Apagão aéreo

Entidades processam União, Anac e empresas por apagão aéreo

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20 de dezembro de 2006, 13h30

Para pedir a responsabilização da União, da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) e de oito empresas aéreas por todos os atrasos e prejuízos sofridos pelos que precisaram de avião nos últimos meses, entidades de defesa do consumidor recorreram à Justiça. Entraram com uma Ação Civil Pública na Justiça Federal requerendo assistência permanente às vítimas da crise nos aeroportos, além de indenização por danos morais e materiais.

O processo foi proposto pelo Procon-SP, Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), Adecon-PE (Associação de Defesa da Cidadania e do Consumidor) e Movimento das Donas de Casa e Consumidores de Minas Gerais (MDC-MG).

As entidades alegam que é notável como milhares de consumidores sofreram nos últimos meses com a crise nos aeroportos. Argumentam que a situação foi agravada pela falta de informação e assistência por parte do Poder Público e das companhias aéreas. “Em casos mais graves, caracterizou-se o risco à vida dos consumidores, além da perda de compromissos e negócios importantes”, criticam.

Para as entidades, a responsabilidade da União e da Anac não pode ser afastada. Elas argumentam que as duas atuam diretamente na prestação do serviço junto às companhias aéreas, exercendo a fiscalização, coordenação de horários e linhas e o controle de tráfego aéreo.

“Assim, tanto as companhias aéreas, quanto o Poder Público, têm o dever de evitar que tais fatos ocorram e, quando ocorrerem, prestar assistência aos consumidores que venham ser vitimados por atrasos e cancelamentos de vôos, no que lhes couber”, afirmam.

Para eles, a omissão do Poder Público e a falta de assistência por parte das empresas violam o Código de Defesa do Consumidor e atestam grave deficiência na prestação de um serviço público.

Na ação, as entidades pedem ainda, em caráter de urgência, que as empresas sejam imediatamente obrigadas a prestar informações de caráter preventivo aos consumidores. Pretendem que os consumidores recebam informações, com antecedência, acerca de atrasos e cancelamentos de vôos para evitar o deslocamento desnecessário para os aeroportos.

Querem também a garantia de alimentação, estada, transporte e ligações telefônicas aos clientes. Além disso, em todos os casos, que seja deferida ao consumidor a opção de receber o valor das passagens de volta.

Em relação à Anac, requerem liminarmente que disponibilize o número de pessoas adequado para atender aos consumidores, inclusive nas entradas das salas de embarque.

Leia a Ação:

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ FEDERAL DA 3ª REGIÃO – JUSTIÇA FEDERAL – 1ª SUBSEÇÃO DE SÃO PAULO

FUNDAÇÃO DE PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR – PROCON/SP, pessoa jurídica de Direito Público instituída pela Lei Estadual Paulista 9.192/95, inscrita no CNPJ/MF sob o n º 57.659.583/0001-84, com sede na rua Barra Funda, 930, São Paulo/SP, pelos Procuradores do Estado infra-assinados e por sua Diretora Executiva (ANEXO I), INSTITUTO BRASILEIRO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – IDEC, inscrito no CNPJ/MF, sob n.º 58.120.387/0001-08, com sede na R. Dr. Costa Júnior, 356, São Paulo/SP, ADECON-PE – ASSOCIAÇÃO DE DEFESA DA CIDADANIA E DO CONSUMIDOR, inscrita no CNPJ/MF, sob n.º 03.296698/0001-22, com sede na R. do Riachuelo, 105, Edifício Círculo Católico, sls. 217/221, Recife /PE e MDC-MG – MOVIMENTO DAS DONAS DE CASA E CONSUMIDORES DE MINAS GERAIS, inscrita no CNPJ/MF, sob n.º 209.66842/0001-00, com sede na R. Guajajaras, nº 40, Edifício Mirafiori, c.j. 2402, Belo Horizonte/MG, por seu advogado infra-assinado (ANEXO II), com lastro na Lei 7.347/85 e arts. 81, parágrafo único, inciso III e 82, III, ambos do Código de Defesa do Consumidor, vêm, respeitosamente perante V. Exa., propor

AÇÃO CIVIL PÚBLICA, com pedido de LIMINAR

em face da UNIÃO FEDERAL, AGÊNCIA NACIONAL DE AVIAÇÃO CIVIL – ANAC, autarquia especial integrante da Administração Pública Federal indireta criada pela Lei 11.182/05, com sede no Aeroporto Internacional de Brasília, Setor de Concessionárias, Lote 5, Brasília, DF; BRA TRANSPORTES AÉREOS LTDA., inscrita no CNPJ sob o nº 03.411.928/0001-57, com sede na Avenida Ipiranga, 318, bloco B, 9º andar, República, CEP: 01046-010, São Paulo/SP; GOL TRANSPORTES AÉREOS S/A. , inscrita no CNPJ sob o nº 04.020.028/0001-41 e com sede na Rua Gomes de Carvalho, 1629, Vila Olímpia, CEP: 04547-006, São Paulo – SP; OCEAN AIR LINHAS AÉREAS, inscrita no CNPJ sob o nº 02.575.829/0001-48, com sede na Avenida Washington Luiz, n.º 7059, Aeroporto de Congonhas, São Paulo – SP; PANTANAL LINHAS AÉREAS SUL MATO-GROSSENSES S/A., inscrita no CNPJ sob o nº 33.727.132/0001-79, com sede na Avenida Nações Unidas n.º 10989 – 8º andar, conjunto 81, Vila Olímpia, CEP:04578-000, São Paulo – SP; RIO-SUL LINHAS AÉREAS S/A. , inscrita no CNPJ sob o nº 33.746.918/0001-33, com sede na Avenida Almirante Silvio de Noronha, 365, Bloco C, 4º andar, Castelo, CEP: 20021-010, Rio de Janeiro – RJ; TAM LINHAS AÉREAS S/A. , inscrita no CNPJ sob o nº 02.012.862/0001-60, com sede na Avenida Jurandir, 856, lote 04, 6º andar, Planalto Paulista, CEP: 04072-000, São Paulo – SP; TOTAL LINHAS AÉREAS S/A. , inscrita no CNPJ sob o nº 32.068.363/0002-36, com sede na Rua dos Hangares, 03, Bairro Itapoá, Pátio Norte, Aeroporto da Pampulha, CEP: 31270-310, Belo Horizonte – MG; e VARIG S/A. VIAÇÃO AÉREA RIOGRANDENSE, inscrita no CNPJ sob o nº 92.772.821/0253-10, com sede na Avenida Almirante Silvio de Noronha, 365, bloco C, 4º andar, Castelo, CEP: 20021-01, Rio de Janeiro – RJ, com base nos argumentos de fato e de direito abaixo relacionados:


1-Foro competente

Move-se a presente ação perante a Justiça Federal em razão de a União Federal e a ANAC figurarem no pólo passivo, o que faz incidir a regra prescrita no art. 109, I, da CF/88 que atribui à Justiça Federal competência para processar e julgar as causas em que a União ou entidade autárquica federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes.

Dos fatos

Desde 27/10/02006, como amplamente divulgado pela mídia e constatado pelas reclamações recebidas pela Fundação Procon, os consumidores vêm sofrendo com a crise que se instalou no sistema de tráfego aéreo brasileiro.

Como demonstram as cópias das notícias que seguem em anexo, em 27 de outubro de 2006, e nos dias que se seguiram, houve atrasos e cancelamentos dos vôos em todos os aeroportos do país. A crise atingiu seu ápice no feriado de 02/11/06, quando o tempo de espera para embarcar chegou a 15 horas.

Muitos passageiros passaram o período de espera abandonados à própria sorte nos saguões ou nas salas de embarque sem informação ou auxílio de qualquer espécie, alguns se viram obrigados a dormir no chão ou nas cadeiras e muitos ficaram sem comida e água, uma vez que as lanchonetes não suportaram a demanda.

Os atrasos causaram ainda tumultos nos aeroportos, tendo alguns passageiros invadido as pistas de pouso e decolagem, impedido o embarque de outros passageiros, atirado objetos em escadas rolantes dentre outros atos.

A causa do problema, apesar de negada pela Aeronáutica, foi imputada à operação–padrão realizada por controladores de tráfego aéreo. Em 10 dias, atingiu cerca de 43% das decolagens do país, causando atrasos em todos os aeroportos.

Alguns dias depois, próximo ao feriado nacional de 15/11 e municipal de 20/11, a situação voltaria a se repetir, com atrasos de até 10 horas. Desta vez as razões alegadas pelo Poder Executivo foram desde a ausência de 2 controladores de tráfego aéreo, passando por um maior espaçamento entre pouso e decolagem das aeronaves, até o rompimento de um cabo de fibra óptica do Cindacta 2, que coordena o tráfego da região sul. No dia 20/11 os atrasos atingiram 51,3% dos vôos.

De 05/12/06 à 10/12/06 nova crise se instalou com novos atrasos e cancelamentos de vôos em função, segundo as autoridades, de uma pane no Cindacta 1. No dia 07/12/06 os atrasos atingiram 43% dos vôos.

