenção da equipe de atendimento multidisciplinar.

CAPÍTULO III

DA ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO

Art. 18. Caracterizada a violência doméstica e familiar contra a mulher, o Ministério Público poderá intervir nas causas cíveis e criminais em que não for parte.

Art. 19. É facultado ao Ministério Público, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, quando necessário:

I – requisitar a força policial e a colaboração dos serviços públicos de saúde, de educação, de assistência social e de segurança, dentre outros;

II – fiscalizar os estabelecimentos públicos e particulares de atendimento à mulher em situação de violência, de que trata esta Lei, e adotar de imediato as medidas administrativas ou judiciais no tocante a quaisquer irregularidades constatadas.

CAPÍTULO IV

DA ASSISTÊNCIA JURÍDICA

Art. 20. Em todos os atos processuais, a mulher em situação de violência doméstica e familiar deverá estar acompanhada de advogado ou Defensor Público.


Art. 21. É garantido a toda mulher em situação de violência doméstica e familiar o acesso aos serviços de Defensoria Pública ou de Assistência Judiciária Gratuita, nos termos da lei, mediante um atendimento específico e humanizado no Juízo competente, nas Delegacias de Polícia e núcleos de atendimento das Defensorias Públicas.

CAPÍTULO V

DAS MEDIDAS CAUTELARES

Art. 22. As medidas cautelares serão concedidas pelo juiz, por representação da autoridade policial, a requerimento do Ministério Público, da Defensoria Pública, da ofendida ou de quem tenha qualidade para representá-la.

§ 1º As medidas cautelares poderão ser concedidas independentemente de audiência das partes.

§ 2º O requerimento da ofendida, que poderá ser feito oralmente, independe da presença de advogado.

§ 3º As medidas cautelares serão aplicadas, isolada ou cumulativamente, e poderão ser substituídas a qualquer tempo por outras de maior eficácia, sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados.

Art. 23. Poderá o juiz, a requerimento das partes ou do Ministério Público, conceder novas cautelares ou rever aquelas já concedidas, se entender necessário à proteção da ofendida, seus familiares e seu patrimônio.

Art. 24. Em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público, ou do querelante, ou mediante representação da autoridade policial.

Parágrafo único. O juiz poderá revogar a prisão preventiva se, no curso do processo, verificar a falta de motivo para que subsista, bem como de novo decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem.

Art. 25. A ofendida deverá ser intimada dos atos processuais relativos ao acusado, especialmente dos pertinentes ao ingresso e à saída da prisão sem prejuízo da intimação do advogado constituído ou do defensor público.

CAPÍTULO VI

DAS MEDIDAS CAUTELARES EM RELAÇÃO AO ACUSADO

Art. 26. Constatada a ocorrência de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao acusado, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas cautelares, dentre outras previstas em lei:

I – suspensão ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003;

II – afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida, podendo encaminhar o acusado a programa de acompanhamento psicossocial, onde houver, ou a tratamento similar;

III – proibição de determinadas condutas, dentre as quais:

a) aproximação da ofendida, de seus familiares e de suas testemunhas;

b) utilização de qualquer meio de comunicação para contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas;

IV – proibição de freqüentar lugares que o juiz entenda conveniente para preservar a integridade física e mental da ofendida;

V – restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, sujeita à avaliação do acusado por equipe de atendimento multidisciplinar, ou serviço similar; e

VI – prestação de alimentos provisionais.

§ 1º As medidas referidas no caput não impedem a aplicação de outras previstas na legislação em vigor sempre que a segurança da ofendida ou as circunstâncias o exigirem.

§ 2º Na hipótese do inciso I, sendo o acusado policial ou integrante das Forças Armadas, o juiz comunicará ao respectivo órgão, corporação ou instituição, a suspensão ou a restrição do porte de armas, ficando o superior imediato do acusado, responsável pelo cumprimento da determinação judicial, sob pena de desobediência, nos termos do artigo 330 do Código Penal.

§ 3º Para garantir a efetividade das medidas cautelares, poderá o juiz requisitar, a qualquer momento, auxílio da força policial.

