Ordem no Maranhão

Juiz manda exonerar parentes de governador e deputados no MA

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20 de dezembro de 2006, 19h26

O estado do Maranhão tem cinco dias para exonerar todos os parentes do governador, do vice, dos deputados e dos secretários estaduais que ocupam cargos em comissão no Executivo e no Legislativo. A ordem foi dada pelo juiz Douglas de Melo Martins, em Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público estadual.

O juiz afirmou que os três poderes da República sempre mantiveram um “pacto de silêncio” sobre a contratação de parentes para cargos de confiança. Até que, em 2005, o Conselho Nacional de Justiça editou a Resolução 7, que regulamentou a proibição do nepotismo no Judiciário. Pela norma, não podem ser contratados para os cargos comissionados cônjuges ou parentes de até terceiro grau.

A resolução foi recebida com protestos na comunidade jurídica. Chamado a se manifestar, o Supremo Tribunal Federal declarou a sua constitucionalidade. Essa manifestação do STF, para o juiz Martins, já torna desnecessária a publicação de qualquer lei para acabar com o nepotismo no Executivo e no Legislativo.

“O esforço para regular a matéria por meio de emenda constitucional ou através de lei é bem-vindo, mas desnecessário, na medida em que já se encontra implicitamente proibida a nomeação de parentes pela interpretação simples dos preceitos constitucional.” Ou seja, a igualdade entre os três poderes.

O juiz observou que tal discussão sobre lei que proíba o nepotismo dá a impressão de que o Legislativo pode escolher se permite ou não a contratação de parentes sem concurso público. “Essa discussão é inócua, pois o STF firmou entendimento de que essa prática fere os princípios constitucionais.”

O Legislativo e o Executivo terão de cumprir a decisão sob pena de multa diária de R$ 1 mil. O prazo para recorrer é de 60 dias.

Veja a decisão

Processo n.º 2276/2006

Ação Civil Pública

Autor: Ministério Público Estadual

Réu: Estado do Maranhão

Vistos etc,

Trata-se de Ação Civil Pública para declaração de nulidade de atos lesivos à administração pública e cumprimento de obrigação de não fazer, com pedido liminar, interposta pelo Ministério Público Estadual em desfavor do Estado do Maranhão, com o fim de obter a declaração de nulidade de todas as nomeações para cargos em comissão, mantidas ou feitas pelo Governador do Estado e Presidente da Assembléia Legislativa, que caracterizam a prática do nepotismo direto ou cruzado, desde o dia 18 de fevereiro de 2007, acaso estas nomeações tenham recaído sobre cônjuges, companheiros ou parentes até o terceiro grau, do governador, do vice-governador, dos secretários de estado e gestores equiparados e deputados estaduais, além, do cumprimento de obrigação de não fazer, consistente em abster-se de novas nomeações enquadradas na situação supra mencionada.

A exordial veio comboiada de inúmeros documentos que servem para escorar as alegações ministeriais.

A prática do nepotismo marca profundamente a administração pública no Brasil. De forma expressa ou tácita, os três poderes da República, em todas as suas esferas, sempre mantiveram um pacto de silêncio, de não agressão, quando o assunto era a contratação de parentes para os numerosos e bem pagos cargos de confiança da administração.

Essa prática nefasta causou uma distorção absurda na administração pública brasileira. Só para se ter uma idéia, segundo o editorial “A praga do nepotismo” publicado na edição de 04 de março do corrente ano, do jornal “O Estado de S.Paulo”, citando o repórter Gabriel Manzano Filho, “existem mais de 524 mil cargos de confiança ou em comissão no Brasil (de livre nomeação). O executivo federal tem 19 mil cargos desse tipo, com salários que variam entre R$ 3,6 mil e R$ 9,8 mil. Ao todo, são 70 mil cargos na União, 104 mil nos Estados e 350 mil nos municípios. São neles que encontram abrigo esposas, irmãos, pais, filhos, tios, cunhados e primos de quem tem poder de nomear…” “Para efeitos comparativos, o Executivo federal dos Estados Unidos tem só 3,5 mil cargos de confiança. Na França, o presidente e o primeiro-ministro contam com apenas 500 postos de livre indicação e, no Parlamento desse país, até os assessores técnico-legislativos têm de passar por concurso”.

Naturalmente, esta distorção absurda está relacionada com o “ouvido de mercador” dos governantes plantonistas, mesmo com todos os reclames dos princípios da moralidade e impessoalidade, consagrados na Constituição Federal.

Não é sem resistência que o nepotismo impera. Em 2000, faltaram 22 votos na Câmara para aprovar a emenda constitucional que proibia a contratação de parentes. Diante da força daqueles que insistem na manutenção da imoralidade surgem propostas intermediárias, como a do senador Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR) que, na contramão da onda moralizadora, defende a criação de cotas de até 10% para que o parlamentar ou o funcionário do Executivo contrate um parente.


