Direito à cidadania

Caixa e Citibank são obrigados a adaptar caixas a deficientes

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5 de fevereiro de 2006, 12h17

Negar o acesso de deficientes físicos a serviços cotidianos é ferir a dignidade da pessoa. Dignidade que “consiste em considerar a pessoa humana como centro de direitos superior a qualquer outra consideração, seja ela lucro ou coisa”.

É também ferir o valor constitucional da cidadania. “Apenas por meio da gradativa integração de minorias à possibilidade de acesso às tarefas mais básicas do cotidiano dos brasileiros é que será possível concretizar o tal mandamento constitucional”.

Com esse entendimento, a 31ª Vara Cível de São Paulo obrigou o Citibank a adaptar seus caixas eletrônicos para deficientes físicos, no prazo de um ano, sob pena de multa diária de R$ 500 mil.

A Ação Civil Pública contra o banco foi proposta pela Anadec — Associação Nacional de Defesa da Cidadania e do Consumidor e assinada pelos advogados Ronni Fratti e Daniel José Ribas Branco. A alegação foi a de que a regra é prevista na ABNT — Associação Brasileira de Normas Técnicas e regulamentada pelo Banco Central, mais ainda assim é descumprida.

Por isso, a associação pediu que os bancos instalassem módulos de acesso em todos os caixas eletrônicos de auto-atendimento espalhados pelas agências, shoppings, cafés, postos de gasolina e demais locais públicos ou privados.

A primeira instância da Justiça paulista acolheu o pedido. “O Banco Central, ao regular o tema, fixou prazo para que as instituições financeiras se adequassem à legislação e tal prazo encontra-se desrespeitado pela ré. Ainda que o Banco Central não tivesse regulamentado a matéria, mesmo assim o desrespeito da ré para com a legislação não pode ser admitido”, registrou a decisão da 31ª Vara Cível de São Paulo.

“Nega-se um dos fundamentos da própria República Federativa do Brasil, exposto no artigo 1º, da Constituição Federal, qual seja, a dignidade da pessoa humana. Dignidade da pessoa humana que se constituiu como mandamento de otimização a determinar que todo o sistema de direito seja interpretado a partir e com vistas a este vetor.”

A Anadec pedia que apenas um quinto dos caixas eletrônicos fossem adaptados. Porém, para a Justiça paulista, “não há fixação legal de percentual e, desta forma, caso limitado o percentual, estaria o magistrado fazendo as vezes do legislador escolhendo em quais comunidades os deficientes poderiam exercer plenamente sua cidadania e em quais não. Diante disso, de rigor que todos os terminais de auto-atendimento sejam adequadas às normas da ABNT”.

Ponto para o consumidor

Outra decisão semelhante também obriga a Caixa Econômica Federal a adaptar um quinto de seus caixas eletrônicos às necessidades dos deficientes físicos, sensoriais e de mobilidade reduzida. A decisão é da 20ª Vara Cível de São Paulo e o banco já recorreu. Nesta ação, os clientes também foram representados pela Anadec. (Processo 2005.61.00.022362-0)

Leia a íntegra da decisão

31a. Vara Cível de São Paulo – processo nº 2005.109718-4

Trata-se de ação civil pública promovida por ANADEC -ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE DEFESA DA CIDADANIA E DO CONSUMIDOR em face de BANCO CITIBANK S/A. Alega, em suma, que o réu não cumpre o disposto em legislação específica acerca do acesso de deficientes físicos aos caixas eletrônicos. Pede, em sede liminar, que seja condenado a instalar módulos de acessibilidade previstos e especificados na norma ABNT 15250, em pelo menos 1/5 (ou outra proporção designada pelo magistrado) de seus caixas eletrônicos de auto atendimento espalhados pelas vários locais públicos. Junta documentos com a petição inicial.

1 — Considerações preliminares A legitimidade da autora encontra-se, em juízo de cognição sumária, evidenciada pelos documentos que acompanham a petição inicial. Apresenta pertinência temática a ação com suas finalidades consoante artigo 3 de seu estatuto social. Ainda, o pedido liminar da autora apenas é assim considerado pois a lei específica regula tal pedido com este nomen juris. Em verdade, pretende o autor a própria antecipação dos efeitos da tutela de mérito e, por força do artigo 273, parágrafo 7, passo a analisar o pedido de tutela de urgência requerido.