CAPÍTULO VII

DAS MEDIDAS CAUTELARES DE PROTEÇÃO À MULHER EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA

Art. 27. Poderá o juiz, quando necessário:

I – encaminhar a mulher em situação de violência e seus dependentes a programa oficial ou comunitário de proteção e aos serviços de atenção integral à saúde das mulheres;

II – determinar a recondução da mulher e a de seus dependentes ao respectivo domicílio, após o afastamento do acusado; e

III – determinar o afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo de seus direitos relativos a bens, à guarda dos filhos e aos alimentos.

Art. 28. Para a proteção patrimonial dos bens da sociedade conjugal e daqueles de propriedade particular da mulher, poderão ser determinadas liminarmente pelo juiz competente as seguintes medidas, dentre outras previstas em lei:

I – restituição de bens indevidamente subtraídos pelo acusado à ofendida;


II – proibição temporária para a celebração de atos e contratos de compra, venda e locação de propriedade em comum, condicionada excepcionalmente a decisão judicial contrária;

III – revogação das procurações conferidas pela mulher ao acusado; e

IV – indenização por perdas e danos dos gastos decorrentes dos atos de violência doméstica e familiar contra a mulher.

Parágrafo único. Deverá o juiz oficiar ao cartório competente para os fins previsto nos incisos II e III deste artigo.

CAPÍTULO VIII

DO PROCEDIMENTO NOS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS

Seção I

Disposições Gerais

Art. 29. Ao processo, julgamento e execução dos crimes de competência dos Juizados Especiais Criminais em que esteja caracterizada violência doméstica e familiar contra a mulher, aplica-se a Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995, no que não conflitar com o estabelecido nesta Lei.

Art. 30. Nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher a ação penal será pública condicionada à representação.

Seção II

Da Audiência de Apresentação

Art. 31. Ao receber o expediente lavrado pela autoridade policial, imputando prática de crime de violência doméstica e familiar contra a mulher, deverá o juiz de imediato designar audiência de apresentação.

§ 1º É vedado proceder à intimação ou à notificação da pessoa autora da agressão por intermédio da ofendida.

§ 2º À audiência de apresentação, presente o Ministério Público, deverão comparecer a ofendida e o acusado, acompanhados por seus respectivos advogados.

§ 3º Comparecendo a ofendida desacompanhada de advogado, ser-lhe-á garantida a assistência judiciária gratuita, nos termos da lei.

Art. 32. A mediação, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, será conduzida por juiz ou mediador.

§ 1º O mediador, devidamente habilitado em curso superior, deverá ter capacitação em violência doméstica e familiar contra a mulher.

§ 2º Sob pena de responsabilidade, nos termos da lei, em hipótese alguma a mulher ofendida de violência doméstica e familiar poderá ser forçada, direta ou indiretamente, à conciliação.

§ 3º Não havendo mediação, será dada à ofendida a oportunidade de exercer o direito de representação verbal, que será reduzida a termo.

§ 4º O não oferecimento da representação na audiência não implica na decadência do direito, que poderá ser exercido no prazo previsto em lei.

§ 5º Nos casos de violência doméstica e familiar, o prazo decadencial somente passa a correr da data da audiência de apresentação para a qual estiver pessoalmente intimada a ofendida, devendo tal advertência constar expressamente do mandado de intimação.

§ 6º A retratação ou a renúncia da representação somente serão consideradas válidas após ratificação em audiência.

Art. 33. Exercido o direito de representação, o juiz colherá o depoimento pessoal da ofendida, separadamente, e em seguida o do acusado, admitida a acareação.

Art. 34. O juiz encaminhará o caso à equipe de atendimento multidisciplinar ou aos núcleos de atendimento similares, podendo, ainda, determinar a realização dos exames periciais que julgar necessários.

Seção III

Da Audiência de Instrução e Julgamento

Art. 35. Havendo representação e não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos, a ser especificada na proposta.

