Reformas na Corte

Novos dirigentes do TJ paulista reclamam verba do Executivo

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1 de fevereiro de 2006, 20h07

Para que o Tribunal de Justiça de São Paulo funcione a contento, o Legislativo e o Executivo precisam colaborar. Trocando em miúdos, é preciso dar recursos financeiros suficientes para gerir o maior tribunal da América Latina. Esse foi o tom da coletiva dada à imprensa pelos novos dirigentes do TJ de São Paulo momentos antes da posse nesta quarta-feira (1/2).

A tarefa do trio que comandará o Judiciário paulista nos próximos dois anos é árdua. O presidente Celso Luiz Limongi, o vice Caio Canguçu de Almeida e o corregedor-geral de Justiça Gilberto Passos de Freitas têm de enfrentar, só na segunda instância, nada menos do que 550 mil processos estrangulados por uma máquina cujas engrenagens precisam ser lubrificadas.

Para Limongi, a lentidão da Justiça paulista não deve ser atribuída ao juiz, que “trabalha até a exaustão”. Segundo o presidente do Tribunal, o problema está na falta de verba que é repassada pelo governo estadual para o tribunal e na defasagem do Código Penal e Civil.

Limongi disse que tem batalhado para ter uma verba fixa de 6% do orçamento do estado de São Paulo para o Judiciário. Na sua opinião, só assim o Tribunal terá verbas para estrutura e para investir em funcionários. Segundo o novo presidente, o TJ recebe em média R$ 4 bilhões por ano, mas tem despesas superiores a 3 bilhões, o que impede mudanças na estrutura. “Havíamos pedido quase R$ 8 bilhões para que pudéssemos colocar a casa em ordem e pagar o que devemos para juízes e para o funcionalismo público. Mas foram liberados R$ 4 bilhões.”

Segundo a expectativa do novo presidente, haverá colaboração entre os três poderes para modernizar e agilizar o Tribunal de São Paulo. Mas Limongi disse que não vai ficar parado e que se não houver um maior repasse de verbas já há a possibilidade de uma outra via: conseguir empréstimos com bancos estrangeiros. “A OAB tem interesse e já começou a trabalhar nesse sentido para ver se é viável. O Tribunal faz o pedido e o Ministério da Justiça intervém”, adiantou.

Para o presidente da OAB-SP, Luiz Flavio Borges D’Urso, a intenção é ampliar o repasse permitido pela lei de responsabilidade fiscal de 6% para 8% a serem investidos no Judiciário de São Paulo. Mas ele também é adepto da via alternativa. “Vamos buscar recursos junto ao Banco Mundial, se preciso”, disse D’Urso.

Quanto ao Legislativo, Limongi acredita que deve haver reformas no Código de Processo Civil e Penal. “Sem instrumentos legais não conseguimos sair desse marasmo. A reforma do Judiciário não trouxe grandes vantagens para a celeridade”, acrescentou.

Para o vice-presidente do TJ paulista, Caio Canguçu de Almeida, o Tribunal não é lugar para canalizar votos e que o fato de 2006 ser ano eleitoral não modifica a relação com o governo. Mas ele adianta que precisa haver uma cooperação maior do Estado, para dar maior agilidade à Justiça. “O poder público é quem mais recorre a Justiça e muitas vezes insiste em causas repetitivas que atravancam o Judiciário”, critica. Para Canguçu, “não cabe ao Judiciário mudar a legislação e nem colocar na cabeça dos governantes que eles não devem processar pelo mesmo motivo que decidido anteriormente”.

Entre as principais mudanças do Tribunal, está a promessa de ter um maior contato com a imprensa. “A mídia tem de fazer o elo entre o Judiciário e a sociedade, para transmitir informações fidedignas. Somos um tribunal absolutamente transparente e precisamos mostrar que a sociedade tem uma impressão equivocada do Judiciário”, completou Limongi.

Leia a íntegra do discurso de Limongi

Muito obrigado. Muito obrigado pela presença. Fico muito agradecido às autoridades presentes, que dão brilho e prestígio a esta cerimônia. Agradeço, sensibilizado, a presença de todos, advogados, juízes, promotores, funcionários, amigos, com a certeza de que trarão bons fluidos para a nossa gestão, em companhia dos colegas, eminentes e queridos desembargadores Canguçu de Almeida e Passos de Freitas, integrantes do Conselho Superior da Magistratura. Meu afetuoso abraço a cada um dos presentes.

