Esperteza punida

Justiça condena contribuinte por litigância de má-fé

Autor

25 de dezembro de 2006, 6h00

O acesso ao Judiciário é um direito constitucional, mas que encontra limites nas práticas abusivas ao exercício de litigar. O Código de Processo Civil define o abuso: as pretensões ou defesas contra expressa previsão legal ou fato incontroverso; as que objetivam alterar a verdade dos fatos; o uso do processo para alcançar objetivo ilegal e todas que, de um modo ou outro, impedem ou dificultam a regularidade da marcha processual.

As tais práticas abusivas são identificadas como litigância de má-fé e, de acordo com o juiz Alexandre Vidigal, da 20ª Vara Federal do Distrito Federal, devem sofrer a imposição de multa quando caracterizadas.

Foi com esse entendimento que Vidigal condenou A.M.Holanda a pagar multa de 1% do valor atualizado da causa de R$ 73.436,66 que buscava na Justiça, por litigância de má-fé. Alegando cardiopatia grave, que traz ao doente isenção do Imposto de Renda, Holanda pretendia receber R$ 73.436,66, atualizado monetariamente até o seu efetivo pagamento.

De acordo com o processo, Holanda teve descontado indevidamente o referido imposto no valor de R$ 31.831. A União lhe devolveu R$ 15.600 restando, assim, a importância de R$ 16.251 a ser restituída que, atualizada pela Taxa Selic, resultaria no valor de R$ 73.436,66.

Holanda entrou então com ação na Justiça Federal do DF mas deixou de explicitar em sua inicial ou em qualquer outra fase processual, que o crédito remanescente decorreu de sua expressa renúncia em ação anterior no Juizado Especial Federal do DF ao concordar em receber apenas R$ 14.400. Ao contrário disso, ele registrou na ação que do montante devido ele só teria recebido R$ 15.600 e, ainda faltavam R$ 16.251.

De acordo com o juiz Alexandre Vidigal, “a iniciativa do autor resulta em flagrante configuração de litigância de má-fé, concretamente identificada nas hipóteses previstas pelos incisos I, II e III do artigo 17, do CPC”.

Leia a íntegra da decisão

PODER JUDICIÁRIO

JUSTIÇA FEDERAL

SEÇÃO JUDICIÁRIA DO DISTRITO FEDERAL

20ª VARA FEDERAL

AÇÃO ORDINÁRIA

REGISTRO DE SENTENÇA N.º /2006 – Livro Fls.

PROCESSO: 2005.34.00.018898-0/1100

JUIZ FEDERAL: ALEXANDRE VIDIGAL DE OLIVEIRA

AUTOR: A. M. HOLANDA

RÉ: UNIÃO FEDERAL

SENTENÇA

Vistos, etc.

A. M. HOLANDA, devidamente qualificado na inicial e representado por sua advogada, ajuizou a presente Ação Ordinária, objetivando o recebimento da quantia de R$ 73.436,66, atualizada monetariamente até o seu efetivo pagamento.

Salienta ser portador de cardiopatia grave, enfermidade esta que enseja a isenção do Imposto de Renda, a teor do disposto no artigo 6º, XXI, da Lei 7713/99. Ocorre, porém, que teve descontado indevidamente, na fonte, o referido Imposto no valor de R$ 31.831,55, tendo a União lhe devolvido apenas R$ 15.600,00, restando, assim, a importância de R$ 16.251,55 a ser restituída, a qual atualizada pela SELIC resulta naquele valor de R$ 73.436,66.

Instruiu a inicial com os documentos de fls. 8/16.

Emenda à inicial às fls. 19/20 e 24/27.

O pedido de antecipação de tutela fora indeferido à fl. 29.

A União Federal apresentou contestação às fls. 33/37, suscitando, preliminarmente, a coisa julgada, visto que o Autor ajuizara anteriormente a ação nº 2003.34.705026-8, na qual buscou a mesma pretensão ora deduzida, e a prescrição qüinqüenal. No mérito, salientou que, para que seja reconhecida a isenção do Imposto de Renda, o contribuinte deve comprovar ser portador da doença, mediante a apresentação de laudo pericial emitido por serviço médico oficial da União, Estados, Distrito Federal ou Município, requerendo a suspensão da retenção sobre seus rendimentos.

Réplica às fls. 43/45.

É O RELATÓRIO. DECIDO.

Inicialmente, quanto à prescrição, é suficiente à definição do momento de sua ocorrência o entendimento sufragado no âmbito do e. Superior Tribunal de Justiça, ao julgar os Embargos de Divergência no Recurso Especial 327.043/DF, da 1ª Seção, conforme retrata o seguinte acórdão:

“PROCESSUAL CIVIL. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. INOCORRÊNCIA. TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. TRIBUTO SUJEITO A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL. CONTRIBUIÇÃO INCIDENTE SOBRE A REMUNERAÇÃO PAGA AOS TRABALHADORES AUTÔNOMOS E ADMINISTRADORES.