A crise, portanto, vem se estendendo desde 27/10/06. Durante todo este período o Poder Executivo tem sistematicamente se omitido, seja informando as causas do problema, seja tomando medidas para a solução do problema.

Também as empresas aéreas falharam na assistência aos consumidores, pois como demonstram as notícias de jornal (ANEXO III) as pessoas permaneceram por horas nos aeroportos sem informação e sem auxílio, em filas intermináveis, dormindo no chão, sem conseguir comunicar-se, e muitas vezes sem comida e água.

Alguns casos ilustram bem o desrespeito pelo consumidor. A matéria da “folha on line” de 06/12/06 (ANEXO III) relata o caso do Sr. Graciliano Martins que tinha vôo marcado de Brasília para São Luís para a terça feira às 12:40, mas que até as 11:40 hs da quarta feira ainda não tinha previsão para decolar. Neste período ele e outros passageiros, permaneceram na sala de embarque, impedidos de sair, sobe pena de “atrasar-se para a decolagem”. Somente às 4:00 hs da madrugada da quarta feira foram encaminhados para um hotel, com um vale refeição de R$ 15,00.

O mesmo jornal de 06/12/06 mostra a situação da menina de 10 anos, Jéssica A. P. Menezes que teve seu vôo, originalmente marcado para a terça feira às 11:00 hs, cancelado. A garota permaneceu sozinha cerca de 24 horas no aeroporto, inclusive durante a madrugada, sem acompanhamento de um funcionário da companhia aérea e sem contato com a família. Ela foi obrigada a dormir no banco do aeroporto, já que não foi levada para um hotel.

Também as reclamações recebidas pela Fundação Procon (ANEXO IV) demonstram o descaso e o abandono dos consumidores, cabendo descrever alguns casos a título de exemplificação.

Da análise das reclamações registradas em face da TAM Linhas Aéreas S/A., do período de 24 de outubro de 2006 a 19 de novembro de 2006, nota-se que os problemas dos consumidores consistiram desde atraso/cancelamento de vôo à falta de assistência por parte da empresa. A seguir, estão relacionados a título de exemplo, alguns dos milhares de consumidores que sofreram com estes problemas:

Ademir de Souza

Mauricio R. Dos Santo

Rafael da S. Millan

Alexandre M. De Castro

Mirela M. de Matos Almeida

Rubens F. Millan

Daniela Cruz

Gustavo D. Bergamasco

Shirley A. da S. Millan

Diego Castilho

Nathany C. G. Bergamasco

Priscila D. da Costa


Luiz Fernando Sanches

Denise G. Moreno

Stefano Caritas

Marcelo V. Carvalho

Ricardo F. Barbieri

Ailton Ribeiro

Mariana Pedrosa

Luciana da S. Millan

Alexandre A. Cremonesi

Alexandre B. Lofrano

Juliana B. de Santana

Maria Lúcia T. Moita

André L. M. Moreira

Karima B. Kassab

Mauricio Bohrer

Danielle de N. Tiso

Ligia Pessutti

Rita de Cássia Camacho

Elizabeth M. da Silva

Liliane B. de Oliveira

Roberto C. Berber

Fabiana J. Chagas

Luciano José de A. Barros

Rogerio Pecci Filho

Guilherme C. G. de Souza

Luiz Paulo da Cunha

Viviane O. Rocha

José Roberto Rodrigues Junior

Marcelo Parizotto

Walnei A. P. Busin

Para melhor elucidar este d. juiz, exemplificamos com a reclamação de Rita de Cássia Camacho (acima, em negrito), que adquiriu 2 (duas) passagens aéreas da empresa TAM, origem Congonhas/São Paulo e destino Recife. O embarque estava previsto para às 22h17 de 01 de novembro de 2006 e a chegada para à 1h da manhã de 02 de novembro de 2006. Ocorre que, depois de quase 5 (cinco) horas de espera, às 3h da manhã a consumidora e sua filha tiveram que fazer o traslado de Congonhas para Guarulhos, onde o embarque, segundo a empresa, seria imediato. Não foi, contudo, o que ocorreu. Esperaram mais 6 (seis) horas para embarcar e ainda ficaram mais 1 (uma) hora dentro da aeronave, esperando a decolagem, que só se deu às 10h da manhã de 02 de novembro de 2006.

Rita de Cássia relata com detalhes os constrangimentos sofridos durante as longas 12 (doze) horas em que esteve nos dois aeroportos: “Tivemos que enfrentar filas nos banheiros. Apenas metade das pessoas tinha onde sentar. Precisamos nos acomodar no chão gelado, sem nenhum tipo de apoio, travesseiro ou manta, pois a companhia alegava que não tinha. Só às 6h da manhã, após muita briga, a companhia distribuiu lanches frios, sucos e refrigerantes, numa tamanha desorganização. Todo o tempo dava informações desencontradas, passava horas sem dar satisfação, anunciava o vôo nos painéis nos mais diferentes horários e portões, provocando o nosso deslocamento desnecessário. Uma balbúrdia, uma falta de respeito. Nas lanchonetes, já não havia mais nada saudável para ser consumido. Não houve nenhuma iniciativa da companhia para amenizar o constrangimento e o desconforto dos passageiros” “.

Podemos verificar que no caso da empresa GOL Transportes Aéreos S/A, as reclamações não são diferentes.

Desde o final de outubro, os consumidores têm enfrentado situações lamentáveis de descaso da companhia nos principais aeroportos do país, pela absoluta falta de informações acerca de horários efetivos de decolagem, submetendo milhares de consumidores à esperas intermináveis em situações precárias, deixando-os sem condições mínimas de assistência, expostos a tumultos e inseguranças, sem alimentação, acomodações ou qualquer atendimento essencial e obrigatório para posteriormente, em muitos casos cancelar os referidos vôos.

Segue o rol das reclamações neste contexto acostadas à petição inicial:

Eugênio Carlos Pedro Castanheiro

Nandressa Fabiane Franco Nunes

Caroline Rodrigues

Denise Brandolin

Paulo Eduardo Zangrado Toneli

Emerson Bulcão Gomes Pereira

Bruna Domeneghetti

Juliana Tofano de Campos Leite

Denise Maria Gomes do Amaral

Edna Mitiko Yamashita

Cesar Wallace Romagnoli

Jose Lupo Filho

Hideki Katsumata

Rodrigo Calciolari

Vivian Bergami Joao

Ricardo Silva Bernardes

Andressa Cristina Mendonça

Giulianna Paolla Cruzetta

Ivani Resende

Roseli Sales Barbosa

Cristiane Ap Alves

Ricardo Villela Junqueira

Simone Miyojum Jose Eduardo Gallo

Fabrício Veloso Marques dos Santos

Carlos Adati

Monica Testoni Cardozo

Thiago Alves Reis de Souza Luciana Mello

Katia Artolph

Tamara Abi Saber Cypriana

Waldir Lima

Maria do Socorro Fernandes da Silva

Jose Roberto Moreira Napoleone

Renata Mara de Oliveira

Paulo de Tarso Pandolfo Ramos

Augusto Jose Faria de Oliveira

Caio Douglas de Oliveira Pereira

Nathália Alaro Casas

Dentre tantos casos reclamados, alguns evidenciam-se pela circunstância de hipossuficiência declarada nos relatos, como o caso do Sr. Rodrigo Calciolari (supra, em negrito), que em viagem familiar para Vitória (ES), permaneceu mais de 10 horas aguardando o embarque no saguão do aeroporto com uma criança de três anos e um bebê de colo, sem qualquer informação, sem qualquer apoio ou tentativa da companhia em amenizar o problema.

Com a Srª Bruna Domeneghuetti (supra, em negrito) não foi diferente. Tendo como destino a cidade de Fortaleza-CE, submeteu-se a transferência do vôo inicial com uma conexão em Brasília para outro com duas escalas, a primeira em Recife e a segunda em Salvador. Pacientemente, por mais de 10 horas aguardando no aeroporto de Salvador informações acerca da previsão da decolagem, foi surpreendida com a notícia do cancelamento do vôo, sem que a companhia lhe prestasse mínimo auxílio numa situação em que estava sozinha em cidade desconhecida e impossibilitada de seguir viagem, não restando-lhe outra alternativa senão retornar, após 24 horas de transtornos contínuos a cidade de origem sem cumprir qualquer programação inicial.


Situação pior enfrentou o casal Waldir Lima e Maria do Rosário Moreira (supra, em negrito), passageira portadora de diabetes que permaneceu cerca de 7 horas “enclausurada” dentro de uma aeronave impedida de injetar insulina necessária e prescrita para sua doença em razão da proibição de agulhas internas no avião. A companhia nenhuma assistência prestou, nenhuma escolha possibilitou, ignorou o fato e o problema.

Também foram registradas reclamação em face da BRA Transportes Aéreos Ltda. pelo o consumidor Jens Raffelsieper e contra a OceanAir Linhas Aéreas Ltda. pela consumidora Cristina H. Makino, ambas por atraso de vôo.