Preciso agradecer, ainda, as bondosas palavras proferidas pelos oradores que me antecederam, o Exmo. Sr. Dr. Flávio D´Urso, DD. Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, seção São Paulo; o Exmo. Sr. Dr. Rodrigo César Rebello Pinho, DD. Procurador Geral de Justiça; meu colega, amigo e irmão, Des. João Alfredo de Oliveira Santos; o Exmo. Sr. Dr. Geraldo Alckmin, DD. Governador do Estado de São Paulo; o Exmo. Sr. Rodrigo Garcia, DD. Presidente da Assembléia Legislativa; o Exmo. Sr. Dr. José Serra, DD. Prefeito da Capital de São Paulo.

Não posso deixar de externar meu profundo agradecimento aos meus colegas, que me elegeram presidente deste Tribunal, confiando em minha palavra e aprovando a plataforma de governo apresentada.


Senhoras e Senhores:

O tempo futuro devora o presente. O futuro se torna presente e passado. O tempo do Judiciário não acompanha o tempo da economia, nem as vertiginosas transformações sociais e tecnológicas. Importam-nos, como seres humanos, os resultados futuros, decorrentes das causas internas que movem o eixo presente. Mas, embora não se descarte o papel decisivo do passado em nossos destinos, também é certo que as limitações do passado e do presente não são barreiras que impeçam transformações, desde que saibamos agir com alguma ousadia e criatividade. A coragem é a primeira qualidade humana, pois garante todas as outras, segundo Aristóteles. Bernard Shaw considerava que o homem sensato se adapta ao mundo; o insensato persiste em tentar adaptar o mundo a si mesmo.

E concluiu: logo, todo o progresso depende do homem insensato…

O homem sincero não deve preocupar-se com elogios ou críticas, como observaria, na defesa dos apóstolos, a sapiência de Gamaliel, juiz do Sinédrio e mestre de Saulo de Tarso.

Não tenho todas as respostas, mas a intensidade de nossas convicções arreda preocupações, pois bem sei o que a sociedade espera do Judiciário, conheço os anseios e as angústias dos magistrados e tenho nítidos os contornos e a arquitetura do Judiciário que eu almejo.

Esperamos do juiz e do Judiciário a produção de um ideal de justiça, nascido “do seio do ser, do intransitório, do deus oculto, da ‘coisa em si'”.

Não é fácil sua função, principalmente como um dos pilares e guardião da democracia.

Como ensina o pensador colombiano José Bernardo Toro, “A Democracia é como o Amor: não se pode comprar, não se pode decretar, não se pode propor. A Democracia só se pode viver e construir. Por isso ninguém pode dar-nos a Democracia. A Democracia é uma decisão, que toma toda uma sociedade, de construir e viver uma ordem social onde os Direitos Humanos e a vida digna sejam possíveis para todos”.

Penso que a democracia dos gregos recebeu um sopro divino e um nova dimensão, por influência da religião judaico-cristã, diante do mandamento segundo o qual devemos amar o próximo como a nós mesmos. O amor é o diferencial. O desamor é a causa de todos os conflitos, incluindo as lides processuais.

E, ainda segundo Bernardo Toro, a maior das invenções do século XX não se deu no campo científico-tecnológico, mas no campo do direito. Essa invenção foi a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948. Por quê? Imaginemos daqui a cem, duzentos, trezentos anos. Nossos atuais computadores serão relíquias, instrumentos tão rudimentares como a comunicação por nuvens de fumaça ou o cálculo feito com a ajuda de um ábaco. Os Direitos Humanos, no entanto, ainda serão um tema atual, que terá guardado todo seu frescor e sua imediaticidade, pois os Direitos Humanos são o principal instrumento para a consecução de um projeto de humanidade cuja construção ainda está nos seus alicerces. Trata-se de um projeto de construção de uma vida digna para todos, isto é, como diz Hanna Arendt, é um projeto que assegura a todos os seres humanos o exercício pleno do direito de ter direitos e do dever de ter deveres no marco de uma ordem social fundada na democracia.

