Mal-feito legislativo

Supremo invalida reajuste de 91% no salário dos parlamentares

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19 de dezembro de 2006, 10h58

Deputados e senadores não vão receber o reajuste auto-concedido de 91%, que passava seus vencimentos de R$ 12,8 mil para R$ 24,5 mil. O Supremo Tribunal Federal concedeu liminar em Mandado de Segurança que impede o Congresso de adotar qualquer medida e suspende os efeitos de medidas já adotadas com base no Decreto Legislativo 444/2002. O Mandado de Segurança foi pedido pelos deputados Raul Jungman (PMDB-PE), Fernando Gabeira (PV-RJ) e Carlos Sampaio (PSDB-SP).

O Decreto Legislativo 444 fundamentou a decisão das mesas diretoras do Senado e da Câmara que concedeu o aumento de 91% a senadores e deputados. Antes, na manhã desta terça-feira, o Supremo já havia decidido que o DL 444 já havia sido revogado pela Emenda Constitucional 41 de 2003. Com base nesse entendimento, considerou extinta a Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pelo PPS contra a medida das mesas que concedeu o aumento, por perda de objeto.

Para o ministro Sepúlveda Pertence, o aumento só poderia ser concedido por decreto legislativo aprovado pelo plenário do Senado e da Câmara e não pelas mesas diretoras das duas casas, como foi feito.

Ao proclamar a decisão, a presidente da corte ministra Ellen Gracie declarou que se quiser reajustar o salário, o Congresso precisa fazer por meio de regra específica, aprovada pelo plenário das duas casas legislativas e não por meio das mesas diretoras.

A Ação Direta de Inconstitucionalidade foi proposta pelo PPS. O partido pediu a declaração de inconstitucionalidade do Decreto 444. O dispositivo autorizava as mesas diretoras das Casas Legislativas a fixar subsídios para os parlamentares. Além disso, a legenda questionava a necessidade de aprovação do reajuste pelo plenário das casas.

A corrente vencedora, liderada pelo ministro Marco Aurélio, concluiu que o decreto atacado já não tem validade desde 2003, com a entrada em vigor da Emenda Constitucional 41. Para o ministro, “este decreto não tem a menor concreção. Ficou há muito superado”. O decano da corte, ministro Sepúlveda Pertence complementou dizendo que o decreto legislativo morreu de inanição.

Os dois ministros foram acompanhados por Ellen Gracie, Gilmar Mendes, Cezar Peluso e Joaquim Barbosa. Eles decidiram arquivar a ADI, uma vez que contesta decreto já revogado.

Os ministros Carlos Ayres Britto, Cármen Lúcia, Eros Grau e Ricardo Lewandowski se basearam em outro argumento para dizer que o reajuste é inconstitucional.

Em seu voto, Lewandowski disse que o regimento interno da Câmara e do Senado não traz nenhuma menção à possibilidade de as mesas diretoras fixarem subsídios. Além disso, citou outros dispositivos da Constituição que impedem a iniciativa dos parlamentares. “A Constituição é clara afastando ato genérico das mesas diretoras”.

O ministro Celso de Melo não participou da sessão.

Leia íntegra do voto da ministra Cármem Lúcia

TRIBUNAL PLENO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3833 — DISTRITO FEDERAL

VOTO

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA

Senhora Presidente,

Estudei a petição da ação apresentada – e amplamente veiculada ontem à noite em diversos sítios jurídicos – e tenho as seguintes ponderações a fazer para fundamentar o meu voto.Competência do STF para processar e julgar a ação.

1. Começo por lembrar, Senhora Presidente, Senhores Ministros, que o que primeiro chama a atenção ao apreciar a ação proposta é a possibilidade constitucional desta Casa conhecer e julgar a matéria posta em exame.

Poder-se-ia cogitar de não ser possível, constitucionalmente, o conhecimento da presente ação em razão de ser o tema nela cuidado afetado aos cuidados normativos primários do Congresso Nacional. Afinal, o ato normativo em exame cuida da remuneração dos próprios membros do Congresso Nacional. Poder-se-ia cogitar ser essa matéria eminentemente política e, por isso, insujeita à sindicabilidade judicial.

O debate que se travou sobre a extensão da competência do Supremo Tribunal para julgar atos dos poderes chamados políticos é antiga. Em 1915, o Ministro Pedro Lessa, em obra clássica, tentava responder “que é uma questão política?” Afirmava ele que:

“Sem um conceito preciso e claro acerca da natureza da política, é impossível determinar até onde se estende a atividade do poder judiciário no regime federativo, ou quais os limites do domínio desse poder.” Lembrava ele que “já nos seus primeiros anos incorria a Corte Suprema na tacha de proferir decisões políticas. As sentenças de Marshall, ditadas pelo pensamento de dar maior expansão às atribuições dos poderes federais levantaram contra aquele tribunal as mais veementes acusações. Ainda há poucos anos, no começo deste século, julgou a Corte Suprema nove litígios, que, agrupados sob a denominação comum de Casos Insulares, ofereceram novo ensejo á argüição de que o poder judiciário mais uma vez se envolvia na decisão de questões políticas, estranhas à sua esfera. … A pecha de sentenças fundadas em motivos políticos e proferidas sobre assuntos políticos, é impossível muitas vezes evitar às decisões que, declarando-os inconstitucionais, julgam inválidos e inexeqüíveis atos da legislatura ou do poder executivo. Na verdade, esta função, que ninguém recusa à Corte Suprema, não só nos Estados Unidos, como nos países que lhes imitaram as instituições… infunde a esse órgão do poder judiciário um inegável caráter político… Para se furtar à competência do poder judiciário, não basta que uma questão ofereça aspectos políticos, ou seja suscetível de efeitos políticos. É necessário que seja simplesmente, puramente, meramente política” (LESSA, Pedro – Do Poder Judiciário. Rio de Janeiro, Livraria Francisco Alves, 1915, ps. 54 e segs.”

E aquele autor chama a lição incontrastável de Ruy, segundo o qual “acabemos, pois, de uma vez com o equívoco, definindo (que)… uma questão pode ser distintamente política, altamente política, segundo alguns, até puramente política, fora dos domínios da justiça, e, contudo, em revestindo a forma de um pleito, estar na competência dos tribunais, desde que o ato, executivo ou legislativo, contra o qual se demande, fira a Constituição, lesando ou negando um direito nela consagrado. … Noutras palavras: a violação de garantias constitucionais, perpetrada à sombra de funções políticas, não é imune à ação dos tribunais. A estes compete sempre verificar se a atribuição política, invocada pelo excepcionante, abrange nos seus limites a faculdade exercida. Em substância — acrescenta, ainda, Pedro Lessa à lição de Ruy — exercendo atribuições políticas e tomando resoluções políticas, move-se o poder legislativo num vasto domínio, que tem como limites um círculo de extenso diâmetro, que é a Constituição Federal. Enquanto não transpõe essa periferia, o Congresso elabora medidas e normas que escapam à competência do poder judiciário. Desde que ultrapasse a circunferência, os seus atos estão sujeitos ao julgamento do poder judiciário, que, declarando-os inaplicáveis por ofensivos a direitos, lhes tira toda a eficácia jurídica” (idem, ibidem).

A partir daquelas lições, que datam de quase cem anos, e que tem como autor um dos maiores juízes que passaram por este Supremo Tribunal Federal, concluo, Senhora Presidente, que está no rol dos deveres constitucionais desta Casa conhecer e apreciar a validade do Decreto Legislativo 444/2002, na forma postulada na ação ajuizada.

Da equiparação vedada constitucionalmente

2. Conforme posto na peça inicial da ação, o Decreto Legislativo n. 444/2002, estabelece, em seu art. 1º, a equiparação, vedada pela Constituição, de remuneração entre aquela que é devida aos membros do Congresso Nacional e aquel´outra, devida, a qualquer título, ao Ministro do Supremo Tribunal Federal. A partir do padrão legalmente estatuído como devido – o do Ministro do STF – fica definido o que se pagará ao membro do Congresso Nacional.

Dispõe o art. 1º, caput, do Decreto n. 444/2002 que:

“Art. 1º – Até que seja aprovada a lei de iniciativa conjunta de que trata o art. 48, XV, da Constituição Federal, a remuneração dos Membros do Congresso Nacional corresponderá à maior remuneração percebida, a qualquer título, por Ministro do Supremo Tribunal Federal, incluídas as relativas ao exercício de outras atribuições constitucionais, e se constituíra de subsídio fixo, variável e adicional”.

3. A equiparação é uma igualação horizontal de vencimentos ou de remuneração fixada para cargos ou funções diferentes, determinada de tal modo que sempre que um padrão de vencimento aumentar tem-se o aumento automático do outro devido a cargo diverso. Dá-se, assim, aumento do valor de uma remuneração pelo aumento atribuído ao que é devido em razão de outro cargo, de natureza diversa. E é isso que a Constituição proíbe, porque até mesmo os recursos públicos ficam insuscetíveis do necessário controle quando providências como esta são adotadas.

Ao cuidar deste tema, em outra ocasião, acentuei que a regra constitucional proibitiva da equiparação de remuneração refletia “a preocupação do constituinte reformador com a regra da verdade remuneratória, buscando-se, então, abortar experiências legislativas levadas a cabo pela positivação de normas… pelas quais se fazem remissões a outras categorias remuneratórias concedidas em outras leis e que passam a incidir (de tal modo que)… nem o beneficiário conhece, muitas vezes, o fundamento da espécie que lhe é paga. A equiparação faz-se, nesse caso, por vias legislativas nebulosas, pouco claras para o público e quase desconhecidas da coletividade. Tanto desborda em desvalor do sistema constitucional, agredindo vários de seus princípios, inclusive o democrático, que somente se cumpre pela transparência e publicidade dos comportamentos de seus agentes. O que é proibido seja feito às claras é muito mais proibido de ser feito de maneira escamoteada e infensa aos olhos dos cidadãos”

4. A regra constitucional proibitiva da equiparação remuneratória é taxativa, tal como posto no art. 37, inc. XIII (“Art. 37 — … XIII – é vedada a vinculação ou equiparação de quaisquer espécies remuneratórias para o efeito de remuneração de pessoal do serviço público; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Emendas/Emc/emc19.htm>”, pelo que o seu descumprimento importa em produção de ato juridicamente inválido.