Pelos relatos acima narrados a título de exemplificação, resta evidente a necessidade de assistir adequadamente a estas pessoas. Todavia, não com base nas regras restritivas constantes no Código Brasileiro de Aeronáutica, que prefixam as perdas e danos (arts. 257, 260 e 262) e garantem ao passageiro o direito de reembarque em outra aeronave ou, na impossibilidade, de receber alimentação, transporte, hospedagem somente a partir da 4ª hora de atraso (arts. 230 e 231).

Conforme se verá adiante, tais comandos foram revogados não só pelo Código de Defesa do Consumidor como também pela regulação conferida pelo Código Civil de 2002 ao contrato de transporte que, além de imporem às companhias aéreas obrigação de resultado, garantem a efetiva prevenção e reparação integral dos danos morais e materiais decorrentes da inexecução ou imperfeição da prestação deste serviço.

3. Legitimidade ativa 3.1 Da legitimidade ativa da Fundação Procon

O PROCON/SP é Fundação Pública Estadual instituída pela Lei Estadual Paulista n.º 9.192/95 e tem por atribuição elaborar e executar a política estadual de proteção e defesa do consumidor, nos termos do art. 2º da referida lei.

E enquanto órgão da administração pública indireta, dotado de personalidade jurídica própria, tem legitimidade ativa para a propositura de ações coletivas destinadas à tutela de interesses individuais homogêneos, nos termos dos arts. 81, parágrafo único, inciso III e 82, III, ambos do Código de Defesa do Consumidor.

3.2 Da Legitimidade ativa do IDEC, da ADECON e do MDC-MG

O Código de Defesa do Consumidor define os direitos ou interesses coletivos lato sensu tal como segue:

“Artigo 81 – A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.

Parágrafo único: A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:

(…)

III – interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.”

O Idec pode defender qualquer espécie de direito coletivo: o essencialmente coletivo (difuso ou coletivo, cujo objeto é indivisível) ou o acidentalmente coletivo (direito individual homogêneo, cujo objeto é divisível).

O rol dos legitimados para a propositura das ações coletivas está no artigo 82, IV, do CDC, in verbis:

“Artigo 82 – Para os fins do art. 81, parágrafo único, são legitimados concorrentemente:

(…)

IV – as associações legalmente constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses e direitos protegidos por este Código, dispensada a autorização assemblear.

(…)”.

A norma, então, permite que os legitimados acima, entre os quais associações como o IDEC, defendam direitos difusos e coletivos dos consumidores e, ainda, na qualidade de substitutos processuais, defendam em nome próprio direito individual alheio dos consumidores, desde que de origem comum, sendo cabível todo e qualquer tipo de ação, inclusive a coletiva.

O IDEC é uma associação civil sem fins lucrativos, fundada em julho de 1987, cuja finalidade precípua é a defesa do consumidor desenvolvendo, para tanto, várias atividades, entre elas a propositura de ações judiciais, nos termos da lei.

Com relação aos fins institucionais do Instituto-Autor, vale transcrever os artigos 1º e 3º, alínea “f” do seu Estatuto (ANEXO II), in verbis:

“Artigo 1º — O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor – IDEC – é uma associação civil de finalidade social, sem fins lucrativos, apartidária, regida pela legislação vigente e por este Estatuto, e constituída por prazo indeterminado, situado na Rua Dr. Costa Júnior, 356 – São Paulo/SP.”

(…)

“Artigo 3º – Para cumprir seus objetivos, poderão ser desenvolvidas atividades:

(…)

f- atuar judicial ou extrajudicialmente em defesa do consumidor, associados ou não, nas relações de consumo e qualquer outra espécie de ação correlata, coletiva ou individualmente, também perante os poderes públicos, inclusive nos casos em que o consumidor seja prejudicado com a exigência de tributos.”


Os artigos supramencionados, portanto, demonstram que entre as finalidades do IDEC está a defesa dos direitos do consumidor por meio de ações judiciais. Preenchido está o requisito de legitimidade, de acordo com o artigo 82 e seguintes do Código de Defesa do Consumidor.

Sobre o tema, inúmeras são as decisões judiciais que reconhecem a legitimidade do IDEC para a defesa de interesses individuais homogêneos dos consumidores, dentre as quais pede-se vênia para citar:

“LEGITIMIDADE ATIVA – AD CAUSAM – Ação proposta pelo IDEC para a defesa de interesse individual homogêneo de seu associado – Relação de consumo caracterizada – Legitimidade reconhecida – Recurso provido para afastar o decreto de carência.” (TJSP – AC 23.011-4 – São Paulo – 6ª CDPriv. – Rel. Des. Octavio Helene – J. 06.03.1997 – v.u.)

“AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. CONSÓRCIO. ASSOCIAÇÃO. LEGITIMIDADE DE PARTE ATIVA.

A associação, que tem por finalidade a defesa do consumidor, pode propor ação coletiva em favor dos participantes, desistentes ou excluídos, de consórcio, visto cuidar-se aí de interesses individuais homogêneos. (…)”

(RESP 222569/SP – STJ – QUARTA TURMA – Min. BARROS MONTEIRO – ADBRAS – Administradora do Brasil S/C Ltda x Idec – j. 27.08.01, v.u.)

Inegável a intenção do legislador em adotar uma solução mista de defesa de tais interesses e direitos, atribuída a vários órgãos públicos ou privados. O fato de conferir legitimação às associações não governamentais para propositura de ações coletivas ou civis públicas configura uma contribuição para melhor tutela de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos e, ainda, retira do Estado um grande ônus, fazendo com que haja valorização da democracia participativa e melhor funcionamento da máquina pública, sem contar o enorme benefício trazido àqueles efetivamente tutelados por tais instituições.

Da mesma forma, a ADECON, constituída em junho de 1999, traz em seus estatutos, na cláusula Primeira, os seguintes objetivos:

“Clausula Primeira – A ADECON-PE – Associação de defesa da cidadania e do consumidor é uma instituição civil sem fins lucrativos, com foro na comarca de Recife e tem como finalidade a defesa judicial e extrajudicial do consumidor, como tal definido nos arts. 2º, 17º e 29, da Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), a defesa dos direitos e interesses relativos ao meio ambiente, ao portador de deficiência física, à economia popular, à ordem econômica, à concorrência, à livre iniciativa, à saúde, ao ensino, à tributação e taxação justas, legais e constitucionais; direitos e interesses relativos aos direitos humanos, patrimônio público, histórico e paisagístico, cidadania e quaisquer outros direitos e/ou interesses difusos coletivos e individuais homogêneos (Lei 7.347 de 24.7.85 – arts. 1º e 5º), podendo atuar em todo o território do Estado de Pernambuco, na forma prevista no parágrafo único do art. 81, c.c. inciso IV do art. 82 do mesmo Código do Consumidor, postulando também, na forma do art. 5º, inciso LXX, alínea “b” da C.F e firmar convenção coletiva de consumo que tenha por objeto estabelecer condições e características de produtos e serviços e, ainda, quando se tratar de composição de conflito de consumo.”

Não é diferente o caso da MDC-MG, constituída em 30/08/1983. Reza em seus estatutos:

“Artigo 1º – O Movimento das Donas de Casa e Consumidores de Minas Gerais é uma associação civil de finalidade social, sem fins econômicos e lucrativos, apartidária, regida pela legislação vigente e por este Estatuto, e constituída por prazo indeterminado, situada à Rua da Bahia, 1.148, salas 302 a 314, Belo Horizonte – MG.”

(…)

“Artigo 3º – Para cumprir seus objetivos, poderão ser desenvolvidas as seguintes atividades:

(…)

e – atuar judicial ou extrajudicialmente em defesa do consumidor, associado ou não, nas relações de consumo e qualquer outra espécie de relação correlata, coletiva ou individualmente, também perante os poderes públicos, inclusive nos casos em que o consumidor seja prejudicado com a exigência de tributos;”

Restam, portanto, comprovadas a legitimidade do IDEC, ADECON e MDC-MG, no tocante à propositura da presente ação.

4. A legitimidade passiva das rés

À União, nos termos do art. 21, XII, letra “c” da CF/88, compete explorar, diretamente ou mediante autorização, permissão ou concessão, a navegação aérea, aeroespacial e a infra-estrutura aeroportuária.

Por meio da Lei 11.182/95, foi instituída a Agência Nacional de Aviação Civil – ANAC, autarquia federal especial que, enquanto representante do poder concedente (União), é responsável pela regulação e fiscalização das atividades de aviação civil e de infra-estrutura aeronáutica e aeroportuária em nome da União.


Dentre as atribuições conferidas pelo art. 8º da Lei 11.182/95 à ANAC, merecem destaque as seguintes:

X – Regular e fiscalizar os serviços aéreos, os produtos e processos aeronáuticos, a formação e o treinamento de pessoal especializado, os serviços auxiliares, a segurança da aviação civil, a facilitação do transporte aéreo, a habilitação de tripulantes, as emissões de poluentes e o ruído aeronáutico, os sistemas de reservas, a movimentação de passageiros e carga e as demais atividades de aviação civil.

XIV – Conceder, permitir ou autorizar a exploração de serviços aéreos;

XXX – Expedir normas e estabelecer padrões mínimos de segurança de vôo, de desempenho e eficiência, a serem cumpridos pelas prestadoras de serviços aéreos e de infra-estrutura aeronáutica e aeroportuária, inclusive quanto a equipamentos, materiais, produtos e processos que utilizarem e serviços que prestarem.

