Contra a bitributação

Brasil precisa dar mais importância aos tratados internacionais

Autor

  • Rodrigo Maitto da Silveira

    é mestre em Direito Econômico e Financeiro pela Faculdade de Direito da USP membro do IPT — Instituto de Pesquisas Tributárias e do IBDT — Instituto Brasileiro de Direito Tributário. É sócio do Maitto Vieira Silva e Vasconcellos Advogados.

4 de fevereiro de 2006, 6h00

É imprescindível que o Brasil, almejando uma posição relevante no cenário econômico internacional, busque o incremento da sua rede de tratados contra a bitributação, assim como a capacitação das autoridades fiscais no sentido de permitir à correta interpretação e aplicação desses acordos.

Ao longo da última década, estudos e pesquisas consistentes corroboraram a importância dos tratados (acordos ou convenções) internacionais contra a bitributação para o desenvolvimento econômico dos países signatários, especialmente em função do incremento do fluxo de investimentos e de trocas comerciais que esses instrumentos proporcionam.

Infelizmente, o Brasil, na qualidade de país emergente, ainda engatinha nessa seara. A rede de tratados brasileira é bastante tímida quando comparada com o número de acordos firmados por China (86) e Índia (65). São apenas 25 tratados bilaterais celebrados com Argentina, Áustria, Bélgica, Canadá, Chile, China, Coréia do Sul, Dinamarca, Equador, Espanha, Filipinas, Finlândia, França, Holanda, Hungria, Índia, Israel, Itália, Japão, Luxemburgo, Noruega, Portugal, República Tcheca, República Eslovaca e Suécia. Encontram-se pendentes de aprovação do Congresso Nacional os tratados negociados com África do Sul, Paraguai e Ucrânia.

Não bastasse o número reduzido desses acordos, vale mencionar a recente denúncia, pela Alemanha, do tratado contra a bitributação celebrado com o Brasil, o que revela uma tendência contrária à necessidade de ampliação da rede de acordos dessa natureza.

A celebração de tratados contra a bitributação é tarefa árdua, complexa, mas deve ser encarada como objetivo estratégico de política internacional. Não basta, contudo, simplesmente assinar e incorporar um tratado dessa natureza ao ordenamento jurídico pátrio. É preciso, num segundo momento, interpretá-lo segundo regras e princípios internacionalmente aceitos, assim como aplicá-lo de forma coerente com o compromisso assumido perante o outro país.

Temos assistido, nos últimos anos, a um certo despreparo das autoridades brasileiras na aplicação de tais acordos, fruto talvez de uma política arrecadatória imediatista. O modo como o fisco brasileiro lida com as questões de tributação de situações internacionais abrangidas pelos tratados assinados pelo país leva, por exemplo, ao desrespeito à prevalência das regras convencionais sobre tributação dos lucros das empresas em relação às normas de preços de transferência e à qualificação errônea (e não meramente divergente) de itens de rendimento, contrariando as práticas internacionais.

De um lado, a prevalência das regras convencionais em matéria tributária decorre do artigo 98 do Código Tributário Nacional, que prescreve o afastamento, pelos tratados, da legislação tributária interna. Tal fato, no que concerne às regras de preços de transferência, não foi observado pelo legislador nacional quando estabeleceu percentuais fixos para o cálculo do preço parâmetro, como medida para identificar o preço mais próximo daquele que seria praticado no mercado aberto, entre pessoas não ligadas.

De outro lado, o problema dos conflitos de qualificação na aplicação de tratados contra a bitributação, que surge quando os países envolvidos divergem a respeito de qual regra do tratado é aplicável em face de um rendimento específico, leva, em última análise, a situações de bitributação (ou, potencialmente, à dupla isenção).

É possível destacar, ainda, como um fator desfavorável à aplicação dos referidos tratados a criação de tributos não abrangidos por esses acordos, tal como a Cide — Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico incidente sobre os valores, inclusive royalties, pagos a pessoas residentes ou domiciliadas no exterior a título de remuneração pelo uso ou aquisição de conhecimentos tecnológicos, por exploração de patentes ou uso de marcas, pelo fornecimento de tecnologia e prestação de serviço de assistência técnica e de serviços de assistência administrativa e semelhantes.

É imprescindível que o Brasil, almejando uma posição relevante no cenário econômico internacional, busque o incremento da sua rede de tratados contra a bitributação, assim como a capacitação das autoridades fiscais no sentido de permitir à correta interpretação e aplicação desses acordos.

Autores

  • é mestre em Direito Econômico e Financeiro pela Faculdade de Direito da USP, membro do IPT — Instituto de Pesquisas Tributárias e do IBDT — Instituto Brasileiro de Direito Tributário. É sócio do Maitto, Vieira, Silva e Vasconcellos Advogados.

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