Namoro de sucesso

Os estudantes e a Faculdade de Direito de Recife

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19 de dezembro de 2006, 17h20

Há uma estranha lógica no atual movimento estudantil pela preservação do prédio da mais que sesquicentenária Faculdade de Direito de Recife. De um lado, os alunos já foram amplamente vitoriosos ao ensejo de uma Ação Popular que interpuseram justamente com essa finalidade. Da decisão de primeiro grau, todavia, pende recurso em face da insurgência da própria Instituição de ensino superior demandada — a Universidade Federal de Pernambuco — bem como de outros órgãos públicos, demandados na mesma causa, juridicamente interessados na recuperação física do velho Palácio. Enquanto esse prédio histórico segue em parte interditado, o efetivo acesso à prestação da Justiça aplicada foi postergado em razão desse ritual.

Até aí, os estudantes se conduziram com especial acuidade cívica e grande sensibilidade pedagógica, manejando com correção e coragem os instrumentos jurídicos disponibilizados pelo Estado de Direito em que nos encontramos, sobretudo a partir do advento da Constituição Federal de 1988. Entretanto, vaticinam, agora, que o motivo para tanto descaso com os necessários cuidados e atenções reclamados, por princípios de ordem pública claramente aplicáveis ao caso, reside no fato de que há quatro anos o Centro de Ciências Jurídicas, que se traduz pela Faculdade de Direito do Recife, se ressente da falta de um diretor efetivo, estando vago o cargo respectivo por razões de disputa corporativa interna.

Aliás, essa disputa tampouco foi enfrentada até agora pelos órgãos centrais de gestão da Instituição de Ensino Superior mencionada, o que revela desinteresse na solução do quadro tantas vezes lembrado nos seus conselhos e departamentos. O cargo de diretor de centro que é eletivo, segundo norma estatutária aplicável, se tornou por tanto tempo, na prática, cargo de confiança do reitor.

Acontece que, nada obstante essa vacância já perdurar por tanto tempo — o que se constata, realmente, como situação administrativamente insustentável —, sempre houve quem respondesse pelas funções atribuídas ao mencionado cargo e ele jamais deixou de ser conduzido por algum agente legitimado regimentalmente, ainda que pro tempore.

Sobre isto, o que andaram fazendo os estudantes durante todo esse tempo em que, no limite das próprias possibilidades, deixaram, a rigor, de formular suas justas reivindicações a quem de direito e de eventualmente convocar a imprensa para a difusão universal dos quadros internos que nos afetam, tal como o fazem agora? Nem mesmo se cogitou de um movimento grevista ou boicote como outrora tantas vezes se observou em nosso cenário por razões ainda menos significativas do que a luta por espaço adequado em que estudar e produzir inteligência.

Curiosamente, os órgãos que se insurgiram contra a decisão judicial que os favoreceu e à velha Casa de Tobias Barreto, de tantas tradições jurídico-libertárias que ainda hoje estimulam à construção do saber aplicado e político-filosófico, são os mesmos em favor de cujos gestores a recente eleição presidencial acabou, por igual, favorecendo, mediante a indefectível e paradoxal ajuda dos votos da maioria desses mesmos estudantes, sobretudo de parte de suas lideranças.

Essa “passividade pró-ativa” ou “mordaça às inversas” dos estudantes em relação aos estamentos de poder (partidarizado) que os agravam, segundo o discurso corrente, põe em xeque o movimento (estudantil) atual sobre saber se há ou não sinceridade em uma luta que não encontra perfeita simetria entre o agir e o dizer. É como se corressem em busca de um tempo perdido que mais não regride à origem.

Os objetos puramente idealizados nem sempre correspondem à razão professada. Se ingenuamente construídos, tendem à frustração. Se maliciosos ou interesseiros, agravam o quadro de contradições. A virtude, portanto, está em se estabelecer uma associação necessária e permanente entre o pensar e o fazer, mediante o perfeito abandono da lógica da moral dupla: “faço o que me convém, não necessariamente o que acredito”.

Afinal, com ou sem as melhores condições para a aprendizagem, os alunos da Faculdade de Direito do Recife são, ainda e freqüentemente, geração após geração, neste estado, os que se tornam mais bem sucedidos no mercado profissional especializado que a todos aguarda. Isto sinaliza para um histórico de virtudes que não pode deixar-se desanuviar em face de novos cenários, de novos agentes e/ou de contextos políticos de momento. O valor dos estudantes da Faculdade de Direito do Recife reside justamente na transcendência de seus agires enquanto grupamento que assimila o real significado de suas tradições: liberdade, ética e conhecimento.

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