Ministério pessoal

MP usa ação de improbidade com fins políticos, diz Gilmar Mendes

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21 de dezembro de 2006, 18h02

O ministro Gilmar Mendes, a partir da análise de recurso da prefeita de um município fluminense, demonstrou o que, para ele, seria o mau uso pelo Ministério Público da ação de improbidade administrativa. Para Mendes, promotores e procuradores usam a prerrogativa de propor este tipo de ação em defesa de interesses pessoais, corporativistas e políticos.

Não é a primeira vez que MP e o ministro Gilmar Mendes se estranham. No início deste ano, o ministro calculou que, de cada dez denúncias levadas ao Supremo, oito são consideradas ineptas. Em outubro, pesquisa feita nos MPs estaduais revelou que mais de 50% dos promotores estão descontentes com a atuação do STF.

Dessa vez, a reprimenda sobre o abuso da ação de improbidade foi feita numa reclamação em que o Ministério Público do Rio de Janeiro é parte, mas foi direcionada a todos os MPs. No caso específico, a prefeita de Magé (RJ), Núbia Cozzolino, pedia ao Supremo foro privilegiado nas ações em que responde por improbidade administrativa. Por questões processuais, o ministro negou o pedido da prefeita, mas despejou o verbo em cima da atuação do MP.

Depois de citar situações em que o MP teria usado a ação de improbidade administrativa para fins pessoais, corporativistas ou políticos, o ministro afirmou que o foro privilegiado é a maneira que as autoridades têm para se proteger contra perseguições políticas ou pessoais. “Além de evitar o que poderia ser definido como uma tática de guerrilha perante os vários juízes de primeiro grau, a prerrogativa de foro serve para que os chefes das principais instituições públicas sejam julgados perante um órgão colegiado dotado de maior independência e de inequívoca seriedade.”

Para o ministro, essa proteção se faz mais ainda necessária ao serem observadas as punições para o condenado por improbidade administrativa. A punição, tida como civil, pode muitas vezes ultrapassar a punição penal, explica Gilmar Mendes. “As sanções de suspensão de direitos políticos e de perda da função pública demonstram que as ações de improbidade possuem, além de forte conteúdo penal, a feição de autêntico mecanismo de responsabilização política.” Para o ministro, os atos de improbidade descritos na Lei de Improbidade Administrativa são “autênticos crimes de responsabilidade”.

Gilmar Mendes entende que o MP usa essa brecha aberta pela lei para derrubar determinada figura política ou, ainda, para conseguir benefício em proveito próprio, como teria feito a procuradora da República no Distrito Federal, Walquíria Quixadá. O ministro cita reportagem da Consultor Jurídico, que diz que a procuradora usou sua função no MP para mover “ação de cobrança de caráter particular”. Walquíria moveu ação de improbidade contra o presidente do Banco Central por causa de prejuízos causados para aqueles que possuem fundo de investimento.

“É algo peculiar. Um presidente do Banco Central passa a responder a quatro ações de improbidade pela simples razão de ter supostamente afetado, com alguma decisão administrativa de sua competência, a rica poupança da Dra. Walquíria e seus ilustres colegas”, ironiza.

O ministro exemplifica o mau uso da ação de improbidade com outros dois procuradores-regionais da 1ª Região, Guilherme Schelb e Luiz Francisco de Souza, a quem ele chama de “um dos maiores usuários da ação de improbidade”. Os dois foram acusados de usar a ação para defender interesses próprios. Souza foi acusado de permitir que adversários do grupo Opportunty escrevessem as suas ações. Schelb teria usado a estrutura do MP para combater a pirataria e conseguir patrocínio de empresas favorecidas para publicar um livro pessoal.

O caso do Ministério Público fluminense contra a prefeita de Magé é só mais um exemplo do uso inadequado da ação de improbidade administrativa, considera Gilmar Mendes. “Os autos revelam visível abuso por parte de membros do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro na utilização da ação de improbidade administrativa para praticamente inviabilizar a atuação administrativa da chefe do Poder Executivo do município de Magé.”

O MP do Rio de Janeiro e os procuradores Walquíria Quixadá, Guilherme Schelb e Luiz Francisco de Souza foram procurados pela Consultor Jurídico. Até o fechamento da reportagem, o MP fluminense ainda não tinha respondido. Já a assessoria de imprensa dos procuradores afirmou que eles estão de folga por causa do recesso de final de ano e, portanto, não foram encontrados para se manifestar.