Vê-se, portanto, que como órgão executor das políticas de aviação da União, a ANAC interfere decisivamente na perfeita execução dos contratos de transporte aéreo, porquanto é responsável por oportunizar ao sistema condições técnicas para que a prestação de serviços se dê desembaraçadamente. Por estas razões, ambas foram inseridas no pólo passivo da presente ação.

E, ao lado da ANAC e da União, figuram também as companhias aéreas responsáveis pela celebração dos contratos de transporte aéreo com os consumidores. Todos os réus integram um mesmo sistema destinado a uma atividade fim — a prestação do serviço de transporte aéreo — e atuam coordenadamente, razão pela qual respondem em conjunto pela efetiva prevenção e reparação dos prejuízos materiais e morais decorrentes da inexecução ou execução imperfeita do contrato de transporte celebrado com seu destinatário final, qual seja, o passageiro/consumidor.

5. Presença de relação de consumo: Prevalência da Lei 8.078/90 sobre o Código Brasileiro de Aeronáutica.

Preliminarmente a qualquer outra colocação, diga-se que o contrato de transporte aéreo caracteriza típica relação de consumo.

Deveras, as companhias aéreas prestam serviço no mercado de consumo mediante remuneração, enquadrando-se perfeitamente na figura de fornecedor, preconizada pelo art. 3º do CDC.

Da mesma forma, os passageiros adquirentes dos bilhetes aéreos e usuários do serviço em testilha apresentam-se nitidamente como consumidores, consoante definição trazida no art. 2º do mesmo diploma legal.

Nem se diga que o contrato sob exame (transporte aéreo) é regulado, em todos os seus aspectos, por leis diversas, uma vez que o CDC, como norma de ordem pública que é, aplica-se a todas as relações de consumo.

Não obstante, oportuno fazer-se breve comentário acerca de sua interação com outros diplomas, no que tange ao transporte aéreo.

Antes da edição do Código de Defesa do Consumidor, vigorava a Lei 7.565/86, denominada Código Brasileiro de Aeronáutica, lei especial responsável pela regulação do transporte aéreo realizado dentro do território nacional.

Assim como a Convenção de Varsóvia, o Código Brasileiro de Aeronáutica – Lei 7565/86 – criou sistema de prefixação das perdas e danos derivadas da má prestação do serviço de transporte aéreo, estabelecendo valores indenizatórios máximos por danos causados a passageiro, bagagem de mão e carga nos seus arts. 257, 260 e 262.

Por outro lado, impôs às companhias aéreas o dever de prestar assistência material aos passageiros somente a partir da 4ª hora de atraso, nos termos dos seus arts. 230 e 231.

Percebe-se, portanto, que as regras de reparação dos prejuízos materiais e morais contempladas na Lei 7.585/86 são limitativas e não garantem ao passageiro o direito à reparação integral dos prejuízos que vier a experimentar nos casos de má prestação do serviço de transporte contratado.

Todavia, com a posterior edição do Código de Defesa do Consumidor, tais comandos passaram a não mais se harmonizar com a regra de prevenção e reparação integral dos danos materiais e morais decorrentes da má execução do contrato de transporte aéreo, direito básico do consumidor prescrito no art. 6º, VI, da Lei 8.078/90.

Muito embora regule especificamente o mercado de consumo, a Lei 8.078/90 pode – ou não – ser considerada especial. Tudo dependerá do referencial, ou seja, do paradigma de comparação1.

Em face do Código Civil não há dúvidas: o Código de Defesa do Consumidor constitui, sim, lei especial, já que impõe regras contratuais e extracontratuais aplicáveis apenas às pessoas que se enquadrem nos conceitos de fornecedor e consumidor conferidos por seus arts. 2º e 3º, conferindo tratamento desigual a situações desiguais em atenção ao princípio da igualdade material previsto no art. 5º, caput, da Constituição Federal.


Contudo, a mesma conclusão não pode ser tirada diante de legislação federal que trate especificamente de determinadas relações comerciais, a exemplo do que sucede nos contratos de transporte aéreo por meio do Código Brasileiro de Aeronáutica. Nesse caso, o Código de Defesa do Consumidor deve ser considerado lei geral.

Surge, com isso, conflito normativo entre lei infraconstitucional especial (Código Brasileiro de Aeronáutica) e lei geral infraconstitucional (Código de Defesa do Consumidor).

Num primeiro momento, tende-se a aceitar a tese de que a lei especial, ainda que anterior, prevalece diante da lei geral, já que lex posterior generalis non derrogat priori speciali, nos termos do art. 2º, parágrafo 2º, da Lei de Introdução ao Código Civil. Com base nesse raciocínio, as regras de limitação do valor de indenização previstas no Código Brasileiro de Aeronáutica prevaleceriam sobre as regras da indenização efetiva e integral prevista no Código de Defesa do Consumidor.

Todavia, esta não é a conclusão correta, já que a questão vai além da simples aplicação do critério da especialidade. Na verdade, o que se encontra neste debate é conflito normativo entre lei especial e Constituição Federal, já que a regulação conferida pela Lei 8.078/90 goza de lastro constitucional os arts. 5º, XXXII e 170, V, da CF/88, valores-fonte destinados à proteção do consumidor e do mercado.

A questão, portanto, não deve ser apreciada sob o prisma exclusivo da especialidade, já que o que se vislumbra é conflito entre os meta-critérios especialidade e hierarquia, caracterizadores de antinomia de segundo grau.

Norberto Bobbio, ao analisar a questão do conflito entre os critérios hierárquico e da especialidade, acena pela preponderância do critério hierárquico 2, não obstante o critério da especialidade também tenha lastro no princípio constitucional da igualdade material prescrito no art. 5º, caput, porquanto trata desigualmente pessoas desiguais.

O conflito entre estes critérios faz surgir o que Bobbio denominou lacuna ideológica ou de iure condendo, caracterizada pela ausência de norma justa3. Maria Helen Diniz afirma que nessa situação, tem-se ausência de norma justa, ou seja, “existe um preceito normativo, mas, se for aplicado, sua solução será insatisfatória ou injusta.”4.

E, segundo escólio destes renomados autores, havendo perplexidade acerca de qual norma aplicar, deve o interprete se valer do critério do justum ao fazer sua opção, ou seja, ao caso concreto deverá ser aplicada a norma mais justa para sua adequada regulação.

Suum cuique tribuere (dar a cada um o que é seu) e alterum non laedere (não lesar o próximo) constituem antigos princípios gerais do direito oriundos de Roma e servem perfeitamente para justificar a base da doutrina da responsabilidade civil integral.

Por sua vez, o art. 944 do Código Reale contempla tais princípios ao prescrever no seu caput que “a indenização mede-se pela extensão do dano”.

A prevenção efetiva dos danos materiais e morais, por sua vez, contempla o dever de cautela que incumbe a todo indivíduo, além de consistir direito básico do consumidor à luz do art. 6º, VI, da Lei 8.078/90.

Tais comandos bem demonstram a preocupação do legislador, desde os mais remotos tempos, de evitar danos e recompor integralmente o patrimônio do lesado nos casos em que for vítima de conduta danosa praticada por terceiro. Esta, segundo Rui Stoco, é a essência da responsabilidade civil: “toda reparação deve ser efetiva no sentido da restauração do estado anterior à lesão”2.

Por outro lado, forçoso reconhecer que as leis especiais têm por objetivo equalizar relações jurídicas de forma a restabelecer o equilíbrio entre partes que não detém a mesma força ou poderio econômico. José Geraldo Brito Filomeno, referindo-se à lição de Gerard Cas, afirma que por meio das regras especiais, o legislador procura proteger os mais fracos contra os mais poderosos, o leigo contra o melhor informado; os contratantes devem sempre curvar-se diante do que os juristas modernos chamam de ordem pública econômica2.

E é isso o que sucede nas relações de consumo. A preponderância do fornecedor em face do consumidor constitui a base do sistema de proteção da Lei 8.078/90 que, em razão de seu caráter social, regula a autonomia privada e as práticas comerciais através de normas de ordem pública que, em regra, não comportam relativização.

Desta forma, nada justifica afastar a incidência do Código de Defesa do Consumidor sobre os contratos de transporte aéreo, em especial os comandos que garante ao consumidor o direito à efetiva prevenção e reparação dos danos materiais e morais que vier a sofrer (art. 6º, VI), já que as regras especiais contidas no Código Brasileiro de Aeronáutica visam favorecer a parte mais forte, qual seja, as companhias aéreas, na contramão do princípio constitucional da igualdade material e das regras constitucionais de proteção ao consumidor (art. 5º, XXXII e 170, V).


Limitar o pleno e integral ressarcimento dos prejuízos materiais e morais experimentados pelo passageiro, ou ainda restringir a assistência a esse mesmo passageiro, consumidor à luz do art. 2º da lei 8.078/90, contemplará injustiça, sanável apenas através da aplicação dos comandos constitucionais e infraconstitucionais destinados à sua proteção.