“(…)

2. A Primeira Seção reconsolidou a jurisprudência desta Corte acerca da cognominada tese dos cinco mais cinco para a definição do termo a quo do prazo prescricional das ações de repetição/compensação de valores indevidamente recolhidos a título de tributo sujeito a lançamento por homologação, desde que ajuizadas até 09 de junho de 2005 (EREsp n.º 327.043/DF, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 27/04/2005).

3. Deveras, naquela ocasião restou assente que: “… a Lei Complementar 118, de 09 de fevereiro de 2005, aplica-se, tão somente, aos fatos geradores pretéritos ainda não submetidos ao crivo judicial, pelo que o novo regramento não é retroativo mercê de interpretativo. É que toda lei interpretativa, como toda lei, não pode retroagir. Outrossim, as lições de outrora coadunam-se com as novas conquistas constitucionais, notadamente a segurança jurídica da qual é corolário a vedação à denominada ‘surpresa fiscal’. Na lúcida percepção dos doutrinadores, ’em todas essas normas, a Constituição Federal dá uma nota de previsibilidade e de proteção de expectativas legitimamente constituídas e que, por isso mesmo, não podem ser frustradas pelo exercício da atividade estatal.’ (Humberto Ávila in Sistema Constitucional Tributário, 2004, pág. 295 a 300)”. (Voto-vista proferido por este relator nos autos dos EREsp n.º 327.043/DF)

4. Conseqüentemente, o prazo prescricional para a repetição ou compensação dos tributos sujeitos a lançamento por homologação, nas demandas ajuizadas até 09 de junho de 2005, começa a fluir decorridos 05 (cinco) anos, contados a partir da ocorrência do fato gerador, acrescidos de mais um qüinqüênio computado desde o termo final do prazo atribuído ao Fisco para verificar o quantum devido a título de tributo.”

(STJ, AgRg no REsp 778073/MG, 1ª Turma, Rel Min. Luiz Fux, j. 16/5/2006, DJU/I de 29/5/2006, p. 190).

Assim, tendo sido a presente ação ajuizada em 24/6/2005, encontra-se alcançada pelos efeitos da LC 118/05, restando, portanto, caracterizada a ocorrência da prescrição.

No que se refere à coisa julgada, efetivamente a mesma resta por configurar-se na hipótese dos autos, e nisso considerando-se que ao ingressar com ação 2003.34.705026-8, junto ao Juizado Especial Federal desta Seção Judiciária, o Autor expressamente renunciou à parte de seu crédito que extrapolava o limite de 60 salários mínimos, renúncia esta que viabilizou o ajuizamento da ação perante aquele Juízo especial, conforme vê-se a fls. 38/41, 52/3 e 56, destes autos, não havendo que se falar, portanto, na existência de crédito remanescente a seu favor.

A propósito, com a presente ação revela-se flagrante o intento do Autor em fracionar o crédito que lhe cabe, em total inobservância à regra constitucional de pagamento do Precatório, de que trata o artigo 100, § 4º, da CF/88, com redação dada pela Emenda Constitucional nº 37/2002, segundo o qual:

“São vedados a expedição de precatório complementar ou suplementar de valor pago, bem como o fracionamento, repartição ou quebra do valor da execução, a fim de que seu pagamento se faça, em parte, na forma estabelecida no §3º deste artigo e, em parte, mediante expedição de precatório”.

No caso dos autos, aliás, ao deixar o Autor de explicitar, em sua inicial ou em qualquer outra fase processual, que o crédito remanescente decorreu de sua expressa renúncia na ação anterior do JEF/DF, ao “concordar em receber (ser ressarcido) apenas em R$ 14.400,00 (quatorze mil e quatrocentos reais – que é o valor limite desse MM Juízo)” (fls. 39, destes autos), mas, ao contrário, registrando na presente ação que do montante devido “a Requerida só devolveu R$ 15.600,00 (em janeiro de 2005) restando, assim, a importância de R$ 16.251,55” (fls. 04), e, mais do que isso até, tendo destacado nestes autos, a fls. 54 que “destaque-se, finalmente, que não há em nenhuma petição ou requerimento do autor renúncia do seu crédito que na área do judiciário ou na área administrativa”, a iniciativa do Autor resulta em flagrante configuração de litigância de má-fé, concretamente identificada nas hipóteses previstas pelos incisos I, II e III do artigo 17, do CPC.

Pelo exposto, acolho a preliminar de prescrição e JULGO EXTINTO O PROCESSO, com julgamento de mérito, com fundamento no artigo 269, IV, do CPC.

Condeno o Autor em litigância de má-fé, no montante correspondente a 1% sobre o valor atualizado da causa, com amparo no artigo 18, do CPC.

O Autor deverá pagar de honorários de advogado que fixo em R$ 300,00 (trezentos reais), com fulcro no artigo 20, § 4º, do CPC.

Custas, pelo Autor.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Brasília, de dezembro de 2006.

ALEXANDRE VIDIGAL DE OLIVEIRA

Juiz Federal da 20ª Vara/DF

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!