E, tal como posto e ainda em sede cautelar, como a que aqui se exerce, há plausibilidade jurídica a sugerir a necessidade constitucional de suspensão da persistência de eficácia da norma em pauta. E não apenas sob aquele fundamento.

A obrigação constitucional de se estabelecer remuneração ou subsídio por lei específica

5. Dispõe o art. 37, inc. X, da Constituição da República que “Art. 37 – X — a remuneração dos servidores públicos e o subsídio de que trata o § 4º do art. 39 somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso, assegurada revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices; (Redação dada pela Emenda Constitucional 19, de 1998) (Redação dada pela Emenda Constitucional 19, de 1998)

O subsídio mencionado naquela norma constitucional é o que há de ser atribuído ao membro de poder, o qual deverá ser fixado, exclusivamente em parcela única, e por lei específica, quer dizer, lei em sentido formal, fruto do devido processo legislativo, não podendo ser substituído por norma de outra categoria, tal como se estampa no caso apreciado nesta medida cautelar.

Os termos do Decreto legislativo n. 444/2002 mostram que:

a) a matéria nele tratada refere-se à remuneração de membros de poder;

b) não se afirma o subsídio em parcela única (sic);

c) não se cuida de lei específica;

d) equipara-se a remuneração dos membros do Congresso Nacional aos valores devidos aos Ministros do Supremo Tribunal Federal.

Os termos da Constituição, por sua vez, como antes acentuado, põem-se no sentido de:

a) remuneração de membros de poder adota a forma de subsídio (art. 39, § 4º);

b) o subsídio será fixado exclusivamente em parcela única (art. 39, § 4º)

c) o subsídio de membro de poder somente pode ser fixado ou alterado por lei específica (art. 37, inc. X); d) é vedada a equiparação de “quaisquer espécies remuneratórias” nos quadros estatais (art. 37, inc. XIII).

O cotejo das normas pode ter visualizada no quadro seguinte:

Constituição do Brasil Decreto Legislativo n. 444/02 Princípios e regras da CR/88:

Art. 37 — A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:.. XII I— é vedada a vinculação ou equiparação de quaisquer espécies remuneratórias para o efeito de remuneração de pessoal do serviço público.

Art. 1º Até que seja aprovada a lei de iniciativa conjunta de que trata o art. 48, XV, da Constituição Federal, a remuneração dos Membros do Congresso Nacional corresponderá à maior remuneração percebida, a qualquer título, por Ministro do Supremo Tribunal Federal, incluídas as relativas ao exercício de outras atribuições constitucionais, e se constituíra de subsídio fixo, variável e adicional

Regra constitucional proibitiva da equiparação de remuneração:

DESCUMPRIDA

Art. 37 — X – a remuneração dos servidores públicos e o subsídio de que trata o § 4º do art. 39 somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso, assegurada revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices.

Decreto Legislativo n. 444/02. Exigência constitucional de lei específica para fixação de valores e aumentos de subsídios:

DESCUMPRIDA

Art. 39 — § 4º O membro de Poder, o detentor de mandato eletivo, os Ministros de Estado e os Secretários Estaduais e Municipais serão remunerados exclusivamente por subsídio fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória, obedecido, em qualquer caso, o disposto no art. 37, X e XI

Art. 1º — § 1°. Na aplicação do disposto no caput, ficam mantidos os critérios de pagamento e a proporção entre subsídios fixos e variáveis e adicionais fixada pelo Decreto Legislativo n° 7, de 1995, cuja vigência foi prorrogada pelo Decreto Legislativo n° 7, de 1999.

Definição constitucional do subsídio em parcela única:

DESCUMPRIDA

Logo, em apreciação precária, como é da natureza da medida cautelar, parece haver contrariedade entre o quanto havido na norma em foco e o que a Constituição determina.

Da cautelar requerida

6. Os fundamentos apresentados pelo Partido-Autor demonstram o atendimento dos requisitos que convergem para a necessidade constitucional de se suspenderem os efeitos do Decreto legislativo n. 444/2002, pois são perfeitamente plausíveis, juridicamente, os argumentos arrolados na peça inicial da ação.

Ali também se demonstra, suficientemente, os riscos que a demora no julgamento da ação poderão acarretar, até mesmo porque os valores dos subsídios de outros membros de Poder, no plano estadual e municipal, afirmam-se em face dos valores definidos para o Deputado Federal.

Pelo exposto, Senhora Presidente, voto no sentido de ser deferida a medida cautelar para que, a partir de agora, fiquem suspensos os efeitos do Decreto Legislativo n. 444/2202 no sentido de que, com base nele, não possam vir a ser afirmados novos valores de remuneração dos membros do Congresso Nacional, menos ainda sob a forma de equiparação a qualquer outro cargo.

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