§ 1º Não se admitirá a proposta se ficar comprovado:

I – ter sido o acusado condenado, pela prática de crime, a pena privativa de liberdade, por sentença definitiva;

II – ter sido o acusado beneficiado anteriormente, no prazo de cinco anos, pela aplicação de pena restritiva ou multa, nos termos deste artigo;

III – não indicarem os antecedentes, a conduta social e a personalidade do acusado, bem como os motivos e as circunstâncias, se necessária e suficiente a adoção da medida;

IV – o descumprimento, pelo acusado, das medidas cautelares que lhe tenham sido aplicadas.

§ 2º Ao propor a transação penal, o Ministério Público considerará os subsídios apresentados pela Equipe de Atendimento Multidisciplinar e os antecedentes do acusado.

§ 3º Aceita a proposta pelo acusado e seu defensor, será esta submetida à apreciação do juiz.

Art. 36. É vedada a aplicação, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, das penas restritivas de direito de prestação pecuniária, cesta básica e multa.

Art. 37. Não sendo possível a transação penal, o Ministério Público oferecerá de imediato denúncia oral, prosseguindo-se em audiência de instrução e julgamento, devendo constar do mandado de citação do autor do fato tal advertência, bem como a necessidade de arrolar testemunhas cinco dias antes da audiência, caso pretenda ouvi-las.


TÍTULO V

DISPOSIÇÕES FINAIS

Art. 38. A União, no Distrito Federal e Territórios e os Estados poderão criar Varas e Juizados Especiais de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, com competência cível e criminal, cabendo ao Poder Judiciário dispor sobre sua estrutura.

Parágrafo único. Enquanto não estruturadas as Varas e os Juizados mencionados no caput, os crimes relativos à violência doméstica e familiar contra as mulheres continuarão a ser julgados nas Varas Cíveis e Criminais e nos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, com observância do previsto nesta Lei e na legislação processual pertinente.

Art. 39. A União, o Distrito Federal, os Estados e os Municípios, poderão criar centros de reabilitação para os acusados e de atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar, a serem previstos na legislação local.

Art. 40. Compete à União, ao Distrito Federal, aos Estados e aos Municípios promoverem a adaptação de seus órgãos e de seus programas às diretrizes e aos princípios estabelecidos nesta Lei.

Art. 41. A defesa dos interesses e direitos previstos nesta Lei poderá ser exercida, concorrentemente com a ofendida, pelo Ministério Público ou por associação de defesa da mulher, regularmente constituída há pelo menos um ano, nos termos da Lei Civil.

Art. 42. Serão incluídas nas bases de dados dos órgãos oficiais as estatísticas sobre a violência doméstica e familiar contra a mulher.

Art. 43. Os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, previstos nesta Lei, ainda que não tenham sido julgados, constarão de cadastro específico, de conhecimento reservado da autoridade judiciária e do Ministério Público.

§ 1o Caberá às Varas e aos Juizados Especiais de Violência Doméstica e Familiar a elaboração do cadastro referido no caput.

§ 2o Enquanto não estruturados as Varas e os Juizados Especiais previstos no art. 38, o cadastro de violência doméstica será elaborado nas Varas Criminais e Juizados Especiais Criminais.

Art. 44. Serão estabelecidas dotações orçamentárias específicas, em cada exercício financeiro, para a implementação das medidas estabelecidas nesta Lei.

Art. 45. As obrigações previstas nesta Lei não excluem outras decorrentes dos princípios por ela adotados.

Art. 46. O art. 313 do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal) passa a vigorar acrescido do seguinte inciso:

“IV – se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, qualquer que seja a pena aplicada.” (NR)

Art. 47. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília,

EM n° 016 – SPM/PR

Brasília, 16 de novembro de 2004.

Excelentíssimo Senhor Presidente da República,

1. Submetemos à consideração de Vossa Excelência proposta de Projeto de Lei que cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8° do art. 226 da Constituição Federal.

2. A presente propositura foi elaborada pelo Grupo de Trabalho Interministerial criado pelo Decreto n° 5.030, de 31 de março de 2004, integrado pelos seguintes órgãos: Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, da Presidência da República, na condição de coordenadora; Casa Civil da Presidência da República; Advocacia-Geral da União; Ministério da Saúde; Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República; Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República; Ministério da Justiça e Secretaria Nacional de Segurança Pública/MJ.