Os direitos humanos fundamentais implicam, como lembra Alexandre de Moraes, limites ao poder do Estado, e também deveres do Estado, tornando possível o processo democrático em um Estado de direito (“Direitos Humanos Fundamentais”, pág. 53).

O Estado está obrigado a garantir a igualdade e a liberdade, o direito ao trabalho, ao estudo, a proteção ao menor, à mulher, ao idoso. Pode-se exigir do Estado o cumprimento dos direitos civis e políticos, os direitos econômicos, sociais e culturais, e os de solidariedade. “Falar nos direitos dos homens é conquistar consciências para construir a liberdade e a igualdade, levar a sociedade para ver com a luz que há fora da caverna, longe das sombras, é construir um mundo sem dor, sem humilhação, sem miséria, sem repressão, em que seres humanos não tenham que se degradar para meramente sobreviver; um mundo em que se possa ser digno para poder construir a felicidade. Se o Direito é uma obra da consciência, caminhar na direção da luz é um ato de liberdade”, nas felizes palavras de Marcio Sotelo Felippe (“Direitos Humanos: Construção da Liberdade e da Igualdade”, pág. 17, publicação do Governo do Estado, 1998).

No comportamento da sociedade e das instituições, encontramos alguns mitos. Um deles e, para mim, um dos mais preocupantes, diz respeito ao princípio da igualdade, abrigado pelo artigo 5º, “caput”, da Constituição Federal: “Todos são iguais perante a lei…”. Sim, realmente, todos são iguais perante a lei… e perante Deus, na divina balança. Mas, aos olhos do homem, não há sequer igualdade de consideração. Basta ver a distinção que se faz, quando uma pessoa está bem trajada. É recebida por uma autoridade ou por um presidente ou diretor de uma grande empresa com água e café. O mais humilde, se for recebido, será em pé, e não raro o anfitrião olha seguidamente para o relógio, isto quando não caminha para a porta, induzindo o visitante a retirar-se.


O princípio da igualdade se estende ao processo civil e ao processo penal. Vigora, pois, o princípio da igualdade das partes, da paridade de armas. Mas, se as partes se desigualam, se uma delas for hipossuficiente economicamente, se o prato da balança pende para o mais forte, é grave compromisso ético do juiz colocar o peso de sua mão no prato do mais fraco e equilibrá-los. Pode fazê-lo? Claro que sim, facilitando o acesso à justiça e à ordem justa da parte mais fraca, isentando-a do pagamento das custas, determinando de ofício a produção de provas periciais sem outros ônus, interpretando a lei de acordo com seus fins sociais, fazendo prevalecer a Constituição Federal, que impõe a proteção das minorias e dos excluídos, o princípio da solidariedade, como quer o art. 3º, da Constituição Federal, o princípio da social democracia em que se funda o nosso Estado. Afinal, o Estado Democrático de Direito não deseja um processo civil em que o resultado seja previsível, antecipadamente sabido, um processo meramente formal, um “faz-de-conta” de julgamento equilibrado e isento.

Por tais razões é que o juiz, ao interpretar os termos de um contrato, deve levar em consideração a função social deste, sempre à luz dos princípios constitucionais. E, igualmente, por essas razões é que o juiz não pode ser só a boca da lei, a voz da lei, o escravo da lei, o ser como que inanimado, proibido de pensar e de interpretar a lei, como, no contexto histórico de então, Montesquieu preconizava, com as suas razões, ele, que era magistrado, recebendo de seu tio esse título.