Oportuna a lição da Professora Claudia Lima Marques2 que, ao discorrer sobre a aplicação irrestrita do CDC às relações de consumo e atentar para seu espírito eqüitativo, pontuou:

“Não deve surpreender, portanto, que o CDC tenha hierarquia superior, uma vez que todas as suas normas civis são de ordem pública (ex vi art. 1º), e de lei especial, pois está à procura da equidade, dom tratamento casuístico/tópico da justiça contratual, com calma e equilíbrio, não voltado para o igual geral, mas para o diferente.”

Prepondera, pois, o critério hierárquico para fazer prevalecer as normas de ordem pública e interesse social prescritas na Lei 8.078/90 e garantir ao consumidor ao direito básico de efetiva prevenção e reparação dos prejuízos que vier a sofrer, vedada qualquer cláusula contratual que atenue, limite ou exonere o fornecedor do dever de indenizar.

Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça tem decidido reiteradamente:

TRANSPORTE AÉREO. EXTRAVIO DE BAGAGEM (DANOS À BAGAGEM/DANOS À CARGA). INDENIZAÇÃO (RESPONSABILIDADE). CÓD. BRAS. DE AERONÁUTICA E CONV. DE VARSÓVIA/CÓD. DE DEF. DO CONSUMIDOR. 1. Segundo a orientação formada e adotada pela 3ª Turma do STJ, quando ali se ultimou o julgamento dos REsp’s 158.535 e 169.000 (sessão de 4.4), a responsabilidade do transportador não é limitada, em casos que tais. Código de Defesa do Consumidor, arts. 6º, VI, 14, 17, 25 e 51, § 1º, II. 2. Retificação de voto. 3. Recurso especial conhecido pelo dissídio mas desprovido. REsp 538685 / RO ; RECURSO ESPECIAL 2003/0036274-6, Ministro BARROS MONTEIRO, QUARTA TURMA, data do julgamento 25/11/2003, DJ 16.02.2004 p. 269.

CIVIL. TRANSPORTE AÉREO. CARGA. MERCADORIA. EXTRAVIO. TRANSPORTADOR. INDENIZAÇÃO INTEGRAL. CDC. APLICAÇÃO. CONVENÇÃO DE VARSÓVIA. AFASTAMENTO.

1 – A jurisprudência pacífica da Segunda Seção é no sentido de que o transportador aéreo, seja em viagem nacional ou internacional, responde (indenização integral) pelo extravio de bagagens e cargas, ainda que ausente acidente aéreo, mediante aplicação do Código de Defesa do Consumidor, desde que o evento tenha ocorrido na sua vigência, conforme sucede na espécie. Fica, portanto, afastada a incidência da Convenção de Varsóvia e, por via de conseqüência, a indenização tarifada.

2 – Recurso especial conhecido e provido para restabelecer a sentença.

REsp 552553 / RJ; RECURSO ESPECIAL 2003/0109312-3;

RESPONSABILIDADE CIVIL. EXTRAVIO DE MERCADORIA. INDENIZAÇÃO TARIFADA. MATÉRIA CONSTITUCIONAL. INADMISSIBILIDADE. CONVENÇÃO DE VARSÓVIA. INAPLICABILIDADE. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. VIGÊNCIA. I – Inadmissível na via do especial a apreciação de insurgência com fundamento constitucional, ainda que com intuito de prequestionamento. II – Consoante reiterados julgados das turmas que integram a Segunda Seção, a indenização tarifada prevista na Convenção de Varsóvia não é de observância obrigatória para fatos ocorridos após a edição do Código de Defesa do Consumidor, podendo ser considerada como mero parâmetro. Agravo interno improvido. AgRg no REsp 222657 / SP ; AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL 1999/0061737-1

Com efeito, a incidência do Código de Defesa do Consumidor nos contratos de transporte aéreo é inafastável. Seus comandos de ordem pública buscam garantir não só os direitos do passageiro de forma plena e efetiva como também garantir a salubridade do mercado concorrencial, que tem por princípio basilar o respeito aos direitos do consumidor (art. 170, V, CF/88), razão pela qual o dever de efetiva prevenção de danos aos passageiros, através de assistência material devida pelas companhias aéreas desde os primeiros momentos do atraso e não apenas a partir da 4ª hora de espera pelos passageiros, e a efetiva reparação integral dos prejuízos materiais e morais por eles experimentados, mostra-se medida de rigor.

6. Incidência do Código de Defesa do Consumidor nos contratos de transporte prestado pelas Companhias Aéreas e o direito básico à efetiva prevenção e reparação integral dos danos sofridos

As normas limitativas prescritas no Código Brasileiro de Aeronáutica não mais prevalecem desde o início da vigência do Código de Defesa do Consumidor. Editado em atenção ao comando constitucional do art. 5º, XXXII, da CF/88, que impõe ao Estado o dever de garantir e tutelar os direitos do consumidor por meio de cláusula pétrea, cuidou de editar normas de ordem pública destinadas a equalizar direitos e obrigações entre as partes contratantes que ostentassem condições econômicas e sociais díspares.


Dada à sua reconhecida vulnerabilidade (art. 4º, I, CDC), o consumidor mereceu especial proteção por meio de regras que coíbem civil, administrativa e penalmente práticas comerciais contrárias ao princípio da boa-fé, sem embargo da especial proteção contratual conferida, principalmente, pelo seu art. 51.

Dentre as regras protetivas, merecem destaque as que garantem ao consumidor o direito básico à efetiva prevenção e reparação integral dos danos materiais e morais que sofrer por conduta do fornecedor (art. 6º, VI), inclusive valendo-se de meios facilitadores do exercício do seu direito em juízo como a inversão do ônus da prova (art. 6º, VIII) e da desnecessidade de demonstração de culpa do fornecedor para ser indenizado por danos decorrentes do fato ou vício do produto ou serviço (arts. 12 e 18), porquanto responde objetivamente e solidariamente (arts. 7º, § único e 25, § 1º) pelos prejuízos que causar.

Efetiva será a conduta capaz de prevenir ou reparar integralmente o dano material experimentado pelo consumidor, restituindo-o ao seu status quo ante, e/ou apta a amenizar o sofrimento de quem experimentou dano moral, no exercício de sua função lenitiva.

O art. 25 da Lei 8.078/90, por sua vez, referenda a regra da indenização integral, ao proibir qualquer estipulação contratual destinada a atenuar, impossibilitar ou exonerar o fornecedor da obrigação de indenizar nas formas previstas na Lei 8.078/90. E havendo cláusula nesse sentido, será reputada nula nos expressos termos do seu art. 51, I.

Por sua vez, o contrato de transporte aéreo de pessoas, sem dúvida, constitui modalidade de relação de consumo. De um lado figura o passageiro que, na condição de destinatário final do serviço de transporte, subsume-se ao conceito de consumidor prescrito no art. 2º da Lei 8.078/90; do outro, a companhia aérea que, enquanto pessoa jurídica que promove comercialização de serviço de transporte, enquadra-se no conceito de fornecedor prescrito no art. 3º do mesmo diploma.

Por isso, as companhias aéreas submetem-se à regra prescrita no art. 22 da Lei 8.078/90, que determina às concessionárias de serviço público o dever de prestá-lo de forma adequada, eficiente e segura, sob pena de responder pelos prejuízos experimentados pelo consumidor no caso de não lhes proporcionar aquilo que legitimamente se esperou no momento da aquisição do bilhete aéreo, nos termos do parágrafo único do referido comando.

Conforme definições conferidas pelo dicionário HOUAISS, adequado será o serviço “que está em perfeita conformidade com os padrões normais e esperados de execução”. E será eficiente se “suas características ou qualidades criarem condições apropriadas ou ideais para a consecução de determinada finalidade (uma ação, um trabalho, uma operação etc.)”.

Todavia, não é isso que se tem visto nos aeroportos. Ao descumprirem os horários prometidos quando da celebração do contrato de transporte, as empresas aéreas frustram a legítima expectativa dos consumidores/passageiros de empreenderem viagem no tempo e horário prometidos, que são constrangidos a aguardar por longas horas a saída, a qualquer momento, dos vôos contratados, quando não são sumariamente cancelados.

Por conseqüência da violação ao dever de eficiência e adequação, os consumidores passaram a ficar desprovidos dos insumos mínimos para, ao menos, tornar o período de espera menos cansativo, desgastante e, sobretudo, indigno. Não recebem qualquer assistência material (v.g. alimentação, telefones para contato) e tampouco recebem informações de pessoal treinado pelas companhias aéreas e pelas autoridades aeroportuárias, não obstante se tratar de obrigação imposta não só pelo art. 6º, III, da Lei 8.078/90 (direito básico à informação) mas também pela Instrução Normativa de Aviação Civil n.º 2203-0399, que estabelece como premissa básica da prestação do serviço o direito do passageiro à informação precisa sobre os serviços que a ele são oferecidos (vide item 1.1 da Instrução Normativa – Anexo VI).

Muitos são os relatos no sentido de que os atendentes das companhias aéreas não se apresentam para organizar filas, locais de espera e informar sobre horários de partida e chegada dos vôos, bem como sobre o tempo de espera.