Em Chavantes-SP, a Câmara conseguiu derrubar o veto do prefeito Luiz Severino (PP) que não concordava com a lei municipal aprovada neste ano que proíbe a contratação de parentes de políticos até o terceiro grau. Um dos argumentos contrários era que a medida poderia provocar a demissão de pelo menos 24 assessores com cargo de comissão. A votação para apreciar o veto foi apertada: 5 a 4. O prefeito ameaçou recorrer ao Poder Judiciário para suspender a lei.

Essa disputa entre os que querem dar efetividade aos preceitos constitucionais e os que querem manter os privilégios familiares não tem trégua. Os defensores da extirpação dessa prática da administração pública ganharam força decisiva com a Resolução nº 7/2005 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que vedou a contratação de parentes de magistrados, até o terceiro grau, para cargos de chefia, direção e assessoramento no Poder Judiciário.

A resolução do Conselho causou reação feroz em quase todos os rincões do Brasil. Para pacificar a questão e conter as diversas liminares concedidas por diversos tribunais favoráveis à permanência dos parentes em cargos de confiança, a AMB pediu ao Supremo que confirmasse a constitucionalidade da resolução do CNJ. O STF acolheu o pleito e declarou a constitucionalidade da resolução, com efeitos vinculantes para todos os órgãos do Poder Judiciário.

O ministro Carlos Ayres Britto, relator da ação declaratória de constitucionalidade, destacou que, em respeito aos princípios da moralidade, da eficiência, da impessoalidade e da igualdade “deve-se tomar posse nos cargos, e não dos cargos”. O ministro Eros Grau seguiu o voto do relator e afirmou que “o rompimento das relações de trabalho dos nomeados para cargos de confiança no Poder Judiciário, dentro das regras estabelecidas na resolução do CNJ, atenderá às imposições da moralidade e da impessoalidade administrativas.”

De acordo com ministro Joaquim Barbosa, “a legitimidade da resolução é inquestionável, pois estabelece regras que buscam dar efetividade aos princípios da moralidade e da impessoalidade administrativas.” É também dele a afirmação de que “a resolução obedece plenamente os princípios da igualdade e da moralidade.” O ministro Cezar Peluso classificou o nepotismo como uma prática perniciosa ao interesse público e salientou que a questão deve ser tratada sob o princípio constitucional da impessoalidade. Esse princípio, segundo o ministro “está ligado à idéia da eficiência da administração pública e atua, sobretudo, como uma limitação ao exercício do poder discricionário de nomear funcionários em cargos em confiança”. O ministro Celso de Mello, por sua vez, esclareceu que o CNJ definiu, ao editar a Resolução, normas destinadas a impedir a formação de grupos familiares visando a patrimonialização do poder governamental. Ele acrescentou que a Resolução justifica-se plenamente em função da necessidade fundamentada na essencial distribuição que se impõe entre o espaço público e o privado. Seguindo esta mesma linha de raciocínio votaram os ministros Gilmar Mendes, Sepúlveda Pertence, Nelson Jobim e Ellen Gracie.

O único voto dissonante foi do ministro Marco Aurélio que votou pelo indeferimento da liminar na ADC sem, entretanto, defender a prática do nepotismo, mas questionando, tão somente, o poder normativo do CNJ.

Vê-se, pois, que com pequenas diferenças de ênfase, todos os ministros do Supremo Tribunal Federal concordam que as nomeações de parentes, até o terceiro grau, para o exercício de cargos de chefia, direção e assessoramento ferem os princípios da moralidade, impessoalidade, eficiência, e igualdade; sendo os dois primeiros citados por quase todos.

Pois bem, o que se questiona agora, em vários espaços de discussão, é se esses princípios constitucionais aplicados ao Poder Judiciário têm o mesmo efeito em relação aos demais poderes (executivo e legislativo). O vice-presidente de Interiorização da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Mozart Valadares, entende que os princípios da Administração Pública devem ser aplicados em todos os Poderes e que, se a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) foi baseada nos princípios constitucionais, não pode ser aplicado única e exclusivamente ao Judiciário. Ainda segundo posição da AMB, caso os “chefes” dos Poderes Legislativo e Executivo não promovam espontaneamente a exoneração de seus parentes dos cargos de confiança devem ser processados por improbidade administrativa.

O raciocínio é simples, os princípios constitucionais da moralidade, impessoalidade, igualdade e eficiência que regem o Poder Judiciário e que foram corretamente interpretados pelo Conselho Nacional de Justiça quando da edição da Resolução 07/2005, vedando a contratação de parentes de magistrados, até o terceiro grau, para cargos de chefia, direção e assessoramento no Poder Judiciário, também são aplicáveis aos Poderes Executivo e Legislativo. Absolutamente descabida é a espera de promulgação de Emenda Constitucional para vedar expressamente as nomeações de parentes no Executivo e Legislativo, mormente depois do Supremo Tribunal Federal pacificar a questão ao declarar a constitucionalidade da Resolução.