Veja a decisão

RECLAMAÇÃO 4.810-1 RIO DE JANEIRO

RELATOR: MIN. GILMAR MENDES

RECLAMANTE(S): NÚBIA COZZOLINO

ADVOGADO(A/S): ANTONIO ROBERTO DAHER NASCIMENTO FILHO

RECLAMADO(A/S): PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO (AGRAVOS DE INSTRUMENTO NºS 2005.002.24526, 2006.002.09768 E 2006.002.09737)


RECLAMADO(A/S): JUIZ DE DIREITO DA 1ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE MAGÉ (AÇÕES DE IMPROBIDADE NºS 2005.029.00315-8, 2005.029.003317-1, 2005.029.003759-0, 2005.029.003758-9, 2006.029.002856-6 E 2006.029.003464-5)

RECLAMADO(A/S): SEGUNDA PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE TUTELA COLETIVA – NÚCLEO DUQUE DE CAXIAS

INTERESSADO(A/S): MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

INTERESSADO(A/S): EDITORA O DIA S/A

INTERESSADO(A/S): CHARES COZZOLINO

INTERESSADO(A/S): MUNICÍPIO DE MAGÉ

DECISÃO: Trata-se de reclamação, com pedido de medida liminar, proposta por NÚBIA COZZOLINO, Prefeita do Município de Magé-RJ, em face de decisões proferidas nos Agravos de Instrumento n°s 2005.002.24526, 2006.002.09768 e 2006.002.09737, do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro; assim como das decisões proferidas nas Ações Civis Públicas por Improbidade Administrativa n°s 2005.029.00315-8, 2005.029.003317-1, 2005.029.003759-0, 2005.029.003758-9, 2006.029.002856-6 e 2006.029.003464-5, do Juízo da 1ª Vara Cível da Comarca de Magé-RJ.

A reclamante afirma que, por exercer o cargo de Prefeita do Município de Magé-RJ, tem direito a foro por prerrogativa de função perante o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, conforme dispõem o art. 29, inciso X, da Constituição Federal e o art. 161, inciso IV, 3, da Constituição Estadual. Sustenta que os agentes políticos, por estarem subordinados a regras especiais de Rcl 4.810 / RJ responsabilidade, não se submetem ao modelo de competência previsto na Lei de Improbidade Administrativa (Lei n° 8.429/92). Portanto, as ações por improbidade administrativa propostas contra a reclamante não poderiam estar tramitando perante o juízo de primeira instância (Juízo da 1ª Vara Cível da Comarca de Magé-RJ), mas no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.

A reclamação é proposta com o objetivo de assegurar a autoridade da decisão liminar proferida por esta Corte na ADI n° 558/RJ, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, assim como das decisões que serão proferidas nos futuros julgamentos da de minha relatoria, e da RCL n° 2.138/DF, Rel. Min. Nelson Jobim.

Requer seja deferida a medida liminar para suspender a tramitação das ações de improbidade administrativa em curso no Juízo da 1ª Vara Cível da Comarca de Magé-RJ.

Decido.

Em primeiro lugar, verifico que, ao contrário do que afirma a reclamante, a norma da Constituição do Estado do Rio de Janeiro que atribui competência ao Tribunal de Justiça do Estado para processar e julgar, originariamente, os crimes comuns e de responsabilidade cometidos por Prefeitos (art. 161, IV, 3) não é objeto da ADI 558-8/RJ, Rel. Min. Cármen Lúcia. Nessa ação direta, de autoria do Procurador-Geral da República, está sendo impugnada apenas a expressão “os Vice-Prefeitos e Vereadores”, na redação do antigo art. 158, inciso IV, alínea “d”, item 2, da Constituição Estadual. Ressalte-se, não obstante, que tal dispositivo sequer foi objeto da decisão liminar proferida pelo Tribunal, conforme consta do acórdão publicado no DJ de 26.03.1993, verbis:

“Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em sessão plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos, em indeferir a medida cautelar de suspensão parcial do art. 159, e, por unanimidade de votos, indeferir a medida cautelar de suspensão das expressões “e Procuradores-Gerais” do art. 100; deferir, em parte, a medida cautelar, para reduzir a aplicação do art. 176, § 2°, inciso V, alínea ‘e’, no tocante à defesa de ‘interesses coletivos’, da alínea ‘f’, às hipóteses nelas previstas em que, ademais, concorra o requisito da necessidade do interessado, e suspendê-la, nos demais casos; deferir a medida cautelar, para suspender a eficácia do art. 346, e do parágrafo único do art. 352.”