3. Em março do corrente ano, foi encaminhada pelo Consórcio de Organizações Não-Governamentais Feministas proposta de anteprojeto de Lei para subsidiar as discussões do Grupo de Trabalho Interministerial instituído com a finalidade de elaborar proposta de medida legislativa para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher.

4. A proposta foi amplamente discutida com representantes da sociedade civil e órgãos diretamente envolvidos na temática, tendo sido objeto de diversas oitivas, debates, seminários e oficinas.

5. A Constituição Federal, em seu art. 226, § 8º, impõe ao Estado assegurar a “assistência à família, na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência, no âmbito de suas relações”. A Constituição demonstra, expressamente, a necessidade de políticas públicas no sentido de coibir e erradicar a violência doméstica.

6. O projeto delimita o atendimento às mulheres vítimas de violência doméstica e familiar, por entender que a lógica da hierarquia de poder em nossa sociedade não privilegia as mulheres. Assim, busca atender aos princípios de ação afirmativa que têm por objetivo implementar “ações direcionadas a segmentos sociais,historicamente discriminados, como as mulheres, visando a corrigir desigualdades e a promover a inclusão social por meio de políticas públicas específicas, dando a estes grupos um tratamento diferenciado que possibilite compensar as desvantagens sociais oriundas da situação de discriminação e exclusão a que foram expostas”1.


7. As iniciativas de ações afirmativas visam “corrigir a defasagem entre o ideal igualitário predominante e/ou legitimado nas sociedades democráticas modernas e um sistema de relações sociais marcado pela desigualdade e hierarquia”2. Tal fórmula tem abrigo em diversos dispositivos do ordenamento jurídico brasileiro precisamente por constituir um corolário ao princípio da igualdade.

8. A necessidade de se criar uma legislação que coíba a violência doméstica e familiar contra a mulher, prevista tanto na Constituição como nos tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, é reforçada pelos dados que comprovam sua ocorrência no cotidiano da mulher brasileira.

9. Dentre os inúmeros compromissos internacionais ratificados pelo Estado Brasileiro em convenções internacionais, merecem destaque a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW), o Plano de Ação da IV Conferência Mundial sobre a Mulher (1995), Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará, 1994), o Protocolo Facultativo à Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, além de outros instrumentos de Direitos Humanos.

10. Em abril de 2001, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA, órgão responsável pelo recebimento de denúncias de violação aos direitos previstos na Convenção Americana sobre Direitos Humanos e na Convenção de Belém do Pará, atendendo denúncia do Centro pela Justiça pelo Direito Internacional (CEJIL) e do Comitê Latino-Americano de Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM), publicou o Relatório nº 54, o qual estabeleceu recomendações ao Estado Brasileiro no caso Maria da Penha Maia Fernandes. A Comissão concluiu que o Estado Brasileiro não cumpriu o previsto no artigo 7º da Convenção de Belém do Pará e nos artigos 1º, 8º e 25 da Convenção Americana de Direitos Humanos. Recomendou o prosseguimento e intensificação do processo de reforma que evite a tolerância estatal e o tratamento discriminatório com respeito à violência doméstica contra a mulher no Brasil e, em especial recomendou “simplificar os procedimentos judiciais penais a fim de que possa ser reduzido o tempo processual, sem afetar os direitos e garantias do devido processo” e “o estabelecimento de formas alternativas às judiciais, rápidas e efetivas de solução de conflitos intrafamiliares, bem como de sensibilização com respeito à sua gravidade e às conseqüências penais que gera”.