Pelo contrário, se a lei se mostrar injusta e desarrazoada para o caso concreto, se de sua aplicação “hic et nunc” resultar uma injustiça, obviamente não desejada pelo legislador, que disporia de outra forma, se pudesse avaliar as circunstâncias e singularidades do caso, ao juiz cumpre dar interpretação conforme a Constituição e de acordo com os fins sociais da lei, aferindo a vontade do legislador, o que está longe de significar usurpação pelo juiz da função típica de legislar. Esta é a proposta de Manoel Gonçalves Ferreira Filho, destacando que a Constituição de 1988 importou do direito anglo-americano o princípio do devido processo legal em sua face substantiva, o due process of law substancial, enfatizando que nenhuma das Constituições anteriores trazia dispositivo semelhante ao do art. 5º, inciso LIV. E conclui: “Assim pode hoje o magistrado inquietar-se sobre a razoabilidade da lei, a proporcionalidade dos encargos que acarreta, etc., quando antes não lhe cabia senão ser a voz da lei”, acrescentando que “O exame mais aprofundado da Lei Magna, todavia, confirma, em outros pontos de relevo, que esta não entende o Judiciário como mero poder neutro, incumbido de aplicar contenciosamente a lei a casos particulares” (“Comentários à Constituição Brasileira de 1988”, pág. 67). Não é outra coisa que ensina Luigi Ferrajoli, ao dizer que o juiz fica sujeito à lei somente enquanto coerente com a Constituição e não à lei qualquer que seja seu significado.

Como anota Marcelo Baumam Burgos, a identidade do magistrado brasileiro, antes da Constituição de 1988, ficava “confortavelmente associada à figura do juiz funcionário, cujo tipo ideal é o burocrata, que desempenha atividades politicamente neutras, de rotina e claramente demarcadas por um direito codificado, que o mantém afastado da realidade social. Mas, com a chamada revolução processual e com o constitucionalismo democrático (Cappelletti & Garth, 1988), o juiz brasileiro é chamado a desempenhar novos papéis, mais afeitos à identidade do juiz-herói, “guardião dos direitos fundamentais e não simples operador da doutrina da certeza jurídica” (Vianna et al., 1997:37). Cf. Revista Fórum, da Associação dos Magistrados do Estado do Rio de Janeiro, n. 10, pág. 20 e 21.

O Judiciário, do ponto de vista político, é o poder de menor prestígio, porquanto os juízes não são eleitos. No entanto, assume vital importância, na defesa dos direitos fundamentais. Não pretendo enaltecer a figura do juiz, mas simplesmente mostrar a responsabilidade e gravidade de suas funções, a exigir dele conhecimentos interdisciplinares, noções de economia, finanças, filosofia, sociologia, psicologia e até de contabilidade, para que possa aferir o impacto de suas decisões no seio de uma empresa, nos cofres públicos, em uma família, no meio-ambiente.

Assusta-me o juiz apenas técnico, burocrata, coerente, escravo da lei, esquecido de que por trás das folhas dos autos de um processo estão dramas pungentes e de que a caneta corta na carne.

Desejo, ainda, um Judiciário cujas decisões se revistam de efetividade, prontamente cumpridas. Temos um avanço da tecnologia científica, mas faz-se necessária uma tecnologia social, diferente, indutora de inovação, um diálogo com os demais Poderes de Estado, certa “mineirice”, no melhor sentido, porquanto o poder público resiste ao cumprimento de suas obrigações, postergando-o para um longínquo futuro. Muitas vezes um chefe do Executivo, em nível municipal ou estadual, ao assumir o mandato, não dispõe de verba para pagamento de credores. Dispensa, ainda que sem culpa desse titular, mas o resultado é o mesmo, um tratamento humilhante e ignominioso a seu credor. Chega-se ao desespero. É preciso, pois, conscientizar os administradores de que não podem gastar mais do que arrecadam. Um novo modo de pensar, um novo sentido de cidadania, com o poder público apressando-se a cumprir suas obrigações, deve ser instaurado. Segundo Nietzsche, o Estado é o mais frio de todos os monstros. O próprio Judiciário não escapa dessa crítica, porquanto tantas vezes não nos sensibilizamos com a situação de uma parte, no processo civil, ou de um réu, no processo penal. Parecemos anestesiados, porque, afinal, a lei é a lei…


Outra sinonímia de humilhação e desespero se prende ao número de pessoas abaixo da linha da pobreza, elevadíssimo nesta Capital. Ah, minha São Paulo! Acusam-te de não ter personalidade, logo tu, que, com tua bondade, abrigaste a todos, ricos e pobres, as raças todas e todos os credos…E o que fizeram de ti? Pagaram com o mal o amor que depositaste no coração de cada um. Foi certamente por isso que o grande Paulo Bomfim lhe dedicou muitos versos, este entre eles:

“Planalto dos desencontros, porto dos aflitos, rosa de eventos onde até o futuro tem pressa de chegar.