Assim, é incabível a presente reclamação para alegar afronta à autoridade da decisão desta Corte na ADI 558-8, Rel. Min. Cármen Lúcia.

Ademais, também as Reclamações n°s 2.186/SP, de minha relatoria, e 2.138/DF, Rel. Min. Nelson Jobim, não podem ser tidas como parâmetro desta reclamação, por dois motivos básicos. Primeiro, porque os julgamentos de ambas as ações ainda não foram concluídos, encontrando-se os autos (da Rcl 2.138) com vista ao Ministro Joaquim Barbosa, e, portanto, mesmo que, no presente momento, haja maioria de votos conhecidos pela procedência da ação, não há decisão final proferida pelo Plenário da Corte. Segundo, porque a jurisprudência deste Tribunal é no sentido de que não cabe reclamação para alegar o descumprimento de decisão proferida em outra reclamação (Rcl-AgR n° 2.693/RS, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 1.4.2005).

No mesmo sentido, arrolo as seguintes decisões: Rcl n° 4.545/RJ, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 6.12.2006; Rcl nº 4.767/CE, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJ 22.11.2006; Rcl n° 4.730/RJ, Rel. Min. Carlos Britto, DJ 31.10.2006; Rcl nº 4.119/BA, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ 13.3.2006; Rcl n° 3.953/SP, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 1.2.2006.


Apesar da impossibilidade de conhecimento desta reclamação, não posso deixar de registrar posicionamento pessoal sobre o tema, tendo em vista que os autos revelam visível abuso por parte de membros do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro na utilização da ação de improbidade administrativa para praticamente inviabilizar a atuação administrativa da Chefe do Poder Executivo do Município de Magé-RJ.

Em verdade, há muito já me manifestei sobre o tema, em estudo elaborado em co-autoria com o Professor Arnoldo Wald e publicado em março de 1997 (“Competência para Julgar Improbidade Administrativa”, JORNAL CORREIO BRASILIENSE — 31/03/97 — PÁGINA 6/7).

Referido estudo voltava-se exatamente à questão relativa à competência para julgamento das ações de improbidade. Naquela ocasião, a par de externar algumas perplexidades, foram firmados alguns posicionamentos sobre o tema.

De plano, apontou-se a incompetência dos juízos de primeira instância para processar e julgar causas de improbidade administrativa em que sejam réus agentes públicos que detêm prerrogativa de foro, tendo em vista sobretudo a natureza das sanções aplicáveis. Nesse ponto, asseverou-se que admitir a competência funcional dos juízes de primeira instância implicaria subverter todo o sistema jurídico nacional de repartição de competências.

Isto porque a Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992, haveria de ser interpretada em conformidade com as regras constitucionais de competência hierárquica. De outro modo, também a ação de improbidade ajuizada contra o Presidente da República, que não encontra expressa previsão no texto do art. 102 da Constituição, poderia ser aforada perante o juiz de primeiro grau de jurisdição que, por sua vez, seria competente para impor-lhe a sanção de perda do cargo, o que configuraria um patente absurdo.

Dessa forma, naquele estudo de 1997, firmou-se posicionamento no sentido de que as normas da Lei n° 8.429/92 “não seriam aplicáveis às autoridades submetidas a procedimento constitucional especial, nas hipóteses de ser-lhes imputada a prática de crime de responsabilidade”.

Registrou-se, ainda, que tal prerrogativa constitucional de foro decorreria não de qualquer suspeição contra o juiz de primeiro grau, mas, fundamentalmente, em decorrência do significado da decisão no quadro político institucional.

Afirmou-se, ademais, que a simples possibilidade de suspensão de direitos políticos, ou a perda da função pública, isoladamente consideradas, seria suficiente para demonstrar o forte conteúdo penal, com incontestáveis aspectos políticos, da ação de improbidade. Nesse ponto, seguindo a doutrina, observou-se que a sentença condenatória proferida nessa peculiar ‘ação civil’ é dotada de efeitos que, em alguns aspectos, superam aqueles atribuídos à sentença penal condenatória, sobretudo na perspectiva do equilíbrio jurídico-institucional.

Tal observação, registrou-se, daria razão àqueles que entendem, que, sob a roupagem da ‘ação civil de improbidade’, o legislador acabou por estabelecer, na Lei n° 8.429, de 1992, uma série de delitos que, ‘teoricamente, seriam crimes de responsabilidade e não crimes comuns’. (Ives Gandra da Silva Martins, “Aspectos procedimentais do Instituto Jurídico do ‘Impeachment’ e Conformação da figura da Improbidade Administrativa”, in Revista dos Tribunais, v.81, n.685, 1992, p. 286/87).

