Da República ao Império

Vamos esperar que em 2007 a sociedade volte a confiar no MP

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24 de dezembro de 2006, 6h00

É preciso a máxima cautela para não transformar instituições tipicamente republicanas em signos imperiais. O poder seduz e, debaixo da frondosa sombra do conforto, sopra o vento do arbítrio. Temos vários exemplos recentes de como o excesso de atribuições pode gerar distorções na democracia.

Primeiro, a tentativa de promover a investigação criminal de forma direta pelo Ministério Público, furtando da polícia a prerrogativa constitucional. Depois, a resistência por permanecer imiscuído no Poder Executivo, onde foram selados acordos entre o fiscal e o fiscalizado. Enfim, o aumento do teto salarial por encomenda, felizmente vetado. Em todos os casos, perdeu credibilidade a instituição dotada de maior responsabilidade republicana.

Agora, é o Supremo Tribunal Federal que enxerga o abuso ministerial na promoção de Ações Civis Públicas que, no mais das vezes, têm fundo claramente político. Não bastasse a insistência pela cobrança de tributos, pela via do processo penal, agora os promotores se lançam em aventuras contra outros agentes públicos, às vezes atendendo interesses pessoais. Vejamos a inteligência do Ministro Gilmar Mendes:

“Soma-se a tal aspecto a motivação muitas vezes política, em seu pior sentido, para o ajuizamento de tais ações. Sob o pretexto de impugnar atos administrativos praticados em razão de um dever funcional de Ministros de Estado, busca-se a radical condenação de tais autoridades por ato de improbidade, com a sanção extrema da perda de cargo público e de direitos políticos. Buscam alcançar, desse modo, o que não alcançariam com as ações civis ou com as ações penais, qual seja, a execração pública dos auxiliares do Presidente da República. Tais desvios de conduta, por certo, evidenciam a diferenciação de regimes de responsabilidade, bem como a existência de foro específico para a impugnação de atos praticados por aqueles agentes políticos”. (RCL 4.810-1/STF).

Ainda para ilustrar a atualidade das atitudes questionáveis de nossa mais notável instituição fiscalizadora, causou surpresa ler notícia veiculada por Marcos Antônio Moreira no site “ClickMT”: “ ‘Meu Rei’” vai refugar o brete e tal, mas não há outro caminho: a lei nº 8.575, sancionada no dia 31 de outubro, que destina 5% do valor das multas aplicadas pelo Detran ao Ministério Público Estadual — algo equivalente a 4,5 milhões de reais/ano, conforme revelamos aqui, ontem —– será revogada, por uma simples e boa razão: é incestuosa, para se dizer o mínimo”.

E, ainda, em comento ao veto, o sempre afiado jornalista faz da sua percepção o alerta para a sociedade mato-grossense: “a cavernosa ‘parceria caracu’ que transfere para o Ministério Público Estadual 5% das multas aplicadas pelo Detran. Entenda o caso: Os mais respeitáveis fornecedores de opinião estabelecidos na praça estão se guardando — vamos dizer assim — para elogiar a revogação da lei. Pra quem não ligou coisa com coisa, parceria caracu é aquela que os governantes entram com a cara e o povo com o resto”.

Finalmente, num rasgo de boa vontade, membros do Ministério Público têm advogado para colegas. Vejamos o entendimento sobre o caso da Ministra do STF Carmem Lúcia: “Não é possível admitir-se que os Procuradores de Justiça, membros da nobre carreira do Ministério Público, e terminante e taxativamente proibidos de advogar, exerçam, como pretendido no presente caso, desempenhar função que lhes é, expressa, literal e exemplarmente, vedada por norma constitucional. Procurador de Justiça ou Promotor, Advogado não é, e por isso mesmo não pode exercer a representação judicial”. (Ação Cautelar 1.450-MG)

Ou seja, após um ano turbulento de 2006, vamos esperar que a sociedade retome a confiança no órgão ministerial que é o fiel da democracia brasileira. É preciso sempre lembrar que vivemos sob a égide do sistema de divisão de poderes e atribuições, obedecendo ao império que é das leis e não dos homens. Por ora, ainda há República e advogados.

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