Voto do ministro Carlos Britto sobre aumento de parlamentares
20 de dezembro de 2006, 6h00
Aumento de salários de parlamentares depende de decreto legislativo específico, aprovado pelo plenário da Câmara e do Senado. O entendimento é do ministro do Supremo Tribunal Federal, Carlos Aiyres Britto, relator no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade contra o Decreto 444 de 2002, que autorizava as mesas diretoras da Casa Legislativas a fixar subsídios para os parlamentares. “Com este propósito, e num juízo tenho que a denunciada equiparação salarial se fez em descompasso com a Constituição Federal”, ressalta Britto.
A Ação Direta de Inconstitucionalidade foi proposta pelo PPS. O partido pediu a declaração de inconstitucionalidade do Decreto 444. O dispositivo autorizava as mesas diretoras das Casas Legislativas a fixar aumento de 91% aos parlamentares.
No Julgamento, por 6 votos a 4, o Pleno do STF entendeu que o Decreto Legislativo 444/2002 já havia sido revogado pela Emenda Constitucional 41/2003 e não conheceu da ADI.
Leia o voto do ministro Carlos Britto
MED. CAUT. EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3.833-8 DISTRITO FEDERAL | |
RELATOR | MIN. CARLOS AYRES BRITTO |
REQUERENTE | PARTIDO POPULAR SOCIALISTA – PPS |
ADVOGADO( | BRUNO VELOSO MAFFIA E OUTRO(A/S) |
REQUERIDO( | CONGRESSO NACIONAL |
R E L A T Ó R I O
O SENHOR MINISTRO CARLOS AYRES BRITTO (Relator)
Cuida-se de ação direta de inconstitucionalidade, ajuizada pelo Partido Popular Socialista – PPS e tendo por alvo o Decreto Legislativo Federal de nº 444, de 19 de dezembro de 2002.
2. O ato legislativo sob censura está assim redigido:
DECRETO LEGISLATIVO Nº 444, DE 2002.
Dispõe sobre a remuneração dos membros do Congresso Nacional durante a 52ª Legislatura.
O Congresso Nacional decreta:
Art. 1º Até que seja aprovada a lei de iniciativa conjunta de que trata o art. 48, XV, da Constituição Federal, a remuneração dos Membros do Congresso Nacional corresponderá à maior remuneração percebida, a qualquer título, por Ministro do Supremo Tribunal Federal, incluídas as relativas ao exercício de outras atribuições constitucionais, e se constituirá de subsidio fixo, variável e adicional
§ 1º Na aplicação do disposto no caput, ficam, mantidos os critérios de pagamento e a proporção entre subsídios fixos e variáveis e adicional fixada pelo Decreto Legislativo nº 7, de 1995, cuja vigência foi prorrogada pelo Decreto Legislativo nº 7, de 1999.
§ 2º As Mesas do Senado Federal e da Câmara dos Deputados regularão, em ato conjunto, a aplicação deste Decreto Legislativo.
Art. 2º Este Decreto Legislativo entra em vigor na data de sua publicação, produzido efeitos financeiros a partir de 1º de fevereiro de 2003.
Senado Federal, 19 de dezembro de 2002. Senador Ramez Tebet, Presidente do Senador Federal.
3. Pois bem, o autor sustenta que o modelo normativo impugnado fere o inciso XIII do artigo 37 da Constituição Federal. Dispositivo, esse, que proíbe “a vinculação ou equiparação de quaisquer espécies remuneratórias para o efeito de remuneração de pessoal do serviço público”. Acrescenta que, ao atrelar o nível de remuneração dos Deputados Federais e Senadores ao subsídio de um ministro do Supremo Tribunal Federal, paritariamente, fazendo-o sem prévia dotação orçamentária, o Decreto Legislativo nº 444/02 também ofende o inciso I do § 1º do artigo 169 da Lei Maior.
4. Prossigo para averbar que, após declinar os fundamentos jurídicos da presente ação constitucional, o Partido Popular Socialista pediu que fosse declarada a inconstitucionalidade do decreto legislativo em causa.