Lembrou-se, também, que muitos dos ilícitos descritos na Lei de Improbidade configuram igualmente ilícitos penais, que podem dar ensejo à perda do cargo ou da função pública, como efeito da condenação, como fica evidenciado pelo simples confronto entre o elenco de ‘atos de improbidade’, constante do art. 9° da Lei nº 8.429, de 1992, com os delitos contra a Administração praticados por funcionário público (Código Penal, art. 312 e seguintes, especialmente os crimes de peculato, art. 312, concussão, art. 316, corrupção passiva, art. 317, prevaricação, art. 319, e advocacia administrativa, art. 321).

Tal coincidência, afirmou-se, evidenciaria a possibilidade de incongruências entre as decisões na esfera criminal e na ‘ação civil’, com sérias conseqüências para todo o sistema jurídico.

Decorridos quase dez anos da publicação de referido estudo, podemos verificar hoje que as reflexões ali colocadas jamais poderiam ser consideradas meras especulações abstratas. Multiplicam-se as ações de improbidade ajuizadas em primeira instância com o propósito de afastar de suas funções autoridades que gozam de prerrogativa constitucional de foro.

Hoje, tenho a firme convicção de que os atos de improbidade descritos na Lei nº 8.429, de 1992, constituem autênticos crimes de responsabilidade.

As sanções de suspensão de direitos políticos e de perda da função pública demonstram, de modo inequívoco, que as ações de improbidade possuem, além de forte conteúdo penal, a feição de autêntico mecanismo de responsabilização política.


No caso em exame, verifica-se que os pedidos formulados pelo Ministério Público alcançam não só o ressarcimento ao erário, mas também a suspensão dos direitos políticos, com a conseqüente proibição de exercer qualquer função pública.

Segundo o relato do próprio Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, presente na peça inicial da ação cautelar de afastamento de cargo público eletivo proposta contra a Prefeita de Magé-RJ (fls. 263-265), as ações civis públicas por improbidade administrativa, em curso no Juízo da 1ª Vara Cível da Comarca de Magé-RJ, são as seguintes:

I- 2005.029.003105-8: pedido condenatório de aplicação de sanções pela prática do ato de improbidade administrativa, previsto no art. 11, caput da Lei nº 8.429/92, em face da Srª Núbia Cozzolino, em razão do descumprimento de ordem judicial concedida nos autos de mandado de segurança n° 2005.029.000470-5, impetrado por fiscais de tributos municipais, onde se ordena o pagamento de parcelas remuneratórias indevida e unilateralmente suprimidas;

II- 2005.029.003317-1: pedido condenatório de aplicação de sanções pela prática do ato de improbidade administrativa previsto no art. 11, caput da Lei nº 8.429/92, em face a Srª Núbia Cozzolino, em razão da realização de publicidade institucional em veículos de comunicação diversos com violação ao princípio da impessoalidade, caracterizador da propaganda pessoal da Prefeita Municipal;

III- 2005.029.003758-9: pedido condenatório de aplicação de sanções pela prática do ato de improbidade administrativa previsto no art. 11, caput da Lei n° 8.429/92, em face da Srª Núbia Cozzolino, em razão do descumprimento de ordem definitiva do E. Tribunal de Contas da União (acórdão nº 238/2000), ao permitir que o Sr. Charles Cozzolino usurpasse função pública municipal, a despeito da inabilitação para o exercício de cargo em comissão ou função de confiança na administração pública;

IV- 2005.029.003759-0: pedido condenatório de aplicação de sanções pela prática do ato de improbidade administrativa previsto no art. 11, caput da Lei nº 8.429/92, em face da Srª Núbia Cozzolino, em razão da negativa de publicidade aos atos oficiais do Poder Executivo Municipal ante a ausência de regular distribuição do periódico oficial municipal – Boletim Informativo Oficial;

V- 2006.029.002856-6: pedido condenatório de aplicação de sanções pela prática do ato de improbidade administrativa previsto no art. 9º, IV e 10, I, IX, XIII, 11, caput, V, todos da Lei n° 8.429/92, em face da Srª Núbia Cozzolino, em razão de irregularidades na contratação de pessoal na área de saúde e desvio de finalidade na aplicação de verbas do Programa Saúde da Família;

VI- 2006.029.003464-5: pedido condenatório de aplicação de sanções pela prática do ato de improbidade administrativa previsto no art. 11, caput, II da Lei n° 8.429/92, em face da Srª Núbia Cozzolino, em razão da contratação de empresa jornalística “O Dia” para a veiculação, às expensas do erário municipal, de publicidade institucional em violação ao princípio da impessoalidade, a caracterizar propaganda pessoal da Prefeita Municipal;

VII- 2005.029.004028-0: proposta pela Associação dos Procuradores Municipais de Magé, com pedido condenatório de recomposição dos quadros da Procuradoria-Geral, cominada com pedido de antecipação de tutela de mérito.

