Reino de Deus

Universal não consegue indenização contra rádio CBN

Autor

4 de fevereiro de 2006, 10h30

O direito de crítica é inerente à atividade jornalística e deve ser exercido de forma vigilante e construtiva. O entendimento é da juíza Daise Fajardo Nogueira Jacot, da 15ª Vara Cível do Fórum João Mendes, em São Paulo, em sentença em que rejeitou o pedido de indenização da Igreja Universal do Reino de Deus contra a rádio CBN (rádio Excelsior).

A igreja moveu ação contra a rádio devido a comentário do jornalista Arnaldo Jabor veiculado em 3 de fevereiro de 2003. Em seu comentário, Jabor falava de viagem que fez à Bahia, da Universal e de seu movimento contrário ao Candomblé. “Eles (seguidores da Universal) dizem pros pobres lá do seu Palácio no Iguatemi, que o Candomblé é a religião do demônio, que todos têm de aderir à sua Igreja Universal”. O comentarista disse, ainda: “Senhores políticos baianos, intelectuais e poderosos, abaixo esses fariseus da Igreja Universal do Reino de Deus, eles têm de ser expulsos do templo”.

Segundo a juíza Daise, a condenação da rádio “implicaria em indisfarçável ‘censura’, instituto banido pelo regime constitucional vigente”. Daise também observou o fato de a autora da ação ser uma instituição religiosa que congrega multidões de fiéis no país e no exterior, o que a coloca em grande destaque diante de toda sociedade brasileira, “de tal forma a inspirar inegável ‘interesse público’”.

A igreja alegou que os comentários de Arnaldo Jabor tiveram cunho ofensivo, malicioso, preconceituoso e que o comentarista se valeu “de acusações desprovidas de veracidade” e ultrapassou “seu direito de liberdade de expressão”. Para a Universal, o comentarista confundiu o seu dever de informar, impondo o seu próprio ponto de vista, com considerações subjetivas.

O advogado da rádio CBN, Luiz de Camargo Aranha Neto, do escritório Camargo Aranha Advogados Associados, contestou as alegações da Igreja, argumentando que o comentário em discussão é totalmente verídico e imparcial. Disse também que “é dever da imprensa alertar a população, em especial a mais carente, sobre as atividades desenvolvidas pelas instituições que possuem grande influência sobre o povo e seu dinheiro”.

Segundo Aranha, também não há qualquer ineditismo no comentário, conforme se vê de algumas reportagens colhidas na internet: “o jornalista Arnaldo Jabor comenta as notícias jornalísticas em tom muitas vezes ácido, baseando-se em vários periódicos de circulação nacional”. O advogado defende que as críticas proferidas pelos pastores e bispos da Igreja Universal contra o candomblé e a culinária baiana demonstram o “radicalismo desenfreado”. A juíza Daise entendeu que não houve abuso de informação por parte da rádio e, portanto, não ficou configurado o dano e o direito à indenização.

Leia a sentença

PODER JUDICIÁRIO

SÃO PAULO

Processo nº 583.00.2003.050161-1

Vistos.

1. – IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS, qualificada na inicial, ajuizou esta AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS, pelo rito ordinário, em face de CBN – RÁDIO EXCELSIOR LTDA, também qualificada na inicial, visando a condenação da ré no pagamento de indenização por danos morais em quantia a ser arbitrada pelo Juízo. Fundamentou o pedido no artigo 5°, inciso X, da Constituição da República, nos artigos 17 e 52 do Código Cível Vigente e nos artigos 49 e seguintes da Lei n° 5.250/67.

