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STF barra enxurrada de ações sobre revisão de pensão

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20 de dezembro de 2006, 23h10

O Supremo Tribunal Federal não receberá mais recursos sobre revisão de pensão por morte paga pelo INSS até que o Plenário decida definitivamente a questão. O ministro Gilmar Mendes determinou o sobrestamento de todos os recursos sobre o assunto.

A decisão liminar é uma maneira de racionalizar o andamento dos processos no Supremo. O tribunal já tem cerca de 10 mil recursos que discutem a revisão pensão por morte. Só em seu gabinete, o ministro Gilmar Mendes tem 1,4 mil processos.

O Supremo deve retomar o julgamento sobre o tema em fevereiro. O que deve ser definido é se a elevação do coeficiente do benefício para 100% do salário do beneficiado, estipulada pela Lei 9.032/95, atinge a todos, independentemente da data da morte.

A questão começou a ser debatida em setembro de 2005, mas devido a três pedidos de vista ainda não foi definida. Por enquanto, o placar é de 4 a 1 para os pensionistas. Até a definição, contudo, o STF não receberá mais recursos sobre o assunto.

A ferramenta que impede que recursos sobre assunto recorrente cheguem ao Supremo está prevista na Lei 10.259/01, que estabelece as regras aplicáveis ao Recurso Extraordinário contra decisão de Turmas Recursais dos Juizados Especiais, e no Regimento Interno do STF. Já foi usada uma vez pela corte, na questão da atualização monetária das contas do FGTS.

Agora, com a sanção da Lei 11.418/06, a chamada lei da Repercussão Geral, a ferramenta de sobrestamento de recursos poderá ser ampliada para outros recursos e não apenas aos de Turmas Recursais de Juizados.

Leia a decisão de Gilmar Mendes

MED. CAUT. EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO 519.394-2 PARAÍBA

RELATOR: MIN. GILMAR MENDES

RECORRENTE(S): INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL -INSS

ADVOGADO(A/S): FLODOALDO CARNEIRO DA SILVA

RECORRIDO(A/S): ADILES MOTA SILVEIRA

ADVOGADO(A/S): JEAN CÂMARA DE OLIVEIRA E OUTRO(A/S)

DECISÃO: Trata-se de recurso extraordinário, com pedido de liminar, protocolado pelo Instituto Nacional do Seguro Social, INSS, com fundamento na alínea “a”, do inciso III, do art. 102, da Constituição Federal, em face de decisão de Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais da Seção Judiciária da Paraíba, que negou provimento ao recurso do INSS, pelos próprios fundamentos da sentença recorrida.

O INSS foi condenado a majorar o benefício de pensão por morte para 100% do salário-de-benefício, a partir da vigência da Lei 9.032/95.

O recorrente invoca que a decisão recorrida contrariou os arts. 5o, XXXVI e 195, § 5o, da CF/88, bem como lhes teria dado interpretação contrária a que se acha pacificada por essa Corte.

Requereu conhecimento e provimento do recurso, para o fim de se reformar o acórdão recorrido, julgando-se improcedente o pedido de majoração do percentual de concessão de pensão previdenciária, bem como condenação nos ônus de sucumbência. Há pedido de medida liminar.

Transcrevo o pedido de liminar:

“A Lei 10.259/2001, em seu artigo 15, prevê que o recurso extraordinário seja ‘processado e julgado segundo o estabelecido nos §§ 4o a 9o do 14’, da Lei 10.259/2001. Por sua vez, o § 5o, do artigo 14, da referida Lei, assim dispõe;

Lei 10.259/2001.

Art. 14. § 5o. No caso do § 4o, presente a plausibilidade do direito invocado e havendo fundado receio de dano de difícil reparação, poderá o relator conceder, de ofício ou a requerimento do interessado, medida liminar determinando a suspensão dos processos nos quais a controvérsia esteja estabelecida.

(…)


Por outro lado, tem-se que há inúmeros processos referentes a esta mesma matéria em curso nos Juizados Especiais Federais em todo o país, o que obriga a Procuradoria do INSS a atuar em processos idênticos e, inclusive, recorrer das decisões que lhe sejam desfavoráveis até o julgamento desta questão por esta Suprema Corte, já sobrecarregada de processos a serem julgados. Ademais, é certo que o julgamento desta questão do Supremo Tribunal Federal tem o efeito de reprimir a proliferação de demandas repetidas, e ainda, de orientar a jurisprudência em todas as varas de Juizados, sendo útil e producente suspender-se as demandas já em curso para que estas aguardem uma decisão final do STF sobre a questão, o que por si só evitará mais danos às estruturas da Procuradoria do INSS e do Poder Judiciário da União e, especialmente, ao erário.