11. Ao longo dos últimos anos, a visibilidade da violência doméstica vem ultrapassando o espaço privado e adquirindo dimensões públicas. Pesquisa da Pesquisa Nacional de Amostra Domiciliar – PNAD do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, no final da década de 1980, constatou que 63% das agressões físicas contra as mulheres acontecem nos espaços domésticos e são praticadas por pessoas com relações pessoais e afetivas com as vítimas. A Fundação Perseu Abramo, em pesquisa realizada em 2001, por meio do Núcleo de Opinião Pública, investigou mulheres sobre diversos temas envolvendo a condição da mulher, conforme transcrito abaixo:

A projeção da taxa de espancamento (11%) para o universo investigado (61,5 milhões) indica que pelo menos 6,8 milhões, dentre as brasileiras vivas, já foram espancadas ao menos uma vez. Considerando-se que entre as que admitiram ter sido espancadas, 31% declararam que a última vez em que isso ocorreu foi no período dos 12 meses anteriores, projeta-se cerca de, no mínimo, 2,1 milhões de mulheres espancadas por ano no país (ou em 2001, pois não se sabe se estariam aumentando ou diminuindo), 175 mil/mês, 5,8 mil/dia, 243/hora ou 4/minuto – uma a cada 15 segundos.

12. É contra as relações desiguais que se impõem os direitos humanos das mulheres. O respeito à igualdade está a exigir, portanto, uma lei específica que dê proteção e dignidade às mulheres vítimas de violência doméstica. Não haverá democracia efetiva e igualdade real enquanto o problema da violência doméstica não for devidamente considerado. Os direitos à vida, à saúde e à integridade física das mulheres são violados quando um membro da família tira vantagem de sua força física ou posição de autoridade para infligir maus tratos físicos, sexuais, morais e psicológicos.

13. A violência doméstica fornece as bases para que se estruturem outras formas de violência, produzindo experiências de brutalidades na infância e na adolescência, geradoras de condutas violentas e desvios psíquicos graves.

14. As disposições preliminares da proposta apresentada reproduz as regras oriundas das convenções internacionais e visa propiciar às mulheres de todas as regiões do País a cientificação categórica e plena de seus direitos fundamentais previstos na Constituição Federal, a fim de dotá-la de maior cidadania e conscientização dos reconhecidos recursos para agir e se posicionar, no âmbito familiar e na sociedade, o que, decerto, irá repercutir, positivamente, no campo social e político, ante ao factível equilíbrio nas relações pai, mãe e filhos.


15. O artigo 5º da proposta de Projeto de Lei define violência doméstica e familiar contra a mulher como qualquer ação ou conduta baseada na relação de gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico. É importante ressaltar que a Convenção de Belém do Pará possui objeto mais amplo, considerando a violência ocorrida no âmbito público e privado. Para os fins desta proposta, e de forma a conferir-lhe maior especificidade, somente foi considerada a violência ocorrida no âmbito privado. Cabe especial atenção a um conceito basilar previsto na proposta: a relação de gênero. A violência intra-familiar expressa dinâmicas de poder e afeto, nas quais estão presentes relações de subordinação e dominação.

16. As desigualdades de gênero entre homens e mulheres advêm de uma construção sócio-cultural que não encontra respaldo nas diferenças biológicas dadas pela natureza. Um sistema de dominação passa a considerar natural uma desigualdade socialmente construída, campo fértil para atos de discriminação e violência que se “naturalizam” e se incorporam ao cotidiano de milhares de mulheres. As relações e o espaço intra-familiares foram historicamente interpretados como restritos e privados, proporcionando a complacência e a impunidade.

17. O artigo 6°, afirma que a violência doméstica contra a mulher constitui uma das formas de violação dos direitos humanos, independente da penalidade aplicada. Conforme dispõe a Convenção de Belém do Pará, a violência contra a mulher é uma ofensa à dignidade humana e uma manifestação de relações de poder historicamente desiguais entre mulheres e homens.

18. Segundo previsto na Convenção de Belém do Pará, o artigo 7º do Projeto define claramente as formas de violência contra a mulher. De acordo com o “Modelo de Leyes y Políticas sobre Violencia Intrafamiliar contra las Mujeres”, publicado em abril de 2004, pela Unidad, Género y Salud da Organização Mundial de Saúde – OPS/OMS, toda legislação política e pública deve incluir as definições de violência contra a mulher em cada uma de suas manifestações: física, sexual, psicológica, moral e patrimonial.