Não é difícil perceber a gravidade das sanções e a sua implicação na esfera de liberdade do agente político.

No âmbito da ação de improbidade, cabe repetir, verifica-se que os efeitos da condenação podem superar aqueles atribuídos à sentença penal condenatória, podendo conter, também, efeitos mais gravosos para o equilíbrio jurídico-institucional do que eventual sentença condenatória de caráter penal.

Ressalte-se que é evidente que, se trata de mover ação de conteúdo meramente reparatório, não precisa o Ministério Público valer-se da ação de improbidade. O Parquet pode, nesses casos, utilizar-se da ação civil pública.

Por fim, quero registrar que não impressionam eventuais objeções baseadas nos números espetaculares de ações de improbidade ajuizadas em primeira instância. A proliferação de tais ações possui razões óbvias. Em primeiro lugar, decorre dos tipos extremamente abertos e vagos da Lei nº 8.429, o que tem permitido a impugnação de todo e qualquer ato administrativo.

Soma-se a tal aspecto a motivação muitas vezes política, em seu pior sentido, para o ajuizamento de tais ações. Veja-se, por exemplo, a ação de improbidade ajuizada contra os Ministros Martus Tavares e Pratini de Moraes (Proc. 2000.34.00.005339-0 – 9ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal). Buscava-se, ali, impugnar a contratação temporária de profissionais especializados em defesa agropecuária, tendo em vista necessidade temporária de excepcional interesse público. Postulou, expressamente, o Ministério Público, entre outras sanções, a suspensão dos direitos políticos daqueles Ministros. Assim, em ação voltada à discussão quanto ao mérito administrativo de uma decisão respaldada diretamente em Lei, pretende o Ministério Público impor a perda de direitos políticos por suposta prática de conduta descrita no art. 11, incisos I, II, IV e V da Lei nº 8.429, de 1992. Nesse exemplo, vê-se a autêntica burla à Constituição perpetrada pelo Ministério Público junto à primeira instância do Poder Judiciário. Sob o pretexto de impugnar atos administrativos praticados em razão de um dever funcional de Ministros de Estado, busca-se a radical condenação de tais autoridades por ato de improbidade, com a sanção extrema da perda de cargo público e de direitos políticos. Buscam alcançar, desse modo, o que não alcançariam com as ações civis ou com as ações penais, qual seja, a execração pública dos auxiliares do Presidente da República. Tais desvios de conduta, por certo, evidenciam a diferenciação de regimes de responsabilidade, bem como a existência de foro específico para a impugnação de atos praticados por aqueles agentes políticos.


Infelizmente, como já assinalei em voto na ADI n° 2.797, a história da ação de improbidade — nós o sabemos bem — constitui também uma história de improbidades!

Alguns exemplos podem bem demonstrar essa assertiva.

O primeiro deles deixei registrado em voto proferido nas ADI’s n° 3.089 e 3.090, um conhecido episódio em que o Ministério Público Federal ajuizou ações contra o Presidente do BACEN, tendo em vista perdas que certos Procuradores teriam sofrido em aplicações em fundos de investimento.

Tais abusos, que, como visto, chegaram a uma utilização espúria da própria instituição do Ministério Público, por certo não são admissíveis.