Destarte, requer o INSS a concessão de medida liminar prevista no § 5o, do artigo 14, c/c o artigo 15, ambos da Lei 10.259/2001, para que se suspendam todos os processos nos quais a mesma controvérsia jurídica dos presentes autos esteja estabelecida, acerca da majoração dos coeficientes de cálculo de pensão por morte pela aplicação da legislação posterior.”

A Lei nº 10.259, de 12 de julho de 2001, estabeleceu as seguintes regras aplicáveis ao recurso extraordinário interposto contra decisão das turmas recursais dos juizados especiais:

Art. 14. Caberá pedido de uniformização de interpretação de lei federal quando houver divergência entre decisões sobre questões de direito material proferidas por Turmas Recursais na interpretação da lei.

§ 1o O pedido fundado em divergência entre Turmas da mesma Região será julgado em reunião conjunta das Turmas em conflito, sob a presidência do Juiz Coordenador.

§ 2o O pedido fundado em divergência entre decisões de Turmas de diferentes Regiões ou da proferida em contrariedade a súmula ou jurisprudência dominante do STJ será julgado por Turma de Uniformização, integrada por Juízes de Turmas Recursais, sob a presidência do Coordenador da Justiça Federal.

§ 3o A reunião de juízes domiciliados em cidades diversas será feita pela via eletrônica.

§ 4o Quando a orientação acolhida pela Turma de Uniformização, em questões de direito material, contrariar súmula ou jurisprudência dominante no Superior Tribunal de Justiça – STJ, a parte interessada poderá provocar a manifestação deste, que dirimirá a divergência.

§ 5o No caso do § 4o, presente a plausibilidade do direito invocado e havendo fundado receio de dano de difícil reparação, poderá o relator conceder, de ofício ou a requerimento do interessado, medida liminar determinando a suspensão dos processos nos quais a controvérsia esteja estabelecida.

§ 6o Eventuais pedidos de uniformização idênticos, recebidos subseqüentemente em quaisquer Turmas Recursais, ficarão retidos nos autos, aguardando-se pronunciamento do Superior Tribunal de Justiça.

§ 7o Se necessário, o relator pedirá informações ao Presidente da Turma Recursal ou Coordenador da Turma de Uniformização e ouvirá o Ministério Público, no prazo de cinco dias. Eventuais interessados, ainda que não sejam partes no processo, poderão se manifestar, no prazo de trinta dias.

§ 8o Decorridos os prazos referidos no § 7o, o relator incluirá o pedido em pauta na Seção, com preferência sobre todos os demais feitos, ressalvados os processos com réus presos, os ‘habeas corpus’ e os mandados de segurança.

§ 9o Publicado o acórdão respectivo, os pedidos retidos referidos no § 6o serão apreciados pelas Turmas Recursais, que poderão exercer juízo de retratação ou declará-los prejudicados, se veicularem tese não acolhida pelo Superior Tribunal de Justiça.


§ 10 Os Tribunais Regionais, o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal, no âmbito de suas competências, expedirão normas regulamentando a composição dos órgãos e os procedimentos a serem adotados para o processamento e o julgamento do pedido de uniformização e do recurso extraordinário.

Art. 15. O recurso extraordinário, para os efeitos desta lei, será processado e julgado segundo o estabelecido nos §§ 4o a 9o do art. 14, além da observância das normas do Regimento.

Ao disciplinar as normas legais referidas, o artigo 321, § 5o, (acrescido pela Emenda Regimental no 12, de 12 dezembro de 2003) dispôs:

“ART. 321…………………………………

§ 5° Ao recurso extraordinário interposto no âmbito dos Juizados Especiais Federais, instituídos pela Lei n. 10.259, de 12 de julho de 2001, aplicam-se as seguintes regras:

I – verificada a plausibilidade do direito invocado e havendo fundado receio da ocorrência de dano de difícil reparação, em especial quando a decisão recorrida contrariar Súmula ou jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, poderá o Relator conceder, de ofício ou a requerimento do interessado, ad referendum do Plenário, medida liminar para determinar o sobrestamento, na origem, dos processos nos quais a controvérsia esteja estabelecida, até o pronunciamento desta Corte sobre a matéria;

II – o Relator, se entender necessário, solicitará informações ao Presidente da Turma Recursal ou ao Coordenador da Turma de Uniformização, que serão prestadas no prazo de 05 (cinco) dias;

III – eventuais interessados, ainda que não sejam partes no processo, poderão manifestar-se no prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação da decisão concessiva da medida cautelar prevista no inciso I deste § 5°;

IV – o Relator abrirá vista dos autos ao Ministério Público Federal que deverá pronunciar-se no prazo de 05 (cinco) dias;

