Interpelação ao ministro Nelson Jobim é oportuna, mas inócua
2 de fevereiro de 2006, 10h03
A interpelação que um grupo de pessoas dirigiu ao sr. Nelson Jobim, presidente do Supremo Tribunal Federal, a respeito de suas anunciadas pretensões eleitorais (ConJur, 1/2/06), é decerto oportuna. Contudo, carrega o vício do formalismo e não ataca o cerne do problema.
No frigir dos ovos, o que os reclamantes argumentam é que, se o sr. Jobim pretende de fato candidatar-se às eleições de 2006, então deve ele retirar-se do STF. Digamos então que amanhã, espicaçado pela interpelação, decida o sr. Jobim renunciar a seu posto de ministro do Supremo. Alteraria isso a situação material representada por sua candidatura?
A resposta é que alteraria apenas superficial e fugazmente. Não poderia mais o sr. Jobim, a partir daquele momento, usar de suas prerrogativas togadas, deixaria ele de apreciar ações, recursos, embargos, mandados de segurança, e deixaria ele de constranger seus colegas.
Tudo isso seria decerto salutar — mas o despropósito de sua candidatura permaneceria. O problema posto pelo sr. Jobim não é de natureza legal. A legislação brasileira não proíbe que um ministro de corte superior se candidate. O que a lei exige é que sua desincompatibilização dê-se dentro de determinado prazo. Não deve restar dúvidas de que o sr. Jobim tem isso muito presente em seu pensamento.
Só alguém muito ingênuo imaginaria que pretendesse ele permanecer na função de ministro do STF e, ao mesmo tempo, se filiasse a um partido político e anunciasse candidatura. Por isso, embora aguda na aparência, a interpelação em questão na verdade chove no molhado.
A desfaçatez da anunciada candidatura Jobim não decorre da letra da lei. Ao contrário, a lei não a proíbe, de forma que argumentar com ela sai pela culatra, uma vez que dirá o sr. Jobim que está do lado da lei (ou que a lei está do lado dele, como se costuma dizer). Retirando-se ele do STF no prazo legal, como o fará, poderão todos dizer, interpelado e interpelantes, que “vivemos sob o império da lei” e que “venceram as instituições republicanas”, ficando nesse passo tudo limpo para todo mundo — como é a regra dos debates meramente formais, como é este.
O território próprio de discussão do caso não é o formalismo legal, de saída inócuo dadas as circunstâncias, mas doutrinário, supra-legal. Uma vez que o presidente do STF se movimenta eleitoralmente, deve ele ser verberado não por suposto ferimento à lei, mas por falta de compostura.
Conforme já se argumentou alhures, “há entre as alegadas ambições do presidente do STF e sua função no tribunal um conflito de interesses cuja persistência é intolerável. Se o sr. Jobim de fato nutre a ambição noticiada, todos os atos do colegiado do Supremo são lançados no mesmo buraco negro de suspeição. Ao pretender transitar entre dois Poderes, o presidente do STF estende seu conflito de interesses ao conjunto dos demais magistrados” (“Candidatura acintosa”, Folha de S. Paulo, 5/12/05, p. 3, deste que escreve).
O conflito de interesses aludido não é mais apenas presumível, mas se materializou. Estão lançadas à suspeita todas as decisões do STF pelo menos desde que o sr. Jobim se tornou seu presidente, e todos os posicionamentos individuais dele desde que aportou naquela corte. Quem sabe quais interesses, não apenas políticos, mas econômicos, terão sido beneficiados por decisões que emergiram dali?
A situação criada pelo sr. Jobim não é solucionável apenas por sua saída do STF. Deve ele ter impedida qualquer veleidade eleitoral. Dado que é incapaz de distinguir entre seus interesses políticos pessoais e seus deveres republicanos, só há uma possibilidade de reparar ao menos um pouco do malfeito, dado que consertar o passado é impossível, ficando indelevelmente marcado no STF a nódoa da passagem do sr. Jobim por lá. A saída, que não é judicante mas político-doutrinária, é enviar-se o sr. Jobim de volta para a vida privada.
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