É o que aparentemente se viu nas ações movidas pela Procuradora Walquíria Quixadá contra o Presidente do Banco Central e instituições a propósito dos reajustes dos fundos de investimento. Segundo notícias da imprensa, a aludida Procuradora teria usado os procedimentos investigatórios e as próprias ações de improbidade como ação de cobrança de caráter particular. É elucidativa leitura de e-mail que a nobre Procuradora, que ostentava também a destacada posição de Vice-Presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, passou a seus colegas, conforme publicado no Consultor Jurídico de 4 de novembro de 2002:

“Comunicando-lhes a instauração da ICP para apuração de responsabilidade dos gerentes de fundos de investimentos pelos prejuízos causados aos investidores de fundos de investimento DI, convido os Colegas Procuradores para realizarmos reunião amanhã. Às 16 hs, em meu gabinete, sala 601 (fone 317-4677 e 4676), eventualmente lesado nessas aplicações, pelo Banespa e Brasil, para formarmos um grupo definindo estratégias para recuperação desse prejuízo indevido sem a necessidade de ajuizamento de ação. Já estão confirmados para a reunião os Colegas Aurélio, Maria Soares e Andréa Lyrio”

Segundo a mesma publicação “em resposta ao chamamento, os procuradores Rodrigo Janot Monteiro de Barros e Aldenor Moreira de Sousa responderam prontamente. Barros disse que viajaria, mas manifestou ‘todo interesse no assunto’ e era voluntário para qualquer trabalho sobre a questão. ‘Também perdi uma graninha nesta estória’, explicou-se. Aldenor de Souza, o procurador que mandou prender o Secretário da Receita Federal, foi direto: ‘Conte comigo’”.

É algo de peculiar, como se pode ver!

Um Presidente do Banco Central passa a responder a quatro ações de improbidade, pela simples razão de ter supostamente afetado, com alguma decisão administrativa de sua competência, a rica poupança da Dra. Walquíria e seus ilustres colegas.

E é justamente por isso que está consagrada, em nosso sistema constitucional, a instituição da prerrogativa de foro. Além de evitar o que poderia ser definido como um tática de guerrilha — nada republicana, diga-se — perante os vários juízos de primeiro grau, a prerrogativa de foro serve para que os chefes das principais instituições públicas sejam julgados perante um órgão colegiado dotado de maior independência e de inequívoca seriedade.

É interessante notar ainda que um dos maiores usuários da ação de improbidade no Ministério Público é o conhecido Procurador Luiz Francisco de Souza.

Em célebre matéria da Revista Exame, em 25 de setembro de 2004, assinada por Vicente Dianezi e intitulada “Uma homem de mil estilos”, apresenta-se “O jeito pouco usual de escrever do Procurador Luiz Francisco”, verbis:

‘Ao apresentar no início deste mês uma denúncia redigida no arquivo de computador de uma empresa interessada na causa, o procurador da República Luiz Francisco de Souza suscitou a curiosidade de estudiosos do mundo jurídico. Afinal, qual é o grau de ajuda externa que um integrante do Ministério Público pode aceitar no curso da formulação de uma denúncia? O caso se referia a uma ação movida por Luiz Francisco contra o grupo Opportunity, em cuja formulação se detectou o dedo de um desafeto e adversário do grupo, o empresário Luís Roberto Demarco. O autor do arquivo de onde saiu a denúncia, assinada por Luiz Francisco, era o advogado de Demarco, Marcelo Ellias. E o arquivo fora gerado num computador da Nexxy Capital Ltda., pertencente ao empresário. Confrontado com a descoberta, o próprio procurador sugeriu, na ocasião, que se conferisse a ação sob suspeita com as demais assinadas por ele. “Vejam o texto, é o meu estilo’, afamou. Foi o que fez EXAME.

Depois de exaustiva análise de 61 peças do procurador — entre ações, pareceres, pedidos de quebra de sigilo e de inquéritos policiais —, chega-se a duas conclusões: a primeira é que Luiz Francisco costuma aceitar ajuda de pessoas interessadas nas denúncias que faz. Em pelo menos 19 ações, constata-se a participação de terceiros com interesses na crucificação dos alvos das acusações. No aspecto formal, quando se analisa o conteúdo de seus textos do ponto de vista estilístico, vê-se que o procurador é um homem de mil estilos. Num texto, o procurador Luiz Francisco pode oferecer parágrafos concisos, gramaticalmente corretíssimos. Noutro, pode praticar graves atentados à língua pátria. Ou, às vezes, simplesmente trocar a concisão por elucubrações, como recentemente definiu um juiz federal. Poucas vezes se viu na Procuradoria alguém tão versátil do ponto de vista da linguagem e da gramática.