19. O artigo 8° tem por objetivo definir as diretrizes das políticas públicas e ações integradas para a prevenção e erradicação da violência doméstica contra as mulheres, tais como implementação de redes de serviços interinstitucionais, promoção de estudos e estatísticas, avaliação dos resultados, implementação de centros de atendimento multidisciplinar, delegacias especializadas, casas abrigo e realização de campanhas educativas, capacitação permanente dos integrantes dos órgãos envolvidos na questão, celebração de convênios e parcerias e a inclusão de conteúdos de eqüidade de gênero nos currículos escolares.

20. Somente através da ação integrada do Poder Público, em todas as suas instâncias e esferas, dos meios de comunicação e da sociedade, poderá ter início o tratamento e a prevenção de um problema cuja resolução requer mudança de valores culturais, para que se efetive o direito das mulheres à não violência.

21. Nos artigos em que são tratados o atendimento pela autoridade policial, foram propostas alterações no que tange ao procedimento nas ocorrências que envolvam a violência doméstica e familiar contra a mulher.

22. Ficou consignado, no artigo 10, que a autoridade policial ou agente devem comparecer, de imediato, ao local do fato e adotar as medidas de proteção cabíveis para o atendimento da vítima. Essa alteração visa trazer para o procedimento especial da Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995, alguns dos aspectos do inquérito previstos no Código de Processo Penal, uma vez que o Termo Circunstanciado, em vigor, ao privilegiar o princípio da informalidade, termina por impedir uma visão mais abrangente da situação fática pela autoridade julgadora.

23. Outros procedimentos inovadores, em relação à Lei 9.099/95, são atribuídos ao agente e à autoridade policial após o registro do fato, entre os quais, o colhimento das provas necessárias ao esclarecimento do fato e suas circunstâncias, as oitivas da vítima, do agressor e das testemunhas, quando houver, determinando que se proceda ao exame de corpo de delito e os exames periciais necessários.

24. É de fundamental importância o atendimento por equipe multidisciplinar, conforme prevê os artigos 14 a 17 da proposta de projeto de Lei. A equipe multidisciplinar deverá ser formada por profissionais de diversas áreas de conhecimento, inclusive externa ao meio jurídico, tais como psicólogos, assistentes sociais e médicos. Esse sistema viabiliza o conhecimento das causas e os mecanismos da violência. A implementação deste sistema em alguns Juizados Especiais Criminais tem se mostrado eficaz no enfrentamento à violência doméstica contra as mulheres.


25. O Ministério Público se afigura hoje como advogado dos interesses sociais, difusos e coletivos. É titular da ação que se fizer necessária para proteger o que é de todos, conforme determina o artigo 129 da Constituição Federal. Os artigos 18 e 19 do presente Projeto referem-se à garantia da participação integral do Ministério Público nos casos de violência doméstica, intervindo nas causas cíveis e criminais, requisitando a força policial e a colaboração dos serviços públicos, exercendo a fiscalização nos estabelecimentos públicos e particulares de atendimento à mulher em situação de violência.

26. A assistência jurídica integral e gratuita, aludida no Art. 5º, LXXIV, da Constituição Federal, refere-se ao conceito de assistência judiciária envolvendo serviços jurídicos não somente relacionados com a atividade processual, mas abrangendo serviços de orientação jurídica, aconselhamento ou informação dos direitos à comunidade. Desta forma, o Projeto prevê, nos artigos 20 e 21, a assistência judiciária à mulher em situação de violência doméstica como forma de garantir o seu acesso à justiça.

27. O presente Projeto amplia o leque de medidas cautelares tanto em relação ao agressor, como em relação a medidas de proteção à mulher agredida, proporcionando ao juiz a escolha da providência mais ajustada ao caso concreto, considerando-se as áreas cíveis e penais.

28. Os artigos 22 a 25 da presente proposta pretendem garantir às mulheres o acesso direto ao juiz, quando em situação de violência e uma celeridade de resposta à necessidade imediata de proteção.

29. O Projeto reúne medidas cautelares em relação ao agressor, possibilitando ao juiz não só exigir o seu afastamento do lar, mas, também, o seu encaminhamento a programa de acompanhamento psicossocial. Além disso, prevê a proibição de aproximação ou comunicação do agressor com a vítima, com testemunhas e familiares, a restrição de visitas aos dependentes menores e a prestação de alimentos provisionais.