2 — Da prova inequívoca da verossimilhança do direito alegado e do periculum in mora. A autora demonstra, especialmente após a emenda feita à petição inicial, que há prova inequívoca da verossimilhança do direito alegado. Isto porque, a par da legislação específica, o Banco Central, ao regular o tema, fixou prazo para que as instituições financeiras se adequassem à legislação e tal prazo encontra-se desrespeitado pela ré.

Ainda que o Banco Central não tivesse regulamentado a matéria (e tal regulamentação é de discutível legalidade ante a ausência de fixação de prazo pelo legislador), mesmo assim o desrespeito da ré para com a legislação não pode ser admitido. De se notar que, nesta situação, direito fundamental dos deficientes físicos tem sido negado pela conduta da ré. Isto porque, nega-se um dos fundamentos da própria República Federativa do Brasil, exposto no artigo 1, da Constituição Federal, qual seja, a dignidade da pessoa humana.

Dignidade da pessoa humana que se constitui como mandamento de otimização a determinar que todo o sistema de direito seja interpretado a partir e com vistas a este vetor. A dignidade da pessoa humana consiste em considerar a pessoa humana como centro de direitos superior a qualquer outra consideração, seja ela lucro ou coisa.

Nesse sentido, de se ver que, também outro valor constitucional (também fundamento da República) está em jogo, qual seja, a cidadania. Apenas por meio da gradativa integração de minorias à possibilidade de acesso às tarefas mais básicas do cotidiano dos brasileiros é que será possível concretizar tal mandamento constitucional. De se notar que esta, justamente, é uma das principais funções destinadas ao Poder Judiciário, qual seja, a concreção dos valores constitucionalmente assegurados.

Trata-se da chamada adjudicação que, na lição de OWEN FISS se constitui no: “…processo social por meio dos qual os juízes dão significado aos valores públicos. A chamada reforma estrutural – o assunto desse artigo – é um tipo de adjudicação, distinto pelo caráter constitucional dos valores públicos e, principalmente, pelo fato de envolver um embate entre o Judiciário e as burocracias estatais” (FISS, Owen. Um novo processo civil – Estudos norte americanos sobre a jurisdição, constituição e sociedade. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, página 26).

Também necessário afirmar que o perigo de dano irreparável ou de difícil reparação desponta presente. Dada a força dos argumentos ligados à verossimilhança, a continuidade do desrespeito às normas fundamentais impõe sacrifício por demais elevado para os portadores de deficiências físicas, que não podem aguardar eventual trânsito em julgado desta ação para exercer seu direito à cidadania. Daí desponta presente o perigo de dano irreparável ou de difícil reparação.

3 — Do percentual dos caixas e do prazo a ser concedido à ré A autora pede que seja fixado o percentual de 1/5 dos terminais de auto-atendimento da ré para adaptação nos termos da legislação. Contudo tal não pode ser admitido pelo juízo.

Ocorre que não há fixação legal de percentual e, desta forma, caso limitado o percentual, estaria o magistrado fazendo as vezes de legislador escolhendo em quais comunidades os deficientes poderiam exercer plenamente sua cidadania e em quais não. Diante disso, de rigor que todos os terminais de auto-atendimento sejam adequados às normas da ABNT, sob pena de negação intrínseca da própria antecipação de tutela concedida. Contudo, tal implementação (embora em atraso) não pode ser feita de maneira açodada, sob pena de se elevar a dificuldade da ré em tal monta que seja inviável factualmente o cumprimento da própria tutela de urgência.

Assim, com vistas à regra da proporcionalidade nos moldes preconizados por Robert Alexy, fixo o prazo de 1 ano a contar da intimação desta decisão para que todos os terminais de auto-atendimento sejam adequados as normas da ABNT para acesso dos deficientes físicos, sob pena de multa diária de R$500.000,00, sem prejuízo das demais medidas do artigo 461, do Código de Processo Civil.

Ante o exposto, DEFIRO a liminar para que a ré instale módulos de acessibilidade previstos e especificados na norma ABNT 15250, em todos os seus terminais auto-atendimento espalhados pelas vários locais públicos, no prazo de 1 ano, sob pena de multa diária de R$500.000,00, sem prejuízo das demais medidas do artigo 461 do Código de Processo Civil que se fizerem necessárias. Cite-se.

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