A linguagem jurídica é impessoal e formalista. “É difícil peritar um estilo que não seja literário”, diz a professora Lucia Garcez, doutora em lingüística. Pode-se, no entanto, afirmar que não é comum verificar na Procuradoria mudanças de estilo como as que Luiz Francisco adota nos textos de sua autoria analisados por EXAME, ele se dirige ao juiz para apresentar uma ação “contra alguém”. Já na ação contra o Opportunity, o procurador troca o costumeiro ‘contra” por “em desfavor de”. Os operadores do direito gostam de gravar marcas pessoais em seus textos. O ministro do Supremo Tribunal Federal, Carlos Britto, por exemplo, faz citações poéticas. Recentemente, ao votar numa questão sobre racismo, ele transcreveu três estrofes de O Navio Negreiro, de Castro Alves. Luiz Francisco já abriu seus textos citando o padre Antônio Vieira, mas esta característica desapareceu de suas ações. Outra “impressão digital” dos operadores do direito é o formato dos textos. Toda manifestação oficial que sai do gabinete do presidente do Supremo, Ministro Nelson Jobim, é digitada na fonte courier new, corpo 12, com espaçamento duplo. A marca dos votos da ministra Ellen Gracie é a fonte times new roman, corpo 14. Os votos do ministro Celso de Mello são caracterizados pela utilização exagerada de palavras, frases e períodos em negrito. Nesse ponto, não se vêem predileções em Luiz Francisco. Alguns dos textos assinados por ele compõem mosaicos com diversos tipos e tamanhos de letra. Outros são impecáveis (confira no quadro).

Há ainda outras explicações para as súbitas mudanças de estilo do procurador. Ele não hesita em admitir que aceita a colaboração de terceiros. É o caso, por exemplo, de José Elias Cardoso, que assessorou o ex-ministro do Esporte e Turismo, Rafael Greca. Luiz Francisco requisitou o servidor para trabalhar em seu gabinete e o dedo do desafeto aparece em 17 ações contra Greca. Outro episódio é lembrado pelo ex-secretário da Receita Federal Everardo Maciel. Em meados de 2000, ele se espantou com o conhecimento técnico do procurador numa ação sobre a incidência de IPI sobre as cervejas. “Essa ação não é de sua autoria, arriscou, ao que o procurador retrucou: “E que importância tem isso?”

Luiz Francisco informou em seguida, recorda Maciel, que estava fazendo um favor a um colega paulista que lhe havia ajudado numa ação contra o exgovernador do Acre Orleir Cameli. De fato, o arquivo da ação sobre o IPI foi gerado na Procuradoria da República de São Paulo. E o colega de São Paulo, suspeita Maciel, seria o procurador João Francisco da Rocha, que advogava para a Schincariol, uma das empresas interessadas na ação. Para o advogado Ives Gandra Martins, em tese, a Lei Orgânica do MP estabelece que as investigações devem ser realizadas em sigilo, com os meios que a instituição tem, internamente, à disposição. “Se houver desmandos, cabe a correição, e a parte que se sentir lesada pode ir à Justiça por danos morais.” Três ministros do STF opinaram sobre o assunto. O primeiro acha que atitudes como essa colocam em xeque o pressuposto da atuação equidistante e desapaixonada, segundo a qual o agente público não deve servir como instrumento de vendetas. Outro ministro preferiu analisar o caso do ângulo da imparcialidade que, se contrariada, coloca o servidor próximo da prevaricação. O terceiro ministro, menos diplomático, afirmou de maneira mais dura: “Fosse um juiz flagrado com uma sentença produzida por um advogado, ele já estaria fora da carreira”.


Esses fatos demonstram o abuso na utilização da ação de improbidade para fins diversos dos quais ela estaria destinada.

Destacou-se no uso da ação de improbidade também o notório Procurador Guilherme Schelb. Também aqui se verificou um escândalo. Veja-se, nesse sentido, a seguinte reportagem da Revista Época, verbis:

“Na quarta-feira, o procurador da República Guilherme Schelb foi uma das estrelas na solenidade de encerramento da CPI da Pirataria. Recebeu do presidente da Câmara, João Paulo Cunha, uma insígnia e um diploma por sua atuação em investigações que desmantelaram quadrilhas de contrabando e falsificação de cigarros e de adulteração de combustíveis. A cerimônia teve um duplo significado para ele. O primeiro foi o de mais um reconhecimento de seu trabalho como servidor público, sempre na linha de frente do combate à corrupção. O outro foi a presença na platéia de representantes das maiores empresas brasileiras de combustíveis, cigarros e bebidas — clientes potenciais para a nova atividade do procurador. Ele é dono de 98% das ações da empresa GS Centro de Educação e Prevenção da Violência Infanto-Juvenil Ltda.— os demais 2% são de sua mãe, Alzira. A GS foi criada em maio. A partir de junho, vem encaminhando a grandes empresas pedidos de financiamento de um projeto que consiste num livro escrito pelo próprio Schelb ainda em fase de revisão e um site em construção. O problema é que o empresário Schelb pediu patrocínio a algumas empresas que podem ter interesses em investigações promovidas pelo procurador Schelb.