30. O artigo 27 inova ao propor o encaminhamento das mulheres e seus dependentes, em situação de violência, a programas e serviços de proteção às mulheres, resguardando seus direitos relativos aos bens e a guarda dos filhos. Imputa ao agressor a responsabilidade econômica pela provisão alimentar e determina a recondução da mulher e seus dependentes, ao domicílio, após o afastamento do agressor.

31. As medidas cautelares previstas no artigo 28 de natureza patrimonial, possibilitam a revogação das procurações conferidas pela mulher ao agressor, a garantia do ressarcimento de bens e a indenização pelos danos e prejuízos causados. Nestes últimos casos são medidas do processo civil, cumuladas no processo penal. Visam à execução dos pronunciamentos de natureza civil, ou seja, a restituição de bens determinados e a indenização pelos danos e prejuízo sofridos.

32. Todos estes procedimentos se aplicam tanto às varas comuns como aos Juizados Especiais. A Constituição estabelece, como forma de atendimento no âmbito do Judiciário, as varas comuns e os Juizados Especiais, conforme previsto em seu artigo 98, inciso I.

33. O Juizado Especial Criminal a partir de sua previsão constitucional no art.98, foi criado para julgar as ações penais não superiores há dois anos, mediante procedimento sumaríssimo e com possibilidade de transação penal.

34. Os números mostram que, hoje, 70% dos casos julgados nos Juizados Especiais Criminais são de violência doméstica. A Lei 9.099/95, não tendo sido criada com

o objetivo de atender a estes casos, não apresenta solução adequada uma vez que os mecanismos utilizados para averiguação e julgamento dos casos são restritos.

35. A Justiça Comum e a legislação anterior também não apresentaram soluções para as medidas punitivas nem para as preventivas ou de proteção integral às mulheres. Examinando-se o modo pelo qual a violência doméstica era tratada pela Justiça Comum, a pesquisa de Carrara, Vianna e Enne realizada no Rio de Janeiro de 1991/1995, “mostra que a Justiça condena apenas 6% dos casos de lesão corporal contra as mulheres, enviados pelas Delegacias da Mulher para a Central de Investigações, encarregada da distribuição às Varas Criminais.”3

36. O presente Projeto propõe inovações específicas para os Juizados Especiais Criminais. As inovações gerais propostas, como a previsão dos procedimentos dos Capítulos do Ministério Público, Assistência Judiciária, Equipe de Atendimento Multidisciplinar e Medidas Cautelares, aplica-se em todos os Juizados e Varas.

37. O atual procedimento inverte o ônus da prova, não escuta as vítimas, recria estereótipos, não previne novas violências e não contribui para a transformação das relações hierárquicas de gênero. Não possibilita vislumbrar, portanto, nenhuma solução social para a vítima. A política criminal produz uma sensação generalizada de injustiça, por parte das vítimas, e de impunidade, por parte dos agressores.


38. Nos Juizados Especiais Criminais, o juiz, ao tomar conhecimento do fato criminoso, designa audiência de conciliação para acordo e encerramento do processo. Estas audiências geralmente são conduzidas por conciliadores, estudantes de direito, que não detêm a experiência, teórica ou prática, na aplicabilidade do Direito. Tal fato pode conduzir a avaliação dos episódios de violência doméstica como eventos únicos, quando de fato são repetidos, crônicos e acompanhados de contínuas ameaças.

39. A conciliação é um dos maiores problemas dos Juizados Especiais Criminais, visto que é a decisão terminativa do conflito, na maioria das vezes induzida pelo conciliador. A conciliação com renúncia de direito de representação geralmente é a regra.

40. Caso não haja acordo, o Ministério Público propõe a transação penal ao agressor para que cumpra as condições equivalentes à pena alternativa para encerrar o processo (pena restritiva de direitos ou multa). Não sendo possível a transação, o Ministério Público oferece denúncia e o processo segue o rito comum de julgamento para a condenação ou absolvição. Cabe ressaltar que não há escuta da vítima e ela não opina sobre a transação penal.