Mal-amada cidade de São Paulo, EU TE AMO!”

E como singela homenagem por seus 452 anos comemorados há uma semana, os versos do poeta Mário de Andrade, escritos no poema “Lira Paulistana”, quando exprime a ilusão que São Paulo cria nas almas:

“Garoa do meu São Paulo,

Um negro vem vindo, é branco!

Só bem perto fica negro,

Passa e torna a ficar branco.

Meu São Paulo da garoa,

Londres das neblinas frias–

Um pobre vem vindo, é rico!

Só bem perto fica pobre,

Passa e torna a ficar rico”.

Pólo econômico, atrai milhões, atrai empresas, atrai turistas. Mais de onze milhões de habitantes na Capital! As cidades do interior estão no nível das de primeiro mundo. As estradas maravilhosas são convite para que as empresas se fixem no interior. E o Estado inteiro conta com quarenta milhões de habitantes! O número de processos em andamento em primeira instância não poderia mesmo ser menos do que quinze milhões! Em segundo grau, recebemos, a cada mês, quarenta e cinco mil novos recursos!

Fácil, de tal arte, compreender nossas dificuldades e as reivindicações de maior número de funcionários e juízes, estrutura da tecnologia da informação, índice percentual fixo na Constituição Estadual, para o orçamento do Judiciário, reformas de prédios de fóruns e construção de outros novos.

Precisamos livrar-nos de papéis, enormes livros de registro de sentenças, de cargas para advogados, juízes, oficiais de justiça, etc., livro de registro de feitos etc., porque, afinal, tudo estará no computador. O processo virtual não está longe de ser uma realidade, assim como a certificação digital, a permitir que o advogado envie de seu escritório para a Corte uma petição via e-mail e logo receba pela mesma via a resposta do Tribunal!

Os Poderes Executivo e Legislativo estaduais nos têm apoiado, principalmente nestes últimos anos. Preciso muito deles. E tenho a certeza de que nunca nos faltarão. Sua compreensão é fundamental, porquanto estaremos todos trabalhando para o bem comum e, pois, para a felicidade de nosso povo.

Do ponto de vista interno do Judiciário, lembro, reiterando anteriores manifestações, que sua arquitetura não mais pode ter a forma de pirâmide, mas, sim, de um arquipélago, na idéia do juiz da Suprema Corte espanhola, Perfecto Ibañez, para quem os juízes se distinguem apenas por sua função, a de primeiro e a de segundo grau, afastando a idéia de um Judiciário hierarquizado.

Observo que o Tribunal não pergunta aos juízes o que pensam, embora baixe portarias, resoluções e provimentos que produzirão impacto na vida dos magistrados. O juiz é depositário de amarguras, angústias e necessidades. Mas o Tribunal pressiona, os advogados e as partes pressionam, os servidores pressionam e a imprensa pressiona. Os próprios juízes pressionam os colegas, em decorrência do critério de merecimento para a promoção, o que contribui para acirrar a disputa e afastar o sentimento de solidariedade. Cf. “O Juiz sem a Toga”, de Herval Pina Ribeiro.Faltam servidores e condições de trabalho, mas o Tribunal quer números: de audiências, de despachos e de sentenças. Há certo ar de autoritarismo. Produtividade, sim, estou de acordo, mas com humanidade, como exigimos para todo e qualquer trabalhador, na linha dos Direitos Humanos.

Desejamos todos, ainda, um Judiciário transparente, aberto à mídia, servindo esta de elo entre esse poder e a sociedade. Não temos o que esconder. A sociedade precisa conhecer seus juízes, até para neles confiar. Por isso, quero o contato próximo com todos os segmentos da sociedade, com os outros Poderes de Estado e as instituições oficiais, com as forças econômicas, entre as quais a Fiesp, mas também com os representantes de empregados e servidores, representantes das minorias, com as escolas de periferia, encampando projeto desenvolvido na Apamagis, denominado “Cidadania e Justiça também se aprendem na escola”, de tal sorte que estaremos interagindo, Judiciário e o nosso povo.