A autora alega, em resumo, que a ré veiculou por meio de seu comentarista Arnaldo Jabor em 03 de fevereiro de 2003 notícia de cunho ofensivo, malicioso, preconceituoso, valendo-se de acusações desprovidas de veracidade e extravasando o seu direito de liberdade de expressão; sentiu-se lesada, difamada com comentários dolosos e contundentes acerca de sua pessoa, conforme o texto transcrito; notificou a ré no dia 04 de fevereiro de 2003 solicitando cópia da fita-censura com o comentário do Sr. Arnaldo Jabor e foi por ela contra notificada no dia 05 seguinte, negando-lhe o direito de resposta; foi compelida a ingressar com a medida judicial dada as verberações caluniosas, difamatórias e ofensivas à sua imagem e ao seu bom nome; houve usurpação de seu direito de liberdade religiosa, com incitação dos ouvintes contra a Igreja; a liberdade de pensamento é garantida pela Constituição; a notícia deve estar revestida de idoneidade e imparcialidade do jornalista ou da emissora de comunicação para a transmissão da realidade dos fatos; a ré confundiu o seu dever de informar, impondo o seu próprio ponto de vista; o comentarista da ré teceu considerações subjetivas, extrapolando os limites do dever de noticiar; a ré agiu com culpa “in vigilando” e “in eligendo” ao consentir a veiculação de notícia inverídica com informações lançadas de maneira dissimulada ao público ouvinte, denegrindo sua imagem e atacando o direito à liberdade religiosa com perseguição ao afirmar, “in verbis”: “Abaixo esses fariseus da Igreja Universal do Reino de Deus, eles tem de ser expulsos do templo”; o preposto da ré tenta induzir e confundir a opinião pública, alegando “in verbis” que: “Igreja Universal do Reino de Deus quer exterminar a religião e cultura negra na Bahia”; tais declarações estão eivadas de mentiras; no caso houve a intenção descarada de difamar e a exposição do nome e da imagem da Igreja ao desprezo público; sofreu acusações não provadas no passado, tanto que foi declarada inocente; a ré deve ser punida por sua negligência dada a veiculação de notícia ofensiva, com acusações levianas e mentirosas; a indenização deve ser arbitrada como forma de desestímulo à prática de futura lesão a outrem.


Após sustentar o pedido com legislação, doutrina e jurisprudência, requereu a citação da ré para os termos da inicial e que, julgada procedente a ação, sejam a ela impostos os ônus do sucumbimento. Protestou por prova e à causa deu o valor de R$ 1.000,00 (fls. 2/16). Juntou documentos (fls. 17/37). Citada (fl. 48), a ré contestou a ação, sustentando em preliminar a decadência e no mais a improcedência do pedido.

Argumenta que a responsabilidade civil ou patrimonial das empresas que exploram atividades jornalísticas está disciplinada, exclusivamente, pela Lei n° 5.250/67, recepcionada pela Constituição Federal; assim a ação para haver indenização por dano moral deve ser proposta no prazo de três (3) meses, sob pena de decadência, conforme previsto no artigo 56 dessa Lei; o comentário em discussão é totalmente verídico e imparcial; é dever da Imprensa alertar a população, em especial a mais carente, sobre as atividades desenvolvidas pelas instituições que possuem grande influência sobre o povo e seu dinheiro; não há qualquer ineditismo no debatido comentário, conforme se vê de algumas reportagens colhidas na Internet; prescinde de maiores demonstrações os inúmeros escândalos envolvendo a Autora na captação de dízimos dos seus fiéis; o jornalista Arnaldo Jabor comenta as notícias jornalísticas em tom muitas vezes ácido, baseando-se em vários periódicos de circulação nacional; a matéria veiculada está de acordo com as fartas notícias indicadas nos autos; as críticas proferidas pelos pastores e bispos da Igreja Universal contra o candomblé e a culinária baiana demonstram o radicalismo desenfreado; o jornalista Arnaldo Jabor não extrapolou o livre direito assegurado pela liberdade de imprensa; a ré tem o dever de informar e divulgar, sendo constitucionalmente vedado qualquer tipo de censura; o “animus narrandi” afasta qualquer possibilidade de ilícito civil indenizável; não houve extrapolação da liberdade de expressão do pensamento nem abuso no exercício dessa liberdade; as informações constantes são verdadeiras e encontram respaldo na notoriedade pública dos fatos; não restou configurada a prática de qualquer ato ilícito; hipotética indenização estaria limitada aos parâmetros do artigo 51 da Lei de Imprensa (fls. 49/68). Juntou documentos (fls. 69/104).

A autora apresentou réplica, refutando o alegado e insistindo no pedido (fls. 122/131). Facultada a especificação de provas (fl. 132), ambas as partes manifestaram-se a propósito (fls. 133 e 135). Sobreveio a audiência de conciliação, mas não houve acordo. Foram então afastada a preliminar e fixado o ponto controvertido, com deferimento de prova de degravação (fls. 137/138). O Perito juntou o laudo (fls. 147/153) e a ré manifestou-se a propósito (fls. 155/157). Durante a instrução foram ouvidas duas testemunhas da autora (fls. 162/163, 164, 165/166 e 167). Encerrada a fase de prova, as partes apresentaram alegações finais por memoriais (fls. 175/177 e 179/188).