São muitos, também, os que estão desprovidos de qualquer reparação civil dos prejuízos materiais e morais que se consumaram por força dos atrasos e cancelamento. Perderam compromissos, oportunidades de emprego, tratamentos médicos, negócios, efetivaram gastos com alimentação, ligações telefônicas, transporte e hospedagem, enfim, um sem número de situações que ensejaram ressentimentos patrimoniais a título de lucros cessantes, danos emergentes e morais.

Evidente, portanto, que as empresas aéreas vêm descumprindo o dever de prestação de serviços adequados, seguros e eficientes prescrito no art. 22 da Lei 8.078/90, cuja inexecução (cancelamento) ou execução imperfeita (atraso) ensejam o dever de prevenção e reparação dos prejuízos materiais e morais que se consumaram ou que poderão advir.


7. Da responsabilidade solidária entre a União (poder concedente), ANAC (outorgante) e as empresas aéreas na prevenção e reparação dos danos experimentados pelos consumidores

Ao lado das empresas aéreas, a União e a Agência Nacional de Aviação Civil – ANAC – respondem solidariamente pelos prejuízos materiais e morais suportados pelos passageiros, por duas razões basicamente: a primeira delas é de a que todos são integrantes de um sistema destinado a uma atividade fim que vem sendo executada precariamente e em desconformidade com inúmeros dispositivos da Lei 8.078/90 (notadamente o art. 22) – o serviço de transporte aéreo endereçado ao consumidor; a segunda, diz respeito ao fato de que todas elas, em suas respectivas esferas de deveres e atribuições, praticaram, ou deixaram de praticar, atos que geraram os danos causados aos consumidores.

Nos termos do art. 22, XII, letra “c”, da CF/88, à União compete a exploração, de forma direta ou sob o regime de concessão, autorização ou permissão, da navegação aérea, aeroespacial e a infra-estrutura aeroportuária.

Tal competência foi delegada pela União à ANAC – Agência Nacional de Aviação Civil, por força do que expressamente determina o art. 2º da Lei 11.182/05.

As empresas aéreas, por sua vez, atuam no mercado sob o regime da concessão. E enquanto concessionárias, respondem ao lado do poder concedente em razão de danos provocados por má prestação dos serviços. Nesse sentido, confira-se os arts. 7º, § único e 22, caput e parágrafo único da Lei 8.078/90:

Art. 7° Os direitos previstos neste código não excluem outros decorrentes de tratados ou convenções internacionais de que o Brasil seja signatário, da legislação interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas competentes, bem como dos que derivem dos princípios gerais do direito, analogia, costumes e eqüidade.

Parágrafo único. Tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo.

Art. 22: Os órgãos públicos, por si ou sua empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos

Parágrafo único: Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste Código.

A solidariedade, no âmbito do contrato de transporte aéreo, justifica-se pelo fato de todos os seus atores atuarem coordenadamente com o escopo de proporcionar ao passageiro seu deslocamento de acordo com os horários de saída e chegada pactuados. Vale dizer: União, ANAC e companhias aéreas integram um mesmo sistema e atuam coordenadamente no sentido de desempenhar uma única atividade fim: a prestação adequada e eficiente do serviço de transporte aéreo que tem por destinatário o consumidor.

Tanto a União (poder concedente) como a ANAC e as empresas (concessionárias) participam diretamente na prestação do serviço público de navegação aérea. Enquanto às empresas incumbe o dever de realizar o transporte com obediência ao horário e itinerário estampados no bilhete de passagem, ao poder público incumbe organizar o espaço aéreo nacional e proporcionar condições técnicas para que o serviço seja prestado de forma ordenada e eficiente.

Tais tarefas estão umbilicalmente ligadas e, portanto, fazem parte de um único contrato de prestação de serviços, de forma que havendo falha de um ou outro, pouco importa ao consumidor, que poderá demandar por seus prejuízos em face de todos estes atores do setor aéreo, haja vista a solidariedade imposta pelos arts. 7º, § único e 22, § único, da Lei 8.078/90.

Por estas razões é que o pleito de assistência material e informativa durante os atrasos e cancelamentos, bem como a pretensão indenizatória acerca dos prejuízos materiais e morais experimentados pelos consumidores é endereçado tanto em face das companhias aéreas como em face da União e da ANAC. Todos, enquanto partícipes da prestação de serviço de transporte aéreo que tem se mostrado inadequado e ineficiente, devem responder pelos prejuízos sofridos pelos passageiros que vêm sendo constrangidos pela absoluta desordem nos aeroportos nacionais.

Por outro lado, a responsabilidade civil por vício na prestação de serviços é objetiva e, portanto, prescinde da análise de culpa, nos termos do art. 14 da Lei 8.078/90. Funda-se, segundo Zelmo Denari, na teoria do risco administrativo1, onde o poder concedente responde ao lado do concessionário por ele eleito pelos danos decorrentes da má prestação do serviço público.


A mesma regra vem repetida no art. 37, parágrafo 6º, da CF/88, ao estabelecer que “as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”.

Por estas razões, a todos os integrantes do sistema de prestação de serviços de transporte aéreo incumbe o dever de prestar assistência material e informativa e de indenizar, solidariamente, os prejuízos experimentados pelos consumidores vítima de atraso ou cancelamento dos vôos que contrataram. E a prevenção e reparação destes danos deve ser efetiva e integral nos termos do art. 6º, VI da Lei 8.078/90 que, conforme visto, prevalece sobre os revogados arts. 230, 231, 257, 260 e 262 do Código Brasileiro de Aeronáutica.

7. Além da responsabilidade objetiva: a negligência das rés

Diante da crise aérea, surge a óbvia conclusão de que a simples existência do chamado “apagão aéreo” atesta a falta de estrutura e capacidade das rés para execução de seus misteres fazendo-lhes incidir as normas de responsabilidade civil objetiva e solidária do CDC.

É oportuno dizer, no entanto, que ainda que não fosse considerada a responsabilidade objetiva das rés, constataría-se, com certa facilidade, sua notável culpa na concretização dos danos.

A crise do sistema (controle de tráfego, estrutura aeroportuária etc.) pode ser atribuída, em menor ou maior grau, a todos os atores que concorrem para a prestação do serviço de aviação civil.

Mesmo as companhias aéreas, que tanto invocam excludentes de responsabilidade por conta de falhas alheias à sua vontade, concorrem diretamente para os problemas de infra-estrutura.

Veja-se.

Aponta-se, em primeiro lugar, as resoluções apresentadas pelo Conselho Nacional de Aviação Civil (CONAC) em 2003, que recomendavam medidas para o crescimento sustentável do setor de aviação civil. Estatísticas apontam que o transporte aéreo cresce a taxas bem altas desde 2003 (12% em 2004, 19,5% em 2005, e 13% em 2006), porcentagem bastante superior àquela à qual cresce a economia nacional. Dessa maneira, a prática das resoluções do CONAC se faziam tão urgentes na época em que foram divulgadas como se fazem agora.

A resolução 15, por exemplo, determinava a necessidade de se elevar o número de controladores de vôo, em vista do aumento da demanda por transporte aéreo. O número recomendado internacionalmente de aeronaves com que cada controlador deve operar é 14, enquanto os controladores brasileiros operavam com até 22 aeronaves simultaneamente.

Diante disso, as rés União e ANAC nada fizeram e as companhias aéreas, conhecedoras do sistema foram pressionando, ampliando e intensificando a demanda do transporte aéreo.

Recentemente, os documentos e provas mais contundentes sobre as causas da crise foram produzidos pelo Tribunal de Contas da União.

Trata-se do Relatório de Levantamento de Auditoria realizado no Ministério da Defesa, Comando da Aeronáutica, Empresa Brasileira de Infra-estrutura Aeroportuária – Infraero e Agência Nacional de Aviação – ANAC promovido pelo Tribunal de Contas da União (TC-026.789/2006-7- Relatório da auditória e acórdão anexos – doc. ).

Referido expediente foi instaurado no dia 17/11/2006 (Portaria de Fiscalização 1541, de 17/11/2006, alterada pela Portaria 1561, de 24/11/2006) e tem como objetivo, segundo as próprias palavras de seu Ministro Relator “avaliar a situação do controle do tráfego aéreo no país e subsidiar eventual trabalho de fiscalização, na modalidade de auditoria de natureza operacional, a ser efetuado pelo Tribunal”.

Após conclusão dos trabalhos de auditoria, com o levantamento de inúmeros documentos e a elaboração de um relatório técnico, as questões foram submetidas ao plenário, com a apresentação do voto do relator. O acórdão, com suas recomendações aos envolvidos e o relatório da auditoria foram aprovados.

As conclusões da auditoria são perturbadoras e corroboram muitas informações que acabaram irrompendo nos meios de comunicação nos últimos meses.

Merece destaque o patente descaso das rés União e ANAC com a coordenação, manutenção e ampliação do Sistema de Controle de Tráfego aéreo, bem como da infra-estrutura aeroportuária.

Os dados e documentos trazidos pelos técnicos do TCU apontam inexoravelmente para negligência (e até imperícia) das rés na gestão da aviação civil do país.