41. A presente proposta mantém a celeridade do previsto na Lei 9.099/95, mas altera o procedimento do Juizado Especial Criminal em razão da especificidade dos casos de violência doméstica e familiar contra as mulheres.

42. Prevê, a criação de audiência de apresentação para permitir que a vítima seja ouvida primeiro pelo juiz, em separado do agressor, e ainda que a audiência se balize pelo princípio da mediação, não podendo a mulher ser, em nenhuma hipótese, forçada à conciliação. Esta audiência deverá ser conduzida por juiz ou mediador, devendo este último ser profissional do direito, devidamente habilitado no Curso de Ciências Jurídicas e capacitado em questões de gênero.

43. A presente proposta garante, também, que a vítima esteja acompanhada por advogado na audiência, visto que a Lei 9.099/95, em seu artigo 68, concede esta prerrogativa apenas ao agressor.

44. O Projeto propõe, outrossim, alteração na Audiência de Instrução e Julgamento retirando a realização da transação penal da primeira audiência e postergando esta possibilidade para a segunda audiência. O objetivo é disponibilizar ao juiz outras ferramentas mais adequadas e eficazes para solucionar a questão, como por exemplo, o encaminhamento das partes à equipe de atendimento multidisciplinar, realização de exames periciais e providências cautelares.

45. O Projeto proíbe a aplicação de penas restritivas de direito de prestação pecuniária, cesta básica e multa, pois, atualmente, este tipo de pena é comumente aplicado nos Juizados Especiais Criminais em prejuízo da vítima e de sua família.

46. As disposições finais deste Projeto estabelecem que esta Lei se aplique nas Varas Cíveis e Criminais e nos Juizados Especiais Cíveis e Criminais.

47. Como objetivo mediato, propõe a criação de Varas e Juizados Especiais da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, com competência cível e penal, reconhecendo que a melhor estrutura judiciária, para o atendimento à mulher em situação de violência, será a criação destas Varas e Juizados Especiais.

48. As atuais Varas, por não terem um atendimento urgente e global, tem colocado a mulher e sua família em situação de risco. Além das medidas penais a serem impostas, há medidas cíveis a serem julgadas. Com a criação das Varas com competência cível e penal, será outorgada ao juiz maior competência para julgar estas causas e facilitado as mulheres o acesso à justiça e a solução dos conflitos.

49. O artigo 46 do Projeto prevê a alteração do artigo 313 do Código de Processo Penal, acrescentando nova hipótese de prisão preventiva, quando o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, qualquer que seja a pena aplicada.

50. O pedido de tramitação especial em regime de urgência, nos termos do § 1° do artigo 64 da Constituição Federal, para o Projeto de Lei apresentado, justifica-se pelo cumprimento das recomendações ao Estado Brasileiro do Comitê para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher – CEDAW, do Plano de Ação da IV Conferência Mundial sobre a Mulher (1995), da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher – Convenção de Belém do Pará (1994), do Protocolo Facultativo à Convenção sobre Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, além de outros instrumentos de Direitos Humanos. E, finalmente, pelo clamor existente na sociedade com o sentido de coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher que hoje alcança índices elevadíssimos e pouca solução no âmbito do Judiciário e outros Poderes estabelecidos.

51. Estas, em síntese, são as propostas que integram o Projeto que submetemos à apreciação de Vossa Excelência.

Respeitosamente,

Nilcéa Freire

Secretária Especial de Políticas para as Mulheres

1 Galvão, Elaine – Vocabulário referido a Gênero. Londrina: FAO/FIAT/PANS, 2003,pg 47.

2 Miguel, Sônia M – A Política de Cota por Sexo: Um estudo das primeiras experiências Legislativo Brasileiro. Brasília:CFÊMEA, 2000. Op.Cit.

3 Carrara, Vianna e Ennes – Entre o crime e a conciliação: a violência contra a mulher no Rio de Janeiro. Acervo: Revista do Arquivo Nacional. Rio de Janeiro: , v.15, n.01, p.39 – 58, 2002.

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