5. Já em sede de medida cautelar, o acionante requereu a suspensão dos efeitos do ato posto em xeque, até o julgamento de mérito deste processo. E é precisamente esse pedido prévio que trago à apreciação deste Plenário.
É o relatório.
V O T O
O SENHOR MINISTRO CARLOS AYRES BRITTO (Relator)
Começo o meu voto pela necessária lembrança de que o art. 10 da Lei nº 9.868/99 contém essa conhecida mensagem capitular: a medida liminar em ação direta de inconstitucionalidade será concedida por decisão da maioria absoluta dos membros do Supremo Tribunal Federal “após a audiência dos órgãos ou autoridades dos quais emanou a lei ou ato normativo impugnado (…)”. Audiência que ele próprio dispensa, pelo seu § 3º, “Em caso de excepcional urgência”.
8. Feito o registro, anoto que a petição inicial dá conta de que, autorizados pelo Decreto Legislativo nº 444/02, os Presidentes das Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal estão a promover um tipo de equiparação remuneratória que implica elevação de 90,70% (noventa vírgula setenta por cento) no subsídio de cada parlamentar federal. Incremento estipendiário, esse, que vigorará a partir de 1º de fevereiro de 2007 (fls. 08).
9. Sendo assim, e tendo em conta que a presente ação direta de inconstitucionalidade foi ajuizada na data de ontem (18.12.06) — véspera, portanto, desta última sessão plenária do fluente ano de 2006 —, a conclusão a que instantaneamente se chega é de que o dia de hoje é a única oportunidade para que este mesmo Tribunal Pleno possa julgar o pedido cautelar antes da efetiva produção de efeitos do ato de concreção do decreto legislativo contra cuja validade foi proposta a presente ADIN. Isto, naturalmente, pela circunstância de que este STF só retornará a oficiar de modo coletivo quando já findo o mês de janeiro do ano que se avizinha (1997).
10. Este o quadro factual que se me afigura como de urgência incomum, de modo a atrair para o presente julgamento a incidência do sobredito § 3º do art. 10 da Lei nº 9.868/99. Pelo que passo a examinar, de logo, os pressupostos da requestada medida liminar.
11. Com este propósito, e num juízo prefacial ou de mera aproximação que é próprio das decisões de natureza cautelar, tenho que a denunciada equiparação estipendiária se fez em descompasso com a Constituição Federal. Quero dizer: a equiparação remuneratória em causa implica automática majoração estipendiária e o fato é que tal majoração não é de ser feita por esse veículo formal que atende pelo nome de decreto legislativo (inciso VI do art. 59 da Constituição).
12. Com efeito, o modelo ou veículo de deliberação a que pode recorrer o Congresso Nacional para fixar os estipêndios de todo parlamentar federal é a lei ordinária. Lei formal do Congresso Nacional, que ainda se caracterize pela sua especificidade. Logo, “lei específica” ou monotemática, a se revelar como instrumento deliberativo de máxima densidade material e interesse coletivo, por isso que exigente de mais centrada atenção dos legisladores em sessão plenária e mais facilitado acompanhamento popular. É como está no inciso X do art. 37 e no § 4º do art. 40 da Magna Carta, mutuamente referidos. Tudo em sintonia com o inciso VII do art. 49 e o § 2º do art. 27 (este último a dispor sobre os subsídios dos deputados estaduais; aquele, sobre as competências exclusivas do Congresso Nacional). Confira-se:
“Art. 37.
X – a remuneração dos servidores públicos e o subsídio de que trata o § 4º do art. 39 somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso, assegurada revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices”.
“Art. 39.
§ 4º O membro de Poder, o detentor de mandato eletivo, os Ministros de Estado e os Secretários Estaduais e Municipais serão remunerados exclusivamente por subsídio fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória, obedecido, em qualquer caso, o disposto no art. 37, X e XI”.
“Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:
(…)
VII – fixar idêntico subsídio para os Deputados Federais e os Senadores, observado o que dispõem os arts. 37, XI, 39, § 4º, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I”;
(…).
“Art. 27.
§ 2º. O subsídio dos Deputados Estaduais será fixado por lei de iniciativa da Assembléia Legislativa, na razão de, no máximo, setenta e cinco por cento daquele estabelecido, em espécie, para os Deputados Federais, observado o que dispõem os arts. 39, § 4º, 57, § 7º, 150, II, l53, III, e 153, § 2º, I”.
13. Daqui se conclui, quer-me parecer, pela inconstitucionalidade formal do Decreto Legislativo nº 444/02. Com a circunstância agravante de que a indigitada equiparação também é, em si mesma, expediente atentatório de particularizado comando da Constituição: o inciso XIII do art. 37, verbis: “é vedada vinculação ou equiparação de quaisquer espécies remuneratórias para o efeito de remuneração de pessoal do serviço público”.
14. Deveras, ainda que o Poder Legislativo venha a sacar de lei específica, parece correto assentar que tal lei não pode veicular equiparações entre níveis ou padrões remuneratórios de diferenciados cargos públicos. A menos, claro, que essa correspondência estipendiária já conste da própria Constituição, como é o caso do § 3º do art. constitucional de nº 73, a fazer dos vencimentos e vantagens dos Ministros do Superior Tribunal de Justiça as vantagens e os vencimentos dos Ministros do Tribunal de Contas da União. Também assim a completa identidade entre os subsídios dos próprios Deputados Federais e Senadores, nos precisos termos do inciso VII do art. 73 da nossa Lei Fundamental.
15. No caso dos autos, o decreto legislativo 444/02 nem se contém nos marcos de um determinado período de vigência! Ao contrário do que faz supor a sua ementa, ele consubstancia um comando de permanente ou automático atrelamento paritário entre os subsídios dos membros do Congresso Nacional e aqueles que venham a ser fixados para os ministros do Supremo Tribunal Federal. O que já me parece traduzir um outro modo de caminhar a contrapasso da Constituição, a teor do citado inciso XIII do art. 37. Inciso que se impõe ao intérprete como expressivo de uma lógica perpassante de todo o sistema de comandos do Magno Texto, que é a lógica da autonomia entre os padrões remuneratórios dos agentes públicos (tirante as hipóteses que a própria Constituição indica, renove-se a proposição).
16. A segunda conclusão a que se pode chegar, portanto, é que o decreto legislativo sob comento padece de uma outra nódoa de inconstitucionalidade, agora da espécie material. O que envolve o pedido sob julgamento numa ambiência de plausibilidade jurídica ou relevância da fundamentação (fumus bonis iuris) a que se ajunta o perigo da demora na prestação jurisdicional (periculum in mora), como dantes enfatizado. Perigo de mora prestacional-judicante que também nos processos de índole objetiva é exigente de análise conjunta do teor da pretensão autoral e dos fatos subjacentes a tal pretensão, como serve de amostra o julgamento que se proferiu na ADI 1.750-MC (ministro Nelson Jobim), literis:
“(…)
A plausibilidade jurídica está demonstrada, não há dúvida quanto a perda de arrecadação e o desvio do atendimento às prioridades do estado.
O periculum in mora está presente eis que os carnês referentes aos impostos mencionados estão em via de serem impressos e distribuídos (fls. 13).
(…)”
17. Esse o quadro, voto pelo deferimento da medida liminar para suspender os comandos veiculados pelo Decreto Legislativo nº 444/02, até que se ultime o julgamento de mérito desta ação direta de inconstitucionalidade. Voto ainda pela atribuição de eficácia retroativa (ex tunc) a esta decisão cautelar, tendo em vista a noticiada decisão concreta de elevação do subsídio dos senadores e deputados federais já a partir de 1º de fevereiro do ano entrante.
Brasília, 19 de dezembro de 2006
Ministro Carlos Ayres Britto
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