Falta de ousadia

Legislador andou de lado no campo trabalhista

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31 de dezembro de 2006, 6h00

Este texto sobre Direito do Trabalho faz parte da Retrospectiva 2006, uma série de artigos em que especialistas analisam os principais fatos e eventos nas diferentes áreas do direito e esferas da Justiça ocorridos no ano que termina.

No campo minado das relações de trabalho, o legislador ficou andando de lado durante o ano de 2006, não se reunindo consenso para que nada importante viesse a ser votado e promulgado. A produção legislativa no setor foi claramente pífia, limitando-se a leis que concederam anistia para os empregados dos Correios, direito de afastamento para empregado que vai a uma reunião da OIT e direito de sindicalização para os empregados em sindicatos. Tendo em vista que estes trabalhadores, em sua maioria, eram pautados pelas vantagens obtidas pela categoria profissional do sindicato empregador, a novidade pode mostrar-se até um “presente de grego”.

As verdadeiras tempestades ao longo do período trovejaram no território do Judiciário. Com efeito, nada mais enganoso do que aquela clássica ilusão a que nos leva o princípio da inércia da jurisdição. Os tribunais trabalhistas tomam iniciativas e, na prática, “legislam” com assiduidade.

No Tribunal Superior do Trabalho, por exemplo, encontramos 1.119 verbetes de jurisprudência sumulada, sob as mais diversas rubricas (súmulas, orientações jurisprudenciais, precedentes normativos, etc.), muitas das quais, inovando na Ordem Jurídica, como se o pretório dispusesse do poder de legislar.

A função desta produção de normas reside em estabelecer a certeza jurídica sobre temas controversos mas, como o Supremo Tribunal Federal é que exerce o papel de instância máxima da interpretação da norma constitucional, as definições firmada naquele planalto fazem implodir uma súmula trabalhista e aí, então, forma-se um redemoinho nas instâncias inferiores.

Em 2006, a reversão mais momentosa foi o cancelamento da tão polêmica OJ 177 depois que o STF definiu que a aposentadoria não é causa de extinção do contrato de trabalho. Como não se cuida de uma lei, os efeitos do novo entendimento operam concretamente de modo “retroativo”. A questão é constitucional e os interessados vão beneficiar-se do fato de que o TST firmou entendimento de que, em se cuidando de ofensa à Constituição Federal, não adianta ao réu alegar que mudança de jurisprudência não autoriza rescisão de sentença, como é a regra geral (súmula 83 do TST). Com certeza, por este motivo, os tribunais regionais vão ser assediados por uma vigorosa maré de ações rescisórias em torno do tema.

A substituição processual por parte dos sindicatos já havia sido proclamada em vários julgados de Turmas do STF, provocando a revogação do malsinado Enunciado 310. Mas neste ano, aquela Corte decidiu a matéria em sede de Tribunal Pleno, o que levou a que fossem julgados milhares de recursos sobre o tema que por lá estavam represados. O posicionamento levou a que o TST firmasse entendimento ainda mais flexível admitindo a substituição de forma ampla, sem a restrição quanto aos não associados e quanto ao assunto envolvido. Os advogados trabalhistas já haviam até se acostumado a utilizar (alternativamente) da ação civil pública quando o tema da ação fosse atípico, mas, doravante, a substituição processual deverá retornar aos palcos do Judiciário com bastante vigor.

No sentido contrário, a construção de novos entendimentos consolidados foi, também, bastante significativa. O primeiro destaque é que o TST definiu que não se pode bater às portas da Justiça antes de levar o litígio às comissões de conciliação prévia, o que deve levar à extinção de dezenas de milhares de processos sem o conhecimento do mérito. O maior prejuízo imediato, aliás, será do próprio Judiciário que vai ter de enfrentar a provável repetição de todas estas demandas, agravando o problema do excesso de feitos.

Os partidários das CCPs imaginam que este ricochete momentâneo será compensado no futuro, pela suposta redução de reclamatórias. No entanto, o panorama não é muito promissor porque as empresas, em geral, resistem à criação destes núcleos para não pagar o preço de conceder estabilidade a algum empregado. Nos núcleos intersindicais, em São Paulo, por exemplo, depois que se conseguiu acabar com a festa de trazer os trabalhadores em ônibus para vir “homologar a rescisão” nas CCPs, o interesse por este mecanismo decaiu bastante.

A maior insegurança jurídica destes últimos tempos foi gerada pelas polêmicas de interpretação de muitas normas vindas na Emenda Constitucional 45. Neste terreno, o marco radical foi que o TST (afinal) veio a definir-se em favor da constitucionalidade da exigência de mútuo acordo para instauração de dissídio coletivo. Depois de mais de meio século de solução judicial dos conflitos coletivos, a partir de 2007, os trabalhadores vão ter que resolver os impasses na negociação com o setor patronal somente com suas próprias forças. A negociação coletiva terá como regra básica o princípio de que ou o sindicato aceita o que o patrão exigir ou vai à greve. Não há meio termo (a não ser nos serviços essenciais, por iniciativa do MP).