V – recebido o parecer do Ministério Público Federal, o Relator lançará relatório, colocando-o à disposição dos demais Ministros, e incluirá o processo em pauta para julgamento, com preferência sobre todos os demais feitos, à exceção dos processos com réus presos, habeas-corpus e mandado de segurança;

VI – eventuais recursos extraordinários que versem idêntica controvérsia constitucional, recebidos subseqüentemente em quaisquer Turmas Recursais ou de Uniformização, ficarão sobrestados, aguardando-se o pronunciamento do Supremo Tribunal Federal;

VII – publicado o acórdão respectivo, em lugar especificamente destacado no Diário da Justiça da União, os recursos referidos no inciso anterior serão apreciados pelas Turmas Recursais ou de Uniformização, que poderão exercer o juízo de retratação ou declará-los prejudicados, se cuidarem de tese não acolhida pelo Supremo Tribunal Federal;

VIII – o acórdão que julgar o recurso extraordinário conterá, se for o caso, Súmula sobre a questão constitucional controvertida, e dele será enviada cópia ao Superior Tribunal de Justiça e aos Tribunais Regionais Federais, para comunicação a todos os Juizados Especiais Federais e às Turmas Recursais e de Uniformização.”

Esse novo modelo legal traduz, sem dúvida, um avanço na concepção vetusta que caracteriza o recurso extraordinário entre nós. Esse instrumento deixa de ter caráter marcadamente subjetivo ou de defesa de interesse das partes, para assumir, de forma decisiva, a função de defesa da ordem constitucional objetiva. Trata-se de orientação que os modernos sistemas de Corte Constitucional vêm conferindo ao recurso de amparo e ao recurso constitucional (Verfassungsbeschwerde). Nesse sentido, destaca-se a observação de Häberle segundo a qual “a função da Constituição na proteção dos direitos individuais (subjectivos) é apenas uma faceta do recurso de amparo”, dotado de uma “dupla função”, subjetiva e objetiva, “consistindo esta última em assegurar o Direito Constitucional objetivo” (Peter Häberle, O recurso de amparo no sistema germânico, Sub Judice 20/21, 2001, p. 33 (49). Essa orientação há muito mostra-se dominante também no direito americano.


Já no primeiro quartel do século passado, afirmava Triepel que os processos de controle de normas deveriam ser concebidos como processos objetivos. Assim, sustentava ele, no conhecido Referat sobre "a natureza e desenvolvimento da jurisdição constitucional", que, quanto mais políticas fossem as questões submetidas à jurisdição constitucional, tanto mais adequada pareceria a adoção de um processo judicial totalmente diferenciado dos processos ordinários. "Quanto menos se cogitar, nesse processo, de ação (…), de condenação, de cassação de atos estatais — dizia Triepel — mais facilmente poderão ser resolvidas, sob a forma judicial, as questões políticas, que são, igualmente, questões jurídicas". (Triepel, Heinrich, Wesen und Entwicklung der Staatsgerichtsbarkeit, VVDStRL, Vol. 5 (1929), p. 26). Triepel acrescentava, então, que “os americanos haviam desenvolvido o mais objetivo dos processos que se poderia imaginar (Die Amerikaner haben für Verfassungsstreitigkeiten das objektivste Verfahren eingeführt, das sich denken lässt) (Triepel, op. cit., p. 26).

Portanto, há muito resta evidente que a Corte Suprema americana não se ocupa da correção de eventuais erros das Cortes ordinárias. Em verdade, com o Judiciary Act de 1925 a Corte passou a exercer um pleno domínio sobre as matérias que deve ou não apreciar (Cf., a propósito, Griffin. Stephen M., The Age of Marbury, Theories of Judicial Review vs. Theories of Constitutional Interpretation, 1962-2002, Paper apresentado na reunião anual da ‘American Political Science Association’, 2002, p. 34). Ou, nas palavras do Chief Justice Vinson, “para permanecer efetiva, a Suprema Corte deve continuar a decidir apenas os casos que contenham questões cuja resolução haverá de ter importância imediata para além das situações particulares e das partes envolvidas” (“To remain effective, the Supreme Court must continue to decide only those cases which present questions whose resolutions will have immediate importance far beyond the particular facts and parties involved”) (Griffin, op. cit., p. 34).

De certa forma, é essa visão que a Lei no 10.259, de 2001, busca imprimir aos recursos extraordinários, ainda que, inicialmente, apenas para aqueles interpostos contra as decisões dos juizados especiais federais (A recém-aprovada Lei no 11.418, sancionada hoje, dia 19 de dezembro de 2006, acaba de estender referido modelo para os recursos extraordinários convencionais em causas idênticas ou para os processos repetidos).