A celeridade do processo passa por alterações dos estatutos processuais civil e penal. Nosso direito, vinculado ao Direito Romano, é aferrado a fórmulas e formalidades. Se o juiz não dispuser de instrumentos que garantam a celeridade do processo, feito para seres humanos de carne e osso, não adiantarão muito as modificações das estruturas do Judiciário. Nossos grandes códigos não dedicam uma linha sequer aos grandes problemas da sociedade, a moradia, emprego e saúde. O Código Civil de Bevilacqua, considerado um monumento jurídico, foi bom até meados do século XX, quando tínhamos um Brasil agrário, tornando-se obsoleto, com o avanço da tecnologia, após a segunda guerra mundial.


E se as causas do aumento de demandas são de natureza econômica, social e política, não bastará racionalizar o trabalho judicial, mas combater nessas frentes, o que não se insere na esfera de competência do Judiciário. Daí por que o meu temor: se um dos Poderes de Estado falha, os outros dois se ressentirão, tal como ocorre com o fenômeno dos vasos comunicantes.

Precisamos promover mudanças e substituir práticas ultrapassadas, adotando-se a política de participação dos magistrados de primeiro e de segundo graus na administração do Judiciário. O Presidente Tâmbara já iniciou corajosas reformas. E quantos conhecimentos estão acumulados entre os desembargadores e juízes! É evidente que darão preciosa contribuição para a nossa gestão e para os sucessores, lamentando-se que a administração do Tribunal se ressinta de continuidade. O Órgão Especial poderá, porém, assumir o compromisso de manter as políticas de administração, de sorte a que não sofram solução de continuidade, mesmo com as sucessivas presidências.

Outro ponto: é preciso prever o uso adequado e organizado do espaço dos fóruns e de seus equipamentos, parecendo desperdício mantê-los fechados no período noturno. Uma metrópole, como São Paulo, deve contar com uma “justiça 24 horas”, principalmente em temas penais, em que a pronta resposta penal é o melhor instrumento para inibir a prática de crime.

Uma palavra ao nosso funcionalismo: passei a freqüentar o fórum a partir de 1964, como solicitador-acadêmico. Quarenta e um anos passados, posso dar meu testemunho de como trabalham incansavelmente. Haveremos de resgatar a paz que sempre reinou na Família Forense paulista.

Cabe, ainda, falar da necessidade de se aperfeiçoar o Setor de Conciliação, em primeiro e segundo graus e proporcionar maior capacitação aos conciliadores/mediadores, para o êxito desse meio alternativo de solução de conflitos. Um corpo de pessoas especializadas, juristas, engenheiros, mecânicos etc. poderia emitir pareceres e auxiliar as partes, visando a uma solução amigável. Ou aceitamos a informalidade, ou sucumbiremos todos…

A Emenda nº 45/2004 determina a eleição de metade do Órgão Especial. E o anseio da maciça maioria do Tribunal está em que se proceda imediatamente às eleições. Cumpriremos a Constituição, pois a democracia respeita a vontade da maioria.

É este, em suma, o Judiciário que desejamos: célere, útil, eficaz, justo. Para tanto, o juiz precisa ser imparcial. E para ser imparcial, a sociedade lhe garante a independência, arredadas injunções internas ou externas.

É sonhar muito? Lembro-me de uma poesia de Mário Quintana, gaúcho cujo centenário de nascimento se comemora no corrente ano, e, declamando-a, presto homenagem aos magistrados presentes integrantes da magistratura de outros estados e de outras Justiças:

“Se as coisas são intangíveis…ora!

Não é motivo para não querê-las…

Que tristes os caminhos, se não fora

A distante presença das estrelas”.

Senhor Governador, Senhor Vice-Governador, Senhor Presidente da Assembléia, Senhor Prefeito, juízas e juízes de direito, advogadas e advogados, desembargadoras e desembargadores, membros do Ministério Público, funcionárias e funcionários, cidadãs e cidadãos do Brasil, senhoras e senhores: neste momento, assumo solenemente o compromisso de dar continuidade à luta pela independência do Poder Judiciário e cumprir um ideal de Justiça, pelo qual muito sangue foi derramado e muitos morreram, e declaro meu intransitivo amor ao povo paulista, ao povo brasileiro, à bandeira nacional e a este TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO!

Muito obrigado!

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