Passou e não levou

Justiça manda MP garantir vaga de aprovada em concurso

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26 de dezembro de 2006, 11h26

A administração pública age no legítimo exercício do poder discricionário quando adota critérios para preenchimento de vagas em concursos públicos. Ainda que, eventualmente, deixe de prover cargos vagos, deve fazê-lo com a devida motivação e o atendimento ao princípio da impessoalidade, sob pena de se configurar desvio ou abuso de poder.

Com este entendimento, o juiz Hamilton de Sá Dantas, da 21ª Vara da Justiça Federal do Distrito Federal, concedeu liminar para determinar ao Ministério Público da União que garanta a vaga de Adriana Henriques, aprovada em concurso, mas não nomeada para tomar posse do cargo.

De acordo com Dantas, se a administração pública, injustificadamente, decide pela abertura de novo concurso quando ainda existem vagas dentro do número previsto no edital e dentro do prazo de validade, “o que era mera expectativa de direito se converte em inequívoco direito subjetivo do candidato aprovado no certame anterior”.

O concurso previa 826 novos cargos de analista do Ministério Público da União até o final do ano de 2006. Eram 78 vagas para o cargo pretendido pela concursada, de analista na área administrativa. Adriana ficou em 50º lugar no concurso.

Por não ter sido convocada a assumir cargo que alcançou no concurso, Adriana procurou a Justiça Federal do Distrito Federal alegando violação à Lei 10.771/03, que trata da criação de cargos de membro, cargos efetivos e transformação de funções comissionadas no Ministério Público da União.

Veja a decisão

MANDADO DE SEGURANÇA

DECISÃO Nº 274 A /2006

PROCESSO Nº 2006.34.00.035550-4

CLASSE 2100

IMPETRANTE: ADRIANA JÁCOMO HENRIQUES

ADVOGADA: Dra. Aline Rabelo Dutra

IMPETRADO: SECRETÁRIO-GERAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO

Vistos em decisão.

Cuida-se de Mandado de Segurança impetrado por ADRIANA JÁCOMO HENRIQUES contra ato do SECRETÁRIO-GERAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO, objetivando, em sede de medida liminar, assegurar seu direito à nomeação no cargo de Analista – Área Administrativa do referido órgão, ou, alternativamente, à reserva de vaga no mesmo cargo.

Afirma a autora que se inscreveu no concurso público para provimento de vagas no cargo de Analista – Área Administrativa do Ministério Público da União, disciplinado pelo Edital ESAF n.º 26, de 24 de março de 2004, tendo obtido, após a realização das provas respectivas, pontuação suficiente para a aprovação em 50º (qüinquagésimo) lugar. Narra, ainda, que, não obstante tal circunstância, a autoridade indigitada coatora deixou de proceder à nomeação, no prazo de validade do certame – que expirará no dia 12 de dezembro do corrente ano – dos candidatos aprovados dentro do número de vagas previsto no aludido instrumento convocatório, entre os quais se inclui.

Insurgindo-se contra tal procedimento, alega a impetrante que a omissão da autoridade indigitada coatora em convocar concorrente habilitado no processo seletivo no quantitativo inicialmente previsto constitui violação ao disposto na Lei n.º 10.771, de 21 de novembro de 2003, e no item 1.4 da norma editalícia em comento, que, respectivamente, previam o provimento de 826 (oitocentos e vinte e seis) cargos de Analista do Ministério Público da União até o final do ano de 2006 e a existência de 78 (setenta e oito) vagas para o cargo por ela pretendido. Colaciona, ao final, em favor de sua pretensão, precedentes jurisprudenciais dos colendos Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça.

Instruem a inicial os documentos de fls. 20/98.

No despacho de fl. 101, condicionei a apreciação do pedido de liminar à prévia apresentação de informações pela autoridade impetrada.

Às fls. 103/104, a impetrante, ressaltando a possibilidade de ocorrência de dano irreparável ou de difícil reparação em face da proximidade da expiração do prazo de validade do concurso público em discussão nos presentes autos, reitera o pedido de concessão do provimento liminar sem a oitiva da parte contrária.

É o relatório.

Passo a decidir.

A análise da questão ora submetida à apreciação do Estado-Juiz pressupõe a perquirição acerca da possibilidade de a Administração deixar escoar o prazo de validade de concurso público sem proceder à nomeação de todos os aprovados, dando início, em seguida, a um novo concurso.

A jurisprudência tradicionalmente consolidada no âmbito dos Tribunais pátrios firmou o entendimento no sentido de que a Administração Pública age no legítimo exercício do poder discricionário quando adota critérios para preenchimento de vagas em concursos públicos, ainda que, eventualmente, deixe de prover cargos vagos, desde que o faça com a devida motivação e o atendimento ao princípio da impessoalidade, sob pena de se configurar desvio ou abuso de poder. É precisamente desse posicionamento que deriva a máxima consoante a qual a aprovação em concurso público gera mera expectativa de direito.

É de se ressaltar, contudo, que a orientação pretoriana mais recente a respeito do tema sob análise nos presentes autos passou a manifestar a conclusão de que, se a Administração Pública, quando ainda existem vagas dentro do número previsto no edital disciplinador do certame, injustificadamente, dentro do respectivo prazo de validade, decide pela abertura de novo concurso para preenchimento das mesmas vagas, o que era mera expectativa de direito se converte em inequívoco direito subjetivo do candidato aprovado no certame anterior.