Veja-se as contundentes conclusões do Ministro relator em seu voto:

45. Diante da miríade de informações trazidas ao conhecimento desta Corte de Contas por meio da auditoria, é possível asseverar, em resumo, que a crise vivenciada atualmente, que teve como estopim o infortúno relativo à tragédia da colisão aérea ocorrida em setembro último, não foi obra do acaso, mas dificuldades de gestão para prover adequadamente o Sistema de Controle do Espaço Aéreo Brasileiro. O chamado “apagão aéreo” nada mais é do que uma sucessão de equívocos quanto aos cortes nas propostas orçamentárias elaboradas pelo DECEA, contingenciamento de recursos para o setor, indolência em relação às necessidades de expansão e modernização do SISCEAB e quanto à ineficiente política de alocação de recursos humanos.


46. A crise por que passa o setor e que ora ressoa às portas do Poder Executivo foi anunciada com bastante antecedência pelas autoridades aeronáuticas, como faz prova os inúmeros alertas técnicos encaminhados pelo DECEA ao COMAER e sobre os quais tomou ciência o Ministério do Planejamento e a Casa Civil da Presidência da República, não dando oportuna guarida aos referidos alertas.

47. Nesse diapasão, cumpre registrar o modo como foram tratadas, pelos agentes governamentais, as questões referentes ao contingenciamento e à necessidade de recursos para o controle do tráfego aéreo, ou seja, com certo descaso por parte do Poder Público.

48. Por esse prisma, depreende-se do Relatório oferecido pela equipe técnica que as autoridades envolvidas no contingenciamento agiram de forma pouco diligente, visto que se cuida de assunto relativo à segurança do usuário do transporte aéreo. Nada justifica o ocorrido. O Governo Federal deve perceber que não pode efetuar limitações orçamentárias lineares, cortando propostas orçamentárias e contingenciando recursos de modo uniforme, sem atentar para a importância estratégica e operacional de cada setor ou ação governamental.

Tanto o relatório quanto o acórdão acabam por atribuir responsabilidades aos réus (inclusive as companhias aéreas) pelo “apagão aéreo”. Oportuno destacar as seguintes ações e omissões constatadas e relatadas pela equipe técnica do TCU:

UNIÃO

Falta de elaboração de políticas públicas eficientes para o setor;descompasso entre o crescimento da demanda por vôos e a capacidade técnica do controle de tráfego aéreo do país – falta de equipamentos e controladores; coordenação das atividades dos órgãos do sistema realizada de forma deficiente;

falta de qualquer aporte de recursos pelo Tesouro Nacional, consistindo o custeio do Sistema de Controle do Espaço Aéreo Brasileiro exclusivamente na arrecadação de tarifas; omissão do Comando da aeronáutica, responsável pela coordenação e alocação dos recursos do sistema, na apuração de repasse a menor operado pela Infraero dos valores tarifários (em 6 anos, 582 milhões a menos!);

As propostas orçamentárias apresentadas pelo DECEA para as ações referentes ao SISCEAB, para os anos de 2004 a 2007 (que refletem, a rigor, as necessidades do sistema), foram severamente reduzidas pelo Comando da Aeronáutica, que procurou adequar os recursos às previsões entradas das tarifas (TAN, TAT e ATAERO).

O déficit para os anos de 2004, 2005, 2006 e 2007 é da ordem de R$ 590 milhões;

DECEA já vinha informando o Comando da Aeronáutica da possibilidade de colapso do Sistema desde 2003;

Contingenciamento dos recursos já defasados aprovados pelo Comando da Aeronáutica (59 milhões, além da redução do que foi solicitado pelo DECEA, para 2005);

Diminuição do número de vagas para controladores de vôos em 2005 e 2006, com o estarrecedora constatação de que não se realizou concurso autorizado pela Ministério do Planejamento, que poderia ter resultado na admissão de mais 64 controladores;

ANAC

1) outorgas de linhas aéreas com indícios de ausência de consulta aos outros órgãos do sistema (DECEA, Infraero);

3) falta de diligência na concessão ou alteração de horários de vôos, sem a devida instrução e consulta aos órgãos competentes.

COMPANHIAS AÉREAS

Inadimplência no pagamento de tarifas cujos recursos seriam utlizados na manutenção e modernização do sistema (rombo da ordem de R$1,5 bilhão.

Vê-se, então, que mesmo sob hipotética tese de responsabilidade subjetiva (que não se aplica ao caso, repita-se) às rés não assistiria melhor sorte.

Inafastável, portanto, sua responsabilidade nos termos da presente inicial.

9. Natureza jurídica do contrato de transporte. Obrigação de resultado e prevalência do Código Civil de 2002 sobre o Código Brasileiro de Aeronáutica

Ao lado da expressa revogação imposta pelo Código de Defesa do Consumidor, há que registrar ainda que, nos termos do art. 730 do Código Civil, “o contrato de transporte é aquele pelo qual alguém se obriga, mediante retribuição, a transportar, de um lugar para outro, pessoas ou coisas”.

Trata-se de contrato bilateral, oneroso, comutativo, consensual e, o mais importante, impõe ao transportador obrigação de resultado materializada pelo dever, imposto pelo art. 737 do CC, de observar os horários e itinerários contratados, sob pena de responder por perdas e danos, salvo motivo de força maior. Vale dizer: o transportador se obriga a alcançar objetivo certo: cumprir os horários de partida e de chegada contratados, sob pena de ser responsabilizado pelos danos experimentados pelo passageiro, não se tolerando, destarte, atrasos.


Nos expressos termos do art. 732 da lei civil, os preceitos contidos em lei especial somente são aplicáveis aos contratos de transporte desde que cabíveis e quando não contrariarem as disposições contidas no Código Civil

Por esta razão, o comando do art. 737 do Código Civil prevalece sobre os arts. 257, 260 e 262 do Código Brasileiro de Aeronáutica, responsáveis pela prefixação das perdas e danos, bem como sobre os arts. 230 e 231 do Código Brasileiro de Aeronáutica, que estabelecem o limite de tolerância de 4 (quatro) horas de atraso para que as companhias aéreas sejam obrigadas a prestar amparo material aos passageiros.

Com efeito, havendo atraso ou cancelamento de vôo, o transportador incidirá em mora desde os seus primeiros minutos e não somente após a 4ª hora a contar do horário de partida indicado no bilhete, conforme rezavam os revogados arts. 2303 e 2313 do Código Brasileiro de Aeronáutica. Nessas condições, a ele incumbe o dever de prestar não só informações claras e precisas sobre o tempo de atraso, como também a providenciar, desde logo, assistência material aos passageiros. Estes cumpriram o dever que lhes incumbia – pagar o elevado preço do transporte – e por esta razão têm legitimidade para reclamar, desde o início do atraso, o pagamento de despesas com alimentação e comunicação telefônica enquanto aguardam a saída do vôo contratado, bem como das despesas de transporte e hospedagem em razão de cancelamento ou atraso prolongado.

Da mesma forma, incumbe ao transportador em mora o dever de reparar integralmente os danos materiais e morais experimentados pelos passageiros, uma vez que a regra do art. 737 do Código Civil, que prevalece sobre os arts. 257, 260 e 262 do Código Brasileiro de Aeronáutica, não estabelece limite quantitativo à pretensão indenizatória.

Resta evidente, portanto, que o dever de reparação dos danos materiais e morais, bem como de acesso assistência material e informativa devido aos passageiros surge, nos termos do art. 732 e 737 do Código Civil, a partir do momento em que o horário indicado na passagem for descumprido pela companhia aérea e não só após a 4ª hora de atraso, sendo inaplicáveis à espécie as disposições em sentido contrário constantes do Código Brasileiro de Aeronáutica, porquanto revogados pela novel legislação civil que disciplina o contrato de transporte.

9. Do Pedido: Das providências necessárias à efetiva prevenção e reparação integral dos danos experimentados pelos consumidores

Diante de todo o exposto, impõe-se a imediata intervenção do Poder Judiciário com o escopo de respaldar os milhares de consumidores que, no “jogo de empurra” travado entre Poder Público e empresas aéreas, têm sido tratados de forma manifestamente indigna nos aeroportos brasileiros.

Enquanto titulares do direito básico de efetiva prevenção e reparação dos danos patrimoniais e morais que sofrerem em razão da má prestação do serviço de transporte aéreo (art. 6, IV), fazem jus a um tratamento digno e adequado, já que pagam elevadas quantias por um meio de transporte presumidamente mais célere e organizado.

Com base no pressuposto da inaplicabilidade das regras limitativas prescritas no Código Brasileiro de Aeronáutica e com o escopo de prevenir e reparar integralmente os danos materiais e morais experimentados pelos consumidores, urge a adoção de providências destinadas à prevenção e à reparação dos danos materiais sofridos pelos passageiros.

10. Pedido de liminar

O período de final de ano é marcado pelo grande fluxo de passageiros nos terminais aéreos de todo o país. Este grande movimento perdura durante todas as férias de verão, estendendo-se até o carnaval, ou seja, até o final do mês de fevereiro/07.