Em decisão de 27.03.03, no julgamento da liminar no RE 376.852, de minha relatoria, o Tribunal recusou a aplicação do efeito suspensivo previsto na Lei n. 10.259, de 2001, ante a falta de disciplina da matéria no âmbito regimental. Concedeu-se, porém, efeito suspensivo convencional ao recurso extraordinário do INSS.

Na Medida Cautelar na ACr 272-RJ, relatada pela Ministra Ellen Gracie, o Tribunal aplicou, pela primeira vez, o instituto previsto na Lei. N. 10.259/2001. Registre-se o inteiro teor da ementa:

“1. Recurso extraordinário. Concessão de efeito suspensivo. Extensão do provimento cautelar, de modo a suspender, na origem, a tramitação dos demais processos em que discutida a mesma questão constitucional. Prerrogativa decorrente do art. 321, § 5o, I, do RISTF. Confirmação pelo Plenário. Afastamento dos acordos judiciais firmados com base na LC 110/2001. Matéria sumulada pelas Turmas Recursais Federais da Seção Judiciária do Rio de Janeiro. 2. Decisão cautelar referendada.”

No caso em apreço, há cerca de 10.000 processos nos quais se discute a mesma questão. Somente em meu gabinete há 1.400 feitos nos quais se discute o mesmo assunto.

Não há dúvida, assim de que a provocação desta Corte na espécie efetuou-se de forma cabal. Ou, se se quiser reconhecer, com alguma sinceridade, até de forma exorbitante ou exagerada.

Observe-se que, prevista para ser julgada em novembro, a matéria aqui discutida está em pauta para o início de fevereiro de 2007. Trata-se dos RE 415.454-SC e do RE 416.827-SC. O julgamento iniciou-se em 21.09.05. Votei no sentido de conhecer e dar provimento ao recurso extraordinário interposto pelo INSS. Na ocasião, Eros Grau pediu vista dos autos, devolvendo-os para julgamento em 12.12.05. A sessão foi retomada em 19.04.06, com o voto divergente do meu entendimento, seguindo-se o pedido de vista de Ricardo Lewandovski. Após a devolução dos autos para julgamento em 29.08.06, os recursos extraordinários voltaram a ser apreciados em 31.08.06, oportunidade em que fui acompanhado por Ricardo Lewandovski, Cármen Lúcia e Joaquim Barbosa. Carlos Britto pediu vista dos autos, devolvendo-os para julgamento em 01.12.06.

É inegável que a quantidade de recursos extraordinários nos quais se discute a pensão por morte está a exigir alguma medida de racionalização. Não se justifica a remessa de todos esses processos ao Supremo Tribunal Federal, uma vez que a este cabe a decisão do tema constitucionalmente relevante. Tal como ressaltado, não se pode exigir desta Corte, porém, a solução de cada controvérsia singularmente considerada.

Nesse sentido afigura-se de bom aviso, senão a suspensão dos feitos em tramitação, pelo menos o sobrestamento dos processos referidos nas instâncias recursais dos juizados especiais.

Aqui é de se invocar a aplicação do inciso VI, do § 5o, do art. 321 do RISTF.

Referido artigo, na sua nova versão, prevê que, deferido o pedido de suspensão, eventuais recursos extraordinários que versem idêntica controvérsia constitucional, recebidos subseqüentemente em quaisquer Turmas Recursais ou de Uniformização, ficarão sobrestados, aguardando-se o pronunciamento final do Supremo Tribunal Federal.

Além disso, recorde-se que o inciso VII do § 5o do art. 321 do RISTF, prevê que, após julgamento pelo Supremo Tribunal Federal, os recursos sobrestados serão apreciados pelas Turmas Recursais, que poderão exercer o juízo de retratação ou declará-los prejudicados.

Dessa forma, defiro parcialmente a liminar requerida pelo INSS, para determinar, ad referendum do Pleno, o sobrestamento, na origem, dos recursos extraordinários nos quais se discuta majoração de pensão por morte em face da aplicação da Lei 9.032/95, em relação a benefícios concedidos antes de sua edição.

Comunique-se, com urgência, aos Presidentes dos Tribunais Regionais Federais e aos respectivos Coordenadores das Turmas Recursais, bem como ao Presidente da Turma Nacional de Uniformização da Jurisprudência dos Juizados Especiais Federais, para que suspendam o envio ao Supremo Tribunal Federal dos recursos extraordinários nos quais se discute a matéria, até que esta Corte aprecie a questão.

Publique-se.

Brasília, 19 de dezembro de 2006.

Ministro GILMAR MENDES

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