Para certos dirigentes sindicais que todos os anos assinam a mesma convenção inócua que só gera o direito de arrecadar contribuições, não vai haver grande mudança. Nos setores em que o conflito está sempre latente, entretanto, vamos ver quem vai estar disposto a testar os músculos do outro.

Boa notícia é que se deu fim à polêmica quanto aos processos pendentes, cuja competência havia sido transferida para a Justiça do Trabalho. Ficou resolvido que, se já foram julgados em primeira instância na Justiça Comum, a competência desta permanece a nível recursal. Em São Paulo, contudo, os tribunais estaduais continuam a remeter sistematicamente estes recursos para a Justiça especializada, daí resultando centenas de conflitos negativos de jurisdição altamente danosos para os litigantes em termos de morosidade.

A calmaria legislativa nos mares trabalhistas contrasta fortemente com o furacão que andou rugindo no território do processo civil, com o maior destaque para o final do ano em que se aprovou novas regras que colocaram o rito de execução de pernas para o ar e que regulamentaram a súmula vinculante, o processo eletrônico e a tão falada repercussão geral. Esta última significa a adesão ao modelo da Corte Suprema norte-americana, pelo qual é o tribunal que escolhe os recursos que irá apreciar, tendo em vista a repercussão social do tema nele contido.

Tudo isto, com certeza, vai repercutir na área trabalhista e nos parece que os efeitos que devem chegar mais rápida e intensamente, referem-se ao processo eletrônico, principalmente, no uso da Internet.

Os pretórios trabalhistas vêm acumulando experiências que devem expandir-se fortemente nos tempos próximos. O peticionamento eletrônico não se generalizou, ainda, por causa da precariedade do sistema de senhas. A modalidade com o uso da certificação digital, contudo, já foi bastante testada no TST (@doc) e em alguns Tribunais Regionais e o seu emprego em larga escala já aponta no horizonte.

Está em fase de teste o sistema de “@rec” que servirá para perfazer o julgamento eletrônico dos recursos quanto às condições formais de admissibilidade formal. A verificação dos requisitos formais já virá checada pelos Regionais e, no TST, os recursos (principalmente, os agravos de instrumento) serão “julgados” pelo próprio software, sem distribuição a qualquer relator, com os respectivos despachos sendo assinados digitalmente, em massa, pelo presidente do Tribunal. Os advogados vão ter que se organizar para navegar neste novo mundo e a OAB vai ter que enfrentar um novo problema: o quadro de exclusão digital em que estão dezenas de milhares de seus inscritos. Como vai advogar o profissional que não conta com uma conexão de internet? A partir de janeiro de 2007, em São Paulo, por exemplo, não haverá mais intimação dos atos processuais, a não ser pela via eletrônica.

As grandes polêmicas quanto à aplicação subsidiária destas leis novas, com certeza, vão fixar-se na área da execução. Por exemplo, a desnecessidade de garantir o Juízo para opor os embargos à execução e a penalidade ao devedor que não indicar bens à penhora espontaneamente, constituem inovações radicais. Não devem produzir, contudo, nenhum ganho significativo em termos de celeridade porque continuaram intocados dois gargalos complexos: a demora excessiva nas liquidações mais complexas e a montanha de execuções frustradas pela insolvência ou desaparecimento do devedor.

O legislador continua a deixar sem regulamentação o Fundo de Garantia das Execuções Trabalhistas criado pela EC 45 e que poderia resolver este último problema. Aliás, a procrastinação nas execuções poderia diminuir bastante se o TST, singelamente, passasse a punir os devedores com extrema severidade, com as penas já previstas em lei, no caso da interposição de agravo de instrumento pelas Executadas contra denegação de recurso de revista em agravo de petição. Na ausência destas penas, muitos advogados patronais sentem-se obrigados a esgotar a via recursal com estes apelos procrastinatórios, como parte de sua responsabilidade em bem servir o cliente.

Na Justiça do Trabalho, em São Paulo, pela primeira vez em muitos anos, brilha uma tênue luz bruxuleante no fim do túnel. A lei de dezembro de 2004 que criava novos cargos teve seus efeitos (afinal) totalmente concretizados e a posse de 395 novos servidores no mês de dezembro pode trazer um incremento de celeridade. Ainda em São Paulo, vale destacar como ponto positivo, o sucesso do mecanismo de acesso a providências da Corregedoria através da Internet, como meio rápido e eficaz de desfazer muitos nós complicados. Como ponto negativo, é de se lamentar que a nova direção tenha abolido o mecanismo mensal de audiência aberta da presidência aos jurisdicionados.

No geral, em São Paulo, fechamos o ano com a Justiça do Trabalho apresentando os mesmos problemas de sempre. Todos se esforçam muito, mas o excesso de feitos entrelaçado com falta de funcionários e uma burocracia kafkiana constituem obstáculos difíceis de transpor. O resultado é a morosidade generalizada, encimada por algumas secretarias das Varas mais problemáticas que chegaram ao estado catatônico: petições que demoram mais de ano para que sejam juntadas, decisões que levam anos para que sejam proferidas. No entanto, os indícios que apontamos acima trazem a esperança de melhorias nos próximos tempos.

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