É o relatório.

Fundamento e decido.

2. — A autora visa, por meio desta Ação, a condenação da ré no pagamento de indenização por dano moral, em quantia a ser arbitrada pelo Juízo. Fundamenta o pedido no artigo 5°, inciso X, da Constituição da República, nos artigos 17 e 52 do Código Cível Vigente e nos artigos 49 e seguintes da Lei n° 5.250/67, citando doutrina e jurisprudência a propósito.

2.1. — A preliminar de decadência não havia mesmo de ser acolhida (v. fls. 137/138). Conforme já observado, a autora pleiteia indenização por dano moral, dizendo-se atingida diretamente em sua honra e imagem pelo alegado ataque do comentarista da ré, Jornalista Arnaldo Jabor. As ações de indenização por danos morais decorrentes de publicação pela Imprensa não estão sujeitas ao prazo decadencial do artigo 56 da Lei nº 5.250/67, que não foi recepcionada no tocante pela Constituição de 1988. Esse entendimento já se acha pacificado pela Jurisprudência. Nesse sentido, vejam-se os r. julgados publicados na RT 822/236-240 e 823/330-335.

2.2. — No mérito, a prova dos autos não autoriza o sucesso da ação. Conforme já relatado, a autora reclama a responsabilização da ré pelo dano moral que alega ter sofrido em decorrência de notícia veiculada no dia 03 de fevereiro de 2003 por meio do comentarista Arnaldo Jabor, dado o cunho ofensivo, malicioso, preconceituoso, fundado em acusações desprovidas de veracidade. Alega que a ré extravasou o seu direito de liberdade de expressão; sentiu-se lesada, difamada com comentários dolosos e contundentes acerca de sua pessoa, conforme o texto transcrito; notificou a ré no dia 04 de fevereiro de 2003 solicitando cópia da fita-censura com o comentário do Sr. Arnaldo Jabor e foi por ela contranotificada no dia 05 seguinte, negando-lhe o direito de resposta; foi compelida a ingressar com a medida judicial dada as verberações caluniosas, difamatórias e ofensivas à sua imagem e ao seu bom nome; houve usurpação de seu direito de liberdade religiosa, com incitação dos ouvintes contra a Igreja; a liberdade de pensamento é garantida pela Constituição; a noticia deve estar revestida de idoneidade e imparcialidade do jornalista ou da emissora de comunicação para a transmissão da realidade dos fatos; a ré confundiu o seu dever de informar, impondo o seu próprio ponto de vista; o comentarista da ré teceu considerações subjetivas, extrapolando os limites do dever de noticiar; a ré agiu com culpa “in vigilando” e “in eligendo” ao consentir a veiculação de notícia inverídica com informações lançadas de maneira dissimulada ao público ouvinte, denegrindo sua imagem e atacando o direito à liberdade religiosa com perseguição ao afirmar, “in verbis”: “Abaixo esses fariseus da Igreja Universal do Reino de Deus, eles tem de ser expulsos do templo”; o preposto da ré tenta induzir e confundir a opinião pública, alegando “in verbis” que: “Igreja Universal do Reino de Deus quer exterminar a religião e cultura negra na Bahia”; tais declarações estão eivadas de mentiras; no caso houve a intenção descarada de difamar e a exposição do nome e da imagem da Igreja ao desprezo público; sofreu acusações não provadas no passado, tanto que foi declarada inocente; a ré deve ser punida por sua negligência dada a veiculação de notícia ofensiva, com acusações levianas e mentirosas; a indenização deve ser arbitrada como forma de desestímulo à prática de futura lesão a outrem (fls. 2/16).