O procurador confirma que enviou pedidos de patrocínio no valor de R$ 70 mil cada um a Souza Cruz, Fiat, Coca-Cola, Volkswagem e ao Sindicato de Empresas Distribuidoras de Combustíveis (Sindicom). Gerou constrangimentos. Schelb participou da força-tarefa formada pelo Ministério Público, pela Polícia Federal e pela Receita Federal que investigou o contrabando e a falsificação de cigarros. Com a quebra dos sigilos fiscal e telefônico de Ari Natalino e Roberto Eleutério, foi desmantelada a maior quadrilha de cigarros do país. A diretoria da Souza Cruz, que se livrou de uma concorrência desleal, recebeu há duas semanas um pedido de patrocínio da empresa de Schelb.

A apuração do procurador também atingiu em cheio a Petroforte Brasileiro Petróleo Ltda., uma grande distribuidora que foi fechada pela Agência Nacional de Petróleo após a descoberta de que fraudava combustíveis e sonegava impostos. O resultado foi comemorado pelos gigantes da distribuição de petróleo no país que têm um programa de combate à fraude tocado pelo Sindicom. No dia 18 de junho, a estagiária Miriam Brunet, do gabinete de Schelb no Ministério Público, enviou um e-mail ao Sindicom com o pedido de patrocínio para o projeto do empresário Schelb. ‘Não vejo nenhum conflito de interesses nisso. A sociedade brasileira toda foi beneficiada com as minhas investigações’, diz Schelb.

De acordo com o procurador, até agora ele só recebeu patrocínio da Brasil Telecom, do banqueiro Daniel Dantas. Schelb alega que não há conflito de interesse porque não investigou e nem assinou nenhuma ação contra a empresa. ‘Eu não faço propostas a empresas que investiguei.’ Confrontado com a informação de que teria trabalhado ao lado do procurador Luiz Francisco de Souza na apuração da privatização das empresas de telefonia, ele voltou a negar. ‘Perguntem ao Luiz Francisco. Ele vai confirmar que não tive participação neste caso’, sugeriu Schelb. A versão de Luiz Francisco é outra: ‘O escândalo das teles foi um trabalho que eu e Schelb fizemos juntos, ele só não assinou’].

Como se vê, essa enumeração, meramente exemplificativa, indica que o uso da ação de improbidade, no Brasil, tem servido para fins não exatamente elevados.

Os documentos presentes nos autos, como já relatado, revelam uma quantidade expressiva de ações de improbidade administrativa, propostas pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro — Promotores de Justiça em exercício junto à 2ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva do Núcleo Duque de Caxias —, todas contra a Prefeita do Município de Magé-RJ, com base no art. 11, caput, da Lei n° 8.429/92, ou seja, por violação aos deveres de “honestidade”, “imparcialidade”, “lealdade às instituições”, cláusulas abertas que, como ressaltado, podem dar ensejo à impugnação de qualquer ato administrativo. Some-se a isso o fato de que, segundo relatado nos autos, algumas dessas ações são oriundas de denúncias anônimas, o que por si só já revela a suspeita de motivação unicamente política.

No entanto, como analisado anteriormente, a presente reclamação não merece ser conhecida, tendo em vista que, além de não terem sido concluídos os julgamentos das Reclamações n°s 2.138 e 2.186, a jurisprudência deste Tribunal é no sentido de que não cabe reclamação para alegar o descumprimento de decisão proferida em outra reclamação (Rcl-AgR n° 2.693/RS, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 1.4.2005).

Ressalto, todavia, que a questão da competência para julgar as ações civis públicas por improbidade administrativa propostas contra Prefeitos, tendo em vista o que disposto no art. 161, IV, 3, da Constituição do Estado do Rio de Janeiro, poderá ser objeto de discussão nas instâncias ordinárias.

Ante o exposto, nego seguimento à presente reclamação (art. 21, § 1º, RI/STF).

Encaminhem-se cópias desta decisão ao Procurador-Geral de Justiça do Estado do Rio de Janeiro e ao Conselho Nacional do Ministério Público.

Publique-se.

Arquive-se.

Brasília, 18 de dezembro de 2006.

Ministro GILMAR MENDES

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