O esforço para regular a matéria por meio de emenda constitucional ou através de lei é bem-vindo, mas desnecessário, na medida em que já se encontra implicitamente proibida a nomeação de parentes pela interpretação simples dos preceitos constitucionais. A discussão nos órgãos legislativos, da forma como tem sido posta, passa a impressão de que o legislador ordinário tem liberdade, inclusive, para permitir o nepotismo, o que me parece incongruente com o entendimento do Supremo Tribunal Federal. Toda essa discussão sobre permitir o nepotismo por meio de lei ou emenda constitucional é inócua, na medida em que o STF firmou entendimento de que essa prática fere os princípios constitucionais já citados anteriormente.

A verdade é que todos os gestores do Brasil, em todos os poderes e em todas as esferas da administração pública, têm conhecimento da decisão do Supremo Tribunal e, naturalmente, já deveriam ter promovido a demissão de seus parentes dos cargos de chefia, direção e assessoramento.

A onda moralizadora já atingiu vários municípios que, espontaneamente ou por decisão judicial, baniram a prática do nepotismo. Foram termos de ajustamento de conduta, liminares, e leis municipais que surgem em todos os cantos de país.

Os bons ventos da moralidade agora chegam aos governos estaduais. O governador reeleito da Paraíba Cássio Cunha Lima (PSDB) não vai poder nomear parentes para ocupar cargos na estrutura administrativa do Estado, a partir de 1º de janeiro de 2007. Foi o que assegurou o próprio governador em entrevista. Para tanto, ele já anunciou que irá pedir à Assembléia Legislativa do Estado que aprove uma Proposta de Emenda Constitucional antinepotismo. PEC igual, de autoria do deputado estadual Ruy Carneiro (PSDB), tramitou em 2005 e este ano, mas acabou rejeitada pelos parlamentares no Plenário.

O governador reeleito espera que a PEC seja aprovada, sob o argumento de que a Constituição Federal proíbe a nomeação de parentes, exceto através de concurso público. Periódicos do país inteiro noticiaram que o governador se comprometeu a não nomear parente e a discutir o assunto com os deputados eleitos, antes do natal.

O bom exemplo paraibano deveria ser seguido no Maranhão, mas, na contramão da onda moralizadora, a administração pública estadual está lotada de cargos comissionados preenchidos por parentes de deputados e secretários. O mais grave é que já surgem notícias, ainda oficiosas, de que o governo que se iniciará no dia 1º de janeiro já se prepara para preencher os cargos da administração com os parentes do próprio governador eleito, de deputados e de futuros secretários. A onda da moralidade, acaso confirmadas as especulações quanto ao preenchimento dos cargos, não atingirá o futuro governo.

O PEDIDO LIMINAR

O indício do direito (fumus boni iuris) ficou devidamente demonstrado através da extensa avaliação sobre a aplicabilidade dos princípios constitucionais da moralidade, impessoalidade, eficiência e igualdade.

O perigo da demora (periculum in mora) é evidenciado em face da possibilidade de desvio de recursos públicos para pagamento de pessoas que lograram acesso ao serviço público por meio ilegal.

A demora na prestação jurisdicional muitas vezes invalida toda eficácia prática da tutela e quase sempre representa uma grave injustiça para quem depende da manifestação judicial. A liminar designa provimento judicial emitido in limine litis, isto é, no momento mesmo em que o processo se inicia. É, pois, a proximidade do risco de lesão grave e de difícil reparação que justifica a medida liminar.

O poder geral de cautela diz respeito à eficácia plena da tutela jurisdicional, situando-se, por isso mesmo, no nível das garantias fundamentais de acesso à Justiça e à segurança jurídica.

Recusar, em certos casos, a concessão de liminar significa risco de inutilização da própria tutela jurisdicional. É a própria denegação da Justiça, o que se revela inaceitável para o sistema das garantias fundamentais asseguradas pela Carta Republicana.

Nestas condições, acolho o pedido para:

1º – determinar que o Estado do Maranhão (através de seu governador) promova a exoneração, no prazo de 05 dias, de cônjuges e todos os parentes, até o terceiro grau, dele próprio, do vice-governador, dos secretários estaduais e cargos assemelhados e de todos os deputados estaduais bem como, que o presidente da Assembléia Legislativa exonere, em igual prazo, cônjuges e todos os parentes, até o terceiro grau, dele próprio, dos demais deputados estaduais, do governador, vice-governador, dos secretários estaduais e cargos assemelhados e se abstenham de realizar outras nomeações de pessoas que se enquadrem na situação supra, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00 (mil reais), nos termos do art. 12 da Lei 7.347/85.

2º – determinar que o requerido apresente, em igual prazo, a relação de servidores do Poder Executivo e Legislativo estadual que se enquadrem na situação do item anterior, além dos respectivos atos de exoneração;

Cite-se o requerido para, querendo, contestar a ação, no prazo de sessenta dias, sob pena de revelia e confissão.

Expeçam-se cartas precatórias para citação e intimação do Estado do Maranhão, na pessoa de seu procurador geral e para intimação do deputado João Evangelista, presidente da Assembléia Legislativa do Estado, e do governador eleito Jackson Lago.

Pedreiras, 19 de dezembro de 2006

Douglas de Melo Martins

Juiz de Direito

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