A ré, por sua vez, insurge-se com veemência contra o pedido de reparação argumentando que a responsabilidade civil ou patrimonial das empresas que exploram atividades jornalísticas está disciplinada, exclusivamente, pela Lei n° 5.250/67, recepcionada pela Constituição Federal; assim a ação para haver indenização por dano moral deve ser proposta no prazo de três (3) meses, sob pena de decadência, conforme previsto no artigo 56 dessa Lei; o comentário em discussão é totalmente verídico e imparcial; é dever da Imprensa alertar a população, em especial a mais carente, sobre as atividades desenvolvidas pelas instituições que possuem grande influência sobre o povo e seu dinheiro; não há qualquer ineditismo no debatido comentário, conforme se vê de algumas reportagens colhidas na Internet, juntadas por cópia aos autos; prescinde de maiores demonstrações os inúmeros escândalos envolvendo a Autora na captação de dízimos dos seus fiéis; o Jornalista Arnaldo Jabor comenta as notícias jornalísticas em tom muitas vezes ácido, baseando-se em vários periódicos de circulação nacional; a matéria veiculada está de acordo com as fartas notícias indicadas nos autos; as críticas proferidas pelos pastores e bispos da Igreja Universal contra o candomblé e a culinária baiana demonstram o radicalismo desenfreado; o Jornalista Arnaldo Jabor não extrapolou o livre direito assegurado pela liberdade de imprensa; a ré tem o dever de informar e divulgar, sendo constitucionalmente vedado qualquer tipo de censura; o “animus narrandi” afasta qualquer possibilidade de ilícito civil indenizável; não houve extrapolação da liberdade de expressão do pensamento nem abuso no exercício dessa liberdade; as informações constantes são verdadeiras e encontram respaldo na notoriedade pública dos fatos; não restou configurada a prática de qualquer ato ilícito; hipotética indenização estaria limitada aos parâmetros do artigo 51 da Lei de Imprensa (fls. 49/68).

Milton Vieira, ouvido como testemunha da autora, disse que é Deputado Estadual desde 15 de março de 1999 e que é Pastor da Igreja Universal desde 1989. É ouvinte da CBN e se sentiu ofendido com a fala de Arnaldo Jabor no início de 2003. No mesmo dia fez um pronunciamento na Assembléia Legislativa, ressaltando que aquilo era exagero porque a Igreja tinha um trabalho social e deveria ser olhado o lado bom. Muitos membros da Igreja ligaram para o seu Gabinete em razão das declarações do Jornalista. A Igreja Universal prega a Bíblia e não tem nada contra as demais religiões (fls. 165/166).

Ceme Suaiden Júnior, também ouvido como testemunha da autora, disse que é obreiro da Igreja e que ouviu as declarações do Jornalista Arnaldo Jabor no começo do ano de 2003. Afirmou então que ficou horrorizado pelas calúnias, porque os Pastores foram chamados de feiticeiros, charlatões, falsos profetas, fariseus e hipócritas (fl. 167). A degravação da fita em causa confirma o texto que serve de base para a reclamação da autora, transcrito na inicial. Consta que o Comentarista Arnaldo Jabor disse “in verbis” o seguinte: “Amigos ouvintes, hoje, voltei das minhas férias. Passei duas semanas na Bahia, em Salvador, onde eu fiquei praticamente dias, dentro do mar, nas beiras de praias, nos barcos, e principalmente no meio do povão, no pelourinho no candial, no terreiro de Carlinhos Brown, beijando a mão de mãe Carmem, sentindo o famoso axé geral, que venta na cidade e recebendo as energias da cultura negra e bela, que sentimos nos gestos, na alegria dos baianos e na sua liberdade total. Salvador é a terra da felicidade, é uma terra sagrada onde as festas pagãs da música e da dança, se misturam com a tradição da religião negra e sua cultura, mas, sempre há um mas, mas, há um grave problema acontecendo em Salvador, que exige uma atitude das autoridades. Pra Bahia se mudaram charlatães, os mentirosos, os falsos profetas da Igreja Universal do Reino de Deus. Aquela seita de executivos que usam Jesus pra montar redes de milhões de dólares em TVs, Palácios em Miami e outras malandragens com os dez por cento, os dízimos que eles tiram dos salários pobres. Até aí nada se pode fazer a não ser alertar as pessoas pro conto do vigário, mas, acontece que essa gente se instalou na Bahia pra exterminar a religião africana, inaugurando uma guerra contra o Candomblé, contra os terreiros e contra a beleza da África Brasileira. Eles dizem pros pobres lá do seu Palácio no Iguatemi, que o Candomblé é a religião do demônio, que todos tem de aderir a sua Igreja Universal. Declararam guerra a mais bela de nossas tradições culturais e isso pode ser combatido pelas autoridades, só por elas, onde a Constituição proíbe a demonização de religiões por outras. Por isso eu começo alertando Gilberto Gil nosso Ministro da Cultura para o… do problema, que ele deve conhecer. Lembro ao ótimo prefeito Embassai, de Salvador, sobre isso, e peço atenção do grande político sério que é o novo Governador Paulo Soto, e mais, eu apelo a Antônio Carlos Magalhães, a quem eu já critiquei muito, mas que é um real amante da Bahia, cujas águas ele despoluiu depois de salvar a beleza do pelourinho. Só por isso ACM merece respeito, ele ama a Bahia. Por isso eu peço a ACM e aos baianos sérios e poderosos que lutem contra esses homens que querem arrasar nossa beleza, nossa liberdade da religião negra. Com eles só a luta política e jurídica podem resolver. Senhores políticos baianos, intelectuais e poderosos, abaixo esses fariseus da Igreja Universal do Reino de Deus, eles têm de ser expulsos do templo.” (“sic”, fls. 148/150).