Com efeito, a moderna doutrina administrativista considera que, se o órgão promovente do processo seletivo estipula, na norma editalícia reguladora, a existência de um número específico de vagas a serem por ele providas – a exemplo do que ocorre na hipótese dos autos, em que o item 1.4.1 do Edital ESAF n.º 26, de 24 de março de 2004, veicula a existência de 78 vagas para o cargo pretendido pela impetrante –, tal disposição infralegal consubstancia promessa firme, precisa e concreta formulada pelo Estado, que não pode ser violada sem que disso decorra afronta ao princípio da boa-fé (nesse sentido: REOMS n.º 2001.37.00.007403-0/MA, Rel. Des. Federal JOÃO BATISTA MOREIRA).

Reputo oportuna, ainda, no mesmo sentido, a transcrição de decisão exarada pelo colendo Supremo Tribunal Federal, por maioria, no julgamento do Recurso Extraordinário n.º 192.568/PI, da relatoria do eminente Min. MARCO AURÉLIO, que apreciou situação fática similar à versada nesta ação mandamental nos termos seguintes:

CONCURSO PÚBLICO – EDITAL – PARÂMETROS – OBSERVAÇÃO. As cláusulas constantes do edital de concurso obrigam candidatos e Administração Pública. Na feliz dicção de Hely Lopes Meirelles, o edital é lei interna da concorrência.

CONCURSO PÚBLICO – VAGAS – NOMEAÇÃO. O princípio da razoabilidade é conducente a presumir-se, como objeto do concurso, preenchimento das vagas existentes. Exsurge configurador de desvio de poder, ato da Administração Pública que implique nomeação parcial de candidatos, indeferimento da prorrogação do prazo do concurso sem justificativa socialmente aceitável e publicação de novo edital com idêntica finalidade. “Como o inciso IV (do artigo 37 da Constituição Federal) tem o objetivo manifesto de resguardar precedências na seqüência dos concursos, segue-se que a Administração não poderá, sem burlar o dispositivo e sem incorrer em desvio de poder, deixar escoar deliberadamente o período de validade de concurso anterior para nomear os aprovados em certames subseqüentes. Fora isto possível e o inciso IV tornar-se-ia letra morta, constituindo-se na mais rúptil das garantias” (Celso Antônio Bandeira de Mello. Regime constitucional dos servidores da administração direta e indireta, p. 56)”.

Ressalto, entretanto, que o pleito liminar formulado pela impetrante não pode ser acolhido em sua integralidade, notadamente pela impossibilidade de se determinar a nomeação e posse de aprovado em concurso público a título precário, em decisão interlocutória concessiva de medida liminar em mandado de segurança. Esse, aliás, é o entendimento jurisprudencial consolidado no âmbito do egrégio Tribunal Regional Federal da 1ª Região, conforme se verifica do julgamento do Agravo de Instrumento n.º 2001.01.00.046356-4/DF, por mim relatado, que ora trago à colação:

Tenho que, na hipótese, não obstante os judiciosos fundamentos expendidos pelos agravantes, a decisão agravada se oferece incensurável, porquanto em harmonia com iterativa jurisprudência desta Casa, conforme anotado no despacho que deferiu parcialmente o efeito suspensivo, posta no sentido da impossibilidade de se determinar a nomeação, posse e exercício de candidato por meio de decisão provisória, como a antecipação da tutela. Além dos precedentes nela citados, trago à colação os seguintes:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONCURSO PÚBLICO. POLÍCIA RODOVIÁRIA FEDERAL. NOMEAÇÃO E POSSE SUB JUDICE. IMPOSSIBILIDADE.

1. A posse e conseqüente exercício de cargo público dependem do trânsito em julgado da decisão judicial de mérito que a determinou; cabendo, contudo, para preservar o eventual direito do candidato, a reserva de vaga, com a estrita observância da ordem de classificação.

2. Agravo de instrumento a que se dá parcial provimento (AG n.º 2004.01.00.007800-3/PA, Rel. Des. Federal MARIA ISABEL GALLOTTI RODRIGUES).

ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. POLÍCIA RODOVIÁRIA FEDERAL. CURSO DE FORMAÇÃO E NOMEAÇÃO.

Não possui direito líquido e certo à nomeação imediata para o cargo de Policial Rodoviário Federal, com preterição ao direito de melhores classificados que ainda discutem sua eliminação em posteriores etapas do concurso em outras ações judiciais, candidato classificado além do número de vagas previsto no edital de abertura do concurso, convocado para o curso de formação profissional, na condição sub judice.

Apelação a que se nega provimento (AMS n.º 2002.34.00.027638-8/DF, Rel. Des. Federal MARIA ISABEL GALLOTTI RODRIGUES).

Diante do exposto, presentes os pressupostos da plausibilidade do direito invocado e da urgência na prestação jurisdicional, DEFIRO o provimento LIMINAR para fins de determinar à autoridade indigitada coatora que proceda à reserva, em favor da impetrante, de vaga no cargo de Analista – Área Administrativa do Ministério Público da União, até a resolução do mérito da presente ação mandamental.

Notifique-se a autoridade coatora para imediato cumprimento e para que, querendo, preste as devidas informações, no prazo de 10 (dez) dias.

Intime-se a União Federal, por intermédio de sua Procuradoria Regional da Advocacia-Geral da União no Distrito Federal – AGU, para os fins do art. 3º da Lei n.º 4.348, de 26 de junho de 1964, com a redação conferida pelo art. 19 da Lei n.º 10.910, de 15 de julho de 2004.

Após, remetam-se os presentes autos ao Ministério Público Federal, em face do interesse público, para aqui se manifestar como fiscal da lei.

Ao final, retornem conclusos para sentença.

Intimem-se.

Brasília, 7 de dezembro de 2006.

HAMILTON DE SÁ DANTAS

JUIZ FEDERAL TITULAR DA 21ª VARA

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