Negócios à parte

BNDES não pode antecipar cobrança de deputado eleito

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30 de dezembro de 2006, 6h00

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) não pode cobrar antecipadamente financiamentos de empresas somente pelo fato de um sócio, acionista, gerente ou diretor ter sido eleito deputado federal.

O entendimento é do juiz federal Jorge Luiz Ledur Brito, da 2ª Vara Federal de Cascavel (PR). O juiz garantiu a Jacob Alfredo Stoffels Kaefer o direito de manter os financiamentos obtidos no BNDES para expandir os negócios da empresa Diplomata Industrial e Comercial e Attivare Serviços e Mediações.

Kaefer foi eleito o terceiro deputado federal mais bem votado no Paraná. Ele era diretor presidente do frigorífico Diplomata, que tem quase 5 mil funcionários e abate aproximadamente 400 mil frangos por dia nas cidades de Cascavel e Capanema (PR) e Xaxim (SC). Quase toda a produção é destinada à exportação. A Diplomata é uma das sócias da Attivare, que também tem relações contratuais com o banco.

O deputado eleito fez vários financiamentos no BNDES. A maioria deles para a compra de material para a Diplomata. Pouco tempo antes da diplomação, um agente financeiro exigiu, para fechar uma operação com a Diplomata, declaração atestando que nenhum dos acionistas havia sido eleito deputado federal ou senador.

A exigência obedecia a Circular 196 do BNDES. O documento prevê que “ocorrerá o vencimento antecipado do instrumento contratual, com exigibilidade da dívida e imediata sustação de qualquer desembolso: no caso de arrendatária pessoa jurídica, na data da diplomação como deputado(a) federal ou senador(a), de pessoa que exerça função remunerada na arrendatária, ou esteja entre os seus proprietários, controladores ou diretores, pessoas incursas nas vedações previstas pela Constituição Federal, artigo 54, incisos I e II;”.

Como Kaefer não pôde atender ao requisito, deixou de fechar o negócio. O seu advogado, José Alberto Dietrich Filho, do escritório Dietrich Advogados Associados, entrou com Ação Cautelar Inominada. O argumento foi o de que o artigo 54 da Constituição Federal realmente proíbe deputados e senadores eleitos de firmar contrato com pessoa jurídica de direito público, mas abre exceção para os contratos que obedecem cláusulas uniformes.

“É de se observar que o requerente [deputado] não possui nenhum contrato, em seu próprio nome, com o requerido [BNDES] ou com agentes financeiros a ele vinculados. As tomadoras dos empréstimos são as empresas nas quais o requerente possui participação societária. E ainda que fosse o requerente mutuário direto em algum financiamento, não seria o caso de concluir que esse motivo fosse suficiente para considerar antecipadamente vencidas as obrigações contratuais”, alegou o advogado.

O argumento foi aceito pelo juiz. “É forçoso reconhecer que a mera circunstância do autor ser sócio, acionista, gerente, ou diretor de empresas, em face posterior diplomação para exercício de mandato eletivo de deputado federal, venha a causar, por si só, o vencimento antecipado de todos os financiamentos tomados anteriormente pelas pessoas jurídicas, em linhas de créditos oriundos do BNDES”, entendeu.

Para ele, ainda “inexiste previsão legal para tal conseqüência. Conforme exposto, a situação é diversa daquela prevista no artigo 54, I, ‘a’, da CF. Aliás, conclusão diversa fere o ‘com senso’”.

Leia a determinação:

MEDIDA CAUTELAR INOMINADA Nº 2006.70.05.004871-9/PR

REQUERENTE: JACOB ALFREDO STOFFELS KAEFER

REQUERIDO: BANCO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO ECONOMICO SOCIAL – BNDES

DECISÃO (liminar/antecipação da tutela)

Vistos.

1. Reconheço a natureza cautelar da tutela requerida, na medida em que o autor busca garantir a utilidade de direito a ser reconhecido em futura ação de conhecimento.

2. Outrossim, reconheço a legitimidade do Requerente para integrar o pólo ativo da presente ação, mas também deverá integrar a relação jurídica processual as pessoas jurídicas que mantêm financiamento com o Requerido, na condição de litisconsortes. A petição deverá ser emendada neste aspecto, no prazo legal.

3. No tocante à “aparência do bom direito”, é forçoso reconhecer que a mera circunstância do Autor ser sócio, acionista, gerente ou diretor de empresas, em face de posterior diplomação para exercício de mandato eletivo de deputado federal, venha a causar, por si só, o vencimento antecipado de todos os financiamentos tomados anteriormente pelas pessoas jurídicas, em linhas de crédito oriundos do BNDES.

Inexiste previsão legal para tal conseqüência. Conforme exposto na petição inicial, a situação é diversa daquela prevista no art. 54, I, “a”, da CF. Aliás, conclusão diversa fere o “bom senso”!

4. O “periculum in mora” é flagrante na medida em que o autor será diplomado no próximo dia 19 e, mantendo-se o entendimento de vencimento antecipado das dívidas de suas empresas, o prejuízo será irreparável, atingindo não apenas o Requerente, mas principalmente as centenas de funcionários que trabalham nas pessoas jurídicas das quais o Requerente é sócio.

5. Ante o exposto, defiro o pedido de medida liminar para garantir às pessoas jurídicas citadas na peça inicial (Diplomata S/A Industrial e Comercial e Attivare Serviços de Medições Ltda) a manutenção dos financiamentos descritos na fl. 03.

A comunicação da presente decisão aos bancos ou instituições, com quem mantêm financiamentos, é de responsabilidade do Requerente, que poderá fazer, desde já, mediante cópias autenticadas a serem fornecidas pela Secretaria ao Advogado.

6. Intime-se o Requerente, ressaltando a necessidade da formação do litisconsórcio.

7. Após, procedida a emenda e incluídas as pessoas jurídicas como litisconsortes, cite-se e intime-se a Requerida mediante carta precatória.

Cascavel, 15 de dezembro de 2006.

JORGE LUIZ LEDUR BRITO

Juiz Federal

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