Já se viu, a autora, que efetivamente soma multidões de fiéis no País e também no Exterior, destaca a parte negritada do texto supra transcrito como lesiva à sua imagem e ao seu nome pelo cunho ofensivo, malicioso, preconceituoso, afirmando ser esse cunho calcado em acusações desprovidas de veracidade, que extravasam o direito de liberdade de expressão. Já o Comentarista Arnaldo Jabor, que confessa seu grande amor e admiração por Salvador, dando ênfase aos costumes e práticas religiosas e culturais do povo baiano em geral e em particular à cultura e religião afro-brasileira, conclama os políticos baianos, intelectuais e poderosos à luta “contra esses homens” da Igreja autora, chamando-os de “fariseus” que “têm de ser expulsos do templo”.

A autora socorre-se do disposto no inciso X do artigo 5° da Constituição da República para justificar pedido de indenização por ofensa moral à sua imagem e ao seu nome. De fato, estabelecem os incisos V e X do citado dispositivo constitucional que “… é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem” e que “… são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito de indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.

Contudo, estabelecem os incisos IV e IX do mesmo artigo 5° que”… é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”, e que “… é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”.

A propósito da liberdade de manifestação do pensamento, de expressão e de informação, estabelece o artigo 220, §§ 1° e 2°, da Constituição da República, “in verbis”, que: “A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

“§ 1 °. Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5°, IV, V, X, XIII e XIV.

“§ 2°. E vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”.

No caso dos autos, que envolve tão-somente a Igreja autora e a Estação de Rádio ré, tem-se um aparente conflito entre direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição da República, especialmente nos incisos IV, V, IX e X do artigo 5° e no artigo 220. A Lei n° 5.250/67, conhecida como “Lei de Imprensa”, assegura o direito de crítica, desde que ausente o ânimo de injuriar, caluniar ou difamar (v. artigo 27).

Alias, o direito de crítica é inerente à atividade jornalística e deve ser exercido de forma vigilante e construtiva, como recomendado por LAURO LIMBORÇO em “O Direito de Crítica e a Lei de Imprensa” (v. RT 606/454 e JTJ 182/81-83).

O exame detido dos autos, à luz da legislação, da doutrina e da jurisprudência, revela que não houve abuso da informação e da crítica por parte da Empresa ré, na voz de seu Comentarista Arnaldo Jabor. Decorre daí a ausência de dano moral indenizável, resolvendo-se o aparente conflito entre os direitos e as garantias fundamentais assegurados a ambas as partes com a conclusão de que o comentarista produziu a obra nos limites de seus direitos Constitucionais. A propósito do assunto tem-se a excelente doutrina de EDILSOM PEREIRA DE FARIAS segundo o qual: “…A Constituição Federal de 1988 admite restrição à liberdade de expressão e informação, desde que observado o disposto no articulado constitucional (art. 220).

Mais enfático, o § 1 ° do art. 220 estabelece: ‘nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5°, IV, X, XIII e XIV’… Assim, embora autorizado pelo texto constitucional para densificar os limites da liberdade de expressão e informação, a fim de prevenir eventuais confrontos com outros direitos fundamentais, o legislador pátrio não se preocupou em elaborar lei sobre a matéria, quer na esfera civil quer na esfera penal, após a promulgação da Constituição Federal em vigor… a norma infraconstitucional que disciplina a liberdade de expressão e informação, entre nós, é a Lei n. 5.250, de 09 de fevereiro de 1967″ (“sic”, “Colisão de Direitos”, Sérgio Antonio Fabris Editor, Porto Alegre, 1996, página 138).