Sem dúvida, durante este período e considerando as declarações prestadas pelo presidente da ANAC no sentido de que haveria expectativa de normalização do setor aéreo somente a partir de março/07, muitos passageiros sofrerão todos os constrangimentos narrados nesta petição inicial em virtude de atrasos e cancelamentos de vôos.

Diante deste quadro, urge a imediata intervenção do Poder Judiciário a fim de impor às rés, desde logo, o dever de ASSISTÊNCIA MATERIAL E INFORMATIVA a estes passageiros, nos moldes do que dispõe o art. 6º, VI, do Código de Defesa do Consumidor, com o escopo de prevenir a consumação de danos materiais.

Ante o exposto, com lastro no art. 84, parágrafo 3º, da Lei 8.078/90, requer-se a concessão de LIMINAR a fim de impor às rés, desde logo, as seguintes obrigações de fazer:

10.1. MEDIDAS DESTINADAS À PREVENÇÃO DE DANOS – DEVER DE ASSISTÊNCIA INFORMATIVA E MATERIAL

A – Quanto ao dever de INFORMAÇÃO

I – Às empresas aéreas caberá:

I.1) Informar os passageiros, com antecedência e por telefone, da ocorrência do atraso e a que horas o vôo irá partir, a fim de evitar seu deslocamento desnecessário às dependências do aeroporto e, consequentemente, impedir o acúmulo de pessoas no aeroporto que tanto desconforto tem proporcionado aos consumidores;

I. 2) Acaso não se consiga evitar o comparecimento do consumidor, incumbirá às empresas aéreas o dever de disponibilizar pessoal treinado em número suficiente para alertar sobre os atrasos de vôo e horário previsto para sua saída, que deverão ser espalhados pelo aeroporto e também posicionados na entrada do setor de embarque, a fim de evitar o indesejado confinamento dos passageiros naquele local, de pequenas proporções.

II – À ANAC caberá:

II. 1) Disponibilizar pessoal em número suficiente para alertar sobre os atrasos de vôo e horário previsto para sua saída, espalhados pelo aeroporto e também posicionados na entrada do setor de embarque, a fim de evitar o confinamento dos passageiros naquele lugar;

II. 2) Disponibilizar informações claras, precisas e em língua nacional nos painéis eletrônicos dos atrasos de vôo e horário previsto para sua saída

B -Quanto ao dever das companhias aéreas de prestar ASSISTÊNCIA MATERIAL

1) ALIMENTAÇÃO: A partir da primeira ½ (meia) hora de atraso, caberá às empresas aéreas fornecer aos passageiros submetidos à espera alimentação in natura, por exemplo, por meio do fornecimento de lanches ou congêneres, inclusive dentro da área de embarque. Com isso, evitar-se-á a formação de filas nas lanchonetes existentes nos aeroportos que, certamente, não comportarão toda a demanda.

2) LIGAÇÕES TELEFÔNICAS: Para que os passageiros possam informar o atraso a quem lhes interessar, caberá às empresas aéreas disponibilizar linhas telefônicas ou cartões telefônicos gratuitos para a realização das chamadas a partir da primeira ½ (meia) hora de atraso, inclusive dentro da área de embarque;

3) TRANSPORTE E HOSPEDAGEM: Nos casos de atrasos superiores a 4 horas, incumbirá às companhias aéreas disponibilizar, gratuitamente e independente do horário do vôo, traslado aeroporto-hotel-aeroporto e estadia aos passageiros submetidos à espera, desde que o consumidor não opte por aguardar nas dependências do aeroporto para embarque em outra aeronave.

4) DEVOLUÇÃO DO VALOR DO BILHETE. Se assim desejar, o consumidor poderá reclamar a devolução imediata e em dinheiro do valor integral da passagem aérea, independente da forma de pagamento e do tipo de tarifa/bilhete vendido.

Outrossim, para o caso de descumprimento do determinado, requer-se a fixação de multa diária no importe equivalente a R$ 1.000,00 (mil reais) por passageiro, a fim de assegurar a efetividade da medida pleiteada.

11. Do pedido principal

11.a. MEDIDAS DESTINADAS À EFETIVA PREVENÇÃO DOS DANOS MATERIAIS

Na esteira do que foi argumentado no item “10 “, impõe-se tornar definitiva a liminar nos exatos termos ali pleiteados, com o escopo de oportunizar aos passageiros submetidos a atrasos e cancelamento de vôos adequada assistência durante o período de espera e, com isso, prevenir danos materiais decorrentes de despesas com alimentação, ligações telefônicas, transporte, hospedagem e valor da passagem aérea.

11.b. MEDIDAS DESTINADAS À REPARAÇÃO INTEGRAL E EFETIVA DOS DANOS MATERIAIS E MORAIS (RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA ENTRE UNIÃO, ANAC E EMPRESAS AÉREAS)

Nos termos do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor, os fornecedores de serviços respondem objetivamente pelos prejuízos materiais e morais experimentados pelos consumidores na hipótese de má prestação de serviços, norma repetida pelo art. 37, parágrafo 6º da Constituição Federal aplicável às pessoas jurídicas de Direito Público. E, conforme analisado no item “7“ supra, há responsabilidade solidária entre União, ANAC e empresas aéreas pela reparação dos referidos danos, haja vista a normas insertas nos arts. 7º, § único e 22, § único, da Lei 8.078/90.

Os danos materiais consistem em despesas, lucros cessantes e danos emergentes que venham a ser comprovados pelos passageiros através de habilitação nos autos da presente ação civil pública.

Por outro lado, é inconteste a ocorrência de danos morais passíveis de indenização. Os atrasos e cancelamento de vôos ofenderam uma série de direitos da personalidade dos consumidores (dignidade, honra, imagem etc), o que enseja reparação a título de ano moral nos termos do art. 5, X, da CF/88. Enfrentaram desgaste físico e psíquico anormal, além de terem sido submetidos a condições indignas de tratamento, notadamente quando constrangidos a aguardar indefinidamente a saída de vôos nas salas de embarque e até mesmo no interior das aeronaves.

Sem dúvida, os fatos acima relatados não configuram mero aborrecimento, situação comum do quotidiano, mas de um transtorno enfrentado pelo passageiro que alterou todos os seus planos, causando-lhe grande desconforto e horas de desassossego, visto que dependeu de um serviço absolutamente mal prestado, cuja explicação nunca lhe foi fornecida.

Posto isso, impõe-se a condenação de cada empresa aérea, solidariamente à União e à ANAC, ao pagamento de indenização a título de danos materiais e morais que forem comprovados pelos passageiros em fase de liquidação de sentença, nos termos do art. 97 e seguintes da Lei 8.078/90.

13. Requerimentos finais

Posto isso, requer-se de V. Exa.:

a) Nos termos do art. 84, parágrafo 3º da Lei 8.078/90, a concessão de MEDIDA LIMINAR destinada a impor às companhias aéreas demandadas o dever de prestar assistência material e informativa aos passageiros nos termos colocados no item “10” supra, medida necessária à prevenção efetiva de danos materiais, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00 (mil reais) por passageiro não assistido;

b) Deferida a liminar, a transmissão, via fax, da decisão aos réus, para que desde logo a cumpram, tendo em vista a proximidade das festividades de final de ano (natal e ano novo);

c) A citação dos réus para que, querendo, respondam à presente ação;

d) Ao final, a procedência da ação para o fim de:

1) Impor às empresas aéreas o permanente dever de assistência material e informativa, com base nos termos do item “10” e “11.a” supra, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00 por passageiro na hipótese de descumprimento;

2) Nos termos do art. 95 da Lei 8.078/90, condenar solidariamente os réus à reparação integral e efetiva dos danos materiais e morais experimentados pelos consumidores decorrentes dos atrasos ou cancelamento de vôos, que deverão ser objeto de liquidação em momento oportuno, nos moldes do art. 97 do mesmo diploma legal.

3) a condenação dos réus ao pagamento das custas processuais, com as devidas atualizações monetárias;

e) a dispensa do pagamento de custas, emolumentos e outros encargos, desde logo, em face do previsto no artigo 18 da Lei nº 7347/85 e do art. 87 da Lei 8078/90;

f) a publicação de edital no DJU, nos termos do art. 94 do CDC;

g) Seja deferida a inversão do ônus da prova em favor da coletividade de consumidores substituídos pelos autores, nos termos do art. 6º, VIII do CDC;

i) A intimação do Ministério Público para todos os atos a serem praticados na presente ação;

Protestam provar o alegado por todos os meios de prova em direito admitidos.

Dá-se à causa o valor de R$ 10.000,00.

Nestes termos

P. Deferimento.

São Paulo, 18 de dezembro de 2006

Patrícia de Oliveira Garcia Ribeiro Machado

Procuradora do Estado

OAB/SP 103.127

Paula Cristina Rigueiro Barbosa Engler Pinto

Procuradora do Estado

OAB/SP 127 158

Valter Farid Antonio Junior

Procurador do Estado

OAB/SP 146.249

Marli Aparecida Sampaio

Diretora Executiva Fundação PROCON/SP

Paulo Ferreira Pacini

OAB/SP 198 282

IDEC

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