Recuo internacional

Ano foi marcado por violência aos direitos humanos

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22 de dezembro de 2006, 6h00

O ano de 2006, para os advogados, foi marcado por violências, transgressões aos direitos humanos, invasões de escritórios de advocacia, tentativas de ingerência do Poder Executivo no Poder Judiciário e formação de conglomerados multidisciplinares invadindo a privacidade do exercício do profissional do Direito. Houve também condenações à morte em julgamentos sem respeito ao “due process of law”, exposição humilhante de presos andando acorrentados pelos pés, manutenção de prisões políticas em territórios alienígenas, projetos de leis visando à permissão de torturas e a legitimação de gravações telefônicas.

Também marcaram o ano a morte do ditador Augusto Pinochet e a ascensão ao cargo de presidente do órgão máximo internacional dos advogados de um brasileiro. Ou seja, um “oriundi” do dito terceiro mundo ou de uma forma mais polida, como os francófonos dizem, “d’un pays en voie de dévélopement”.

No Iraque, país sem soberania, dominado por potência estrangeira, os advogados continuam com dificuldade de reconstituir o seu “Barreau Nacional”. Ou seja, sua Ordem dos Advogados. Todas as eleições classistas são colocadas em suspeita, além de terem sido assassinados três advogados de defesa de Saddam Hussein, que finalmente por sentença foi condenado à morte. Foi o típico caso da ingerência de um julgamento político, onde o Poder Executivo invade a privacidade e a autonomia do Poder Judiciário.

Aliás, vimos também matéria idêntica ocorrida na maior nação do nosso planeta que, também por questões políticas, mantém presos cinco cidadãos cubanos, absolvidos por seu Poder Judiciário. Nação que mantém noutros territórios prisões de estrangeiros que são exibidos com os pés acorrentados, andando dentro de corredores antes de adentrar nos cubículos que praticamente jazem vivos, num flagrante desrespeito aos direitos humanos. Nessa mesma linha de pensamento, assistimos atônitos à aprovação pelo Senado desta nação, que já nos exibiu experiência de padrão de excelência de democracia, de leis que autorizam a invasão da privacidade nas escutas telefônicas e na autorização de pequenas torturas, como se existisse um mecanismo avaliador de graus de torturas.

Felizmente, vemos no horizonte o aproximar de eleições com a grande probabilidade de alteração na governança da mentalidade republicana para a democrática, como já ocorreu recentemente, na renovação do Parlamento e do Senado. Não queremos aqui expressar um posicionamento político, o que não nos cabe, mas sim o sentimento de mudança, de esperança de que mudando de mãos possamos ver a nação até então exemplo de democracia retornar a exalar suas posições de respeito à Carta das Nações Unidas no que diz respeito à proteção aos direitos humanos.

Vimos no curso deste ano, não somente no Brasil, mas também no exterior, dando-se ênfase para Itália, Polônia, Espanha, França e Portugal, a moda de invasão dos escritórios de advocacia, na busca desmedida policial de obter provas, dentro do total e flagrante desrespeito à privacidade necessária entre o cliente e seu advogado. Os organismos policiais comandados pelo Poder Executivo, sem condições de uma boa técnica, prudente, humana e responsável, para a perquirição na fase de inquérito de uma eventual denúncia, para facilitar quem sabe uma possível antecipação e aceleração da busca de provas, invadem o sagrado espaço de trabalho do advogado. Espaço igualado ao sacerdócio, onde ouve o desabafo de seus constituintes, num total, absoluto e necessário sigilo para a preservação e proteção da classe dos advogados, em toda a sua história de vida profissional.

Recordo somente ter visto cenas desta natureza nos regimes ditatoriais militares brasileiro e argentino, na fase de Fujimori no Peru, de Pinochet no Chile, de Stroessner no Paraguai, e alguns outros. É muito mais fácil ferir e destruir a proteção constitucional e sagrada da privacidade entre o advogado e o cliente para obter elementos de prova contra um investigado. Isso, lamentavelmente, vimos espalhado por esse mundo afora no curso do ano que finda.

Os conglomerados de grandes empresas multidisciplinares continuam a atuar em alguns países que não possuem uma forte reserva de mercado para os profissionais do direito. As multinacionais de prestação de serviços chegam a influenciar politicamente a OMC para obter deste organismo internacional a permissão para descaracterizar a profissão de advogado como um prestador de serviço. O objetivo é mercantilizar a profissão para poder adquirir, como estão fazendo os grandes escritórios, e oferecer a custo mais baixo, os serviços de advogado às empresas que dão assessoria genérica, desde contabilidade, auditorias, engenharia financeira, arquitetura e, finamente, jurídica. Tentaram inclusive no Brasil, mas estão sendo barrados pela estrutura forte que mantém a OAB na preservação da autonomia do advogado em nosso país.

No encerrar das luzes assistimos o falecimento do ditator chileno Augusto Pinochet, um misto de torturador e corrupto que durante duas décadas dirigiu o Chile sem respeito ao mínimo da dignidade humana. Posteriormente, foi ainda comprovada a sua atuação paralela de político corrupto. Por injunções políticas e artimanhas processuais, deixou de ser julgado, mas o fora por toda a humanidade que o repudiou até o final de sua vida. Seu nome deixará marcas cruéis de vilão, golpista, torturador e corrupto.

Finalmente, este ano trouxe um grande desafio para os advogados do chamado Terceiro Mundo ou dos afetivamente conhecidos “pays en voie de dévélopement”, com a ascensão à presidência da União Internacional dos Advogados de um advogado brasileiro, que teve todo o apoio logístico e político da OAB, hoje considerada a mais forte instituição classista do mundo, diante de seus poderes expressos na Constituição Brasileira e de seu prestígio em todo o território nacional.

Hoje através da “Union Internationale des Avocats — UIA”, que se equivale à Ordem Mundial dos Advogados, o desafio está entregue para que se demonstre no exterior através de um advogado brasileiro, a potencialidade e a seriedade da OAB, hoje não mais uma instituição brasileira, mas também de prestígio comprovado extraterritorial.

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