A condenação da ré pela matéria produzida pelo Comentarista Arnaldo Jabor, em atendimento ao pedido da autora, implicaria em indisfarçável “censura”, instituto banido pelo regime constitucional vigente. O fato de a autora ser uma instituição religiosa que congrega multidões de fiéis no País e no Exterior a coloca em grande destaque ante a toda sociedade brasileira, de tal forma a inspirar inegável “interesse público”. Bem por isso, tanto a autora quanto os seus dirigentes são havidos como “pessoas públicas”. Nessa condição, a autora e também seus dirigentes assumem os ônus de terem seus atos e condutas permanentemente sujeitos a críticas da sociedade, dos cidadãos. Tal não os afasta da proteção constitucional nem libera a Imprensa de qualquer responsabilidade pelo exercício da “manifestação do pensamento” e da “informação”, quando há invasão da esfera limítrofe traçada pela Constituição.


No caso, já se viu, essa invasão não ficou configurada. Malgrado o reclamo da autora, que se sente atingida em sua honra objetiva pela matéria veiculada pela ré, na voz do Comentarista Arnaldo Jabor no dia 03 de fevereiro de 2003, o certo é que tal escrito envolve crítica no contexto estabelecido, sem abuso.

É sabido que a autora, desde que mostrou à sociedade sua capacidade de persuasão pela multidão de fiéis conquistados, provocou por outro lado a ira dos contrários, tanto que vem sendo alvo de crítica pela Imprensa em geral, em razão de suas pregações contundentes por vezes, havidas como uma grande ameaça à sobrevivência das outras práticas e crenças religiosas. As tantas dúvidas e suspeitas levantadas a respeito do dízimo angariado pela autora junto a essas multidões com suas convincentes pregações, culminaram com acusações noticiadas pela Imprensa em geral (fls. 70/104).

A propósito de caso que guarda relação de semelhança com o dos autos, já se entendeu: “… A pessoa jurídica é protagonista do mundo do direito, por si, e não pode reivindicar eventuais direitos de seus sócios, mormente no campo da personalidade. “… No mesmo sentido, as expressões ‘malandragem’, ‘negócio para os espertalhões’ e outras, usadas no contexto da reportagem, sem alusão pessoal, mas genérica em relação à atividade versada, traduzem linguajar jornalístico sob sabor cáustico, mas apropriado a uma ênfase na exposição de um ponto de vista.

“Não se pode dizer que tenha havido abuso na liberdade de imprensa, eis que, suprimidas as referências às empresas ali noticiadas, e, afastadas as expressões em foco, o texto estaria mutilado e despido da energia necessária à defesa da tese ali exposta. “O que revela é que os fatos, a controvérsia judicial entre a Converse Inc. e a autora são verdadeiros em si, descabendo, nestes autos, todavia, o exame de fundo das posições das partes, eis que a manifestação jurisdicional respectiva é da Justiça Federal. “E a maneira de tratar os fatos, com rigor, utilizando-se do jargão pertinente, não chega a traduzir abuso do poder da imprensa. “A liberdade de imprensa, a notícia dos fatos, reclama o respeito a essa liberdade, mormente no campo em discussão, em que está presente exacerbada controvérsia, envolvendo aspectos econômicos e até de Soberania Nacional” (” sic”, JTJ 178/151-154).

Vejam-se ainda a propósito os r. julgados publicados na RT 670/302¬303 e na JTJ 169/86-88, 170/107-109, 182/81-83, 185/118-127, 186/89-92, 218/99-105, 219/91-102, 232/110¬113, 260/166-169 e 267/150-155. Como quer que seja, a prova dos autos no seu conjunto não autoriza o reconhecimento de dano moral indenizável nem a configuração de litigância de má-fé por qualquer das partes.

Assim, ficam rejeitadas todas as alegações em sentido contrário por conseguinte, sem embargo do empenho profissional dos ilustres Patronos das partes.

3. – Diante do exposto e à luz de tudo o mais que dos autos consta, julgo IMPROCEDENTE esta AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS que IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS moveu contra CBN – RÁDIO EXCELSIOR LIMITADA. Em conseqüência, EXTINGO o processo na fase de conhecimento, com base no artigo 269, inciso I, do Código de Processo Civil.

Arcará a autora, por imposição do princípio do sucumbimento, com o pagamento das custas e despesas do processo bem como dos honorários advocatícios, que são arbitrados na quantia correspondente a vinte por cento (20%) do valor atualizado da causa. Para o caso de Recurso, o recorrente deverá observar a Lei Estadual n° 11.608/2003 e o Provimento CSM n° 833/2004.

P. R. I. C.

São Paulo, 30 de novembro de 2005.

DAISE FAJARDO NOGUEIRA JACOT

Juíza de Direito

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!