SC não consegue anular julgamento sobre lei dos bingos
18 de dezembro de 2006, 19h43
“Só não entende quem não quer.” As palavras são do ministro Sepúlveda Pertence e foram usadas para explicar a “confusão de alhos com bugalhos” que, para ele, foi causada pelo estado de Santa Catarina, “parece que de propósito”, na discussão sobre a legalidade dos bingos.
A discussão se deu na Ação Direta de Inconstitucionalidade que contesta a validade da Lei catarinense 11.348/00. A legislação, que prevê o funcionamento de loterias e casas de bingos no estado, foi declarada inconstitucional pelo plenário do Supremo Tribunal Federal, mas o governo de Santa Catarina entrou com Embargos de Declaração pedindo a nulidade do julgamento. Para o estado, a ação foi julgada em menos de 48 horas da publicação da pauta, o que feriria o Regimento Interno do Supremo.
Para o ministro Sepúlveda Pertence, o desrespeito ao prazo apontado pelo governo catarinense não passa de uma confusão, talvez intencional. “O que se tem nestes Embargos é nada mais que o esperneio das empresas de bingos e do governo catarinense quanto à decisão do Supremo Tribunal, que insistem em não aceitar pelos interesses que contraria.”
O ministro, que é relator da ADI, explicou: pediu dia para julgamento no dia 28 de março deste ano e a pauta foi publicada no Diário da Justiça no dia 31 de março. O julgamento poderia ocorrer, portanto, a partir de 5 de abril. Mas ocorreu no dia 10 de agosto.
Inicialmente, foi marcado para o dia 7 de junho, conforme publicado no site do Supremo. Mas, explica Pertence, por um pedido do governador de Santa Catarina, foi adiado. De acordo com o ministro, no dia 4 de agosto, a página do Supremo na internet divulgou novamente que o julgamento seria dia 10.
“Mesmo que assim não fosse, não importa: a ação poderia ter sido julgada em 48 horas após a publicação do DJ de 31/03/06, vale dizer, desde abril.” Sepúlveda Pertence completa que, mesmo se fosse considerada oficial a publicação da pauta no site do Supremo, o que não é, não teria ocorrido violação ao prazo de 48 horas entre pauta e julgamento.
“Ademais, ainda que à informação pela internet sobre a previsão de julgamento, se emprestasse caráter oficial, certo é que nela se divulgou, em 4/08/06, que o julgamento para o dia 10/08/06: ora, entre o dia 4 e o dia 10 transcorreram bem mais que 48 horas.” O ministro foi acompanhado por maioria.
Leia a decisão
14/12/2006 — TRIBUNAL PLENO
EMB. DECL. NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 2.996-7 SANTA CATARINA
RELATOR: MIN. SEPÚLVEDA PERTENCE
EMBARGANTE(S): ESTADO DE SANTA CATARINA
R E L A T Ó R I O
O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE — Embargos de declaração opostos a acórdão que tem esta ementa:
“1. Ação direta de inconstitucionalidade: L. est. 11.348, de 17 de janeiro de 2000, do Estado de Santa Catarina, que dispõe sobre serviço de loterias e jogos de bingo: inconstitucionalidade formal declarada, por violação do art. 22, XX, da Constituição Federal, que estabelece a competência privativa da União para dispor sobre sistemas de sorteios.
2. Não está em causa a L. est. 3.812/99, a qual teria criado a Loteria do Estado de Santa Catarina, ao tempo em que facultada, pela legislação federal, a instituição e a exploração de loterias pelos Estados membros.”
São três as alegações do embargante:
i) deveria incidir, no caso, o art. 27 LADIn;
ii) a sessão de julgamento seria nula;
iii) “enquanto não for declarada a inconstitucionalidade da Lei Estadual 3812/66, é de bom alvitre que mantidas sejam as atividades dos que licitamente exploram as loterias em suas respectivas modalidades” (f. 345).
É o relatório.
V O T O
O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE — (Relator):
I
Admitida por ora a constitucionalidade do art. 27 da LADIn, sobre a sua aplicação não está o Tribunal compelido a manifestar-se em cada caso: se silenciou a respeito, entende-se que a declaração de inconstitucionalidade, como é a regra geral, gera efeitos ex tunc, desde a vigência da lei inválida.
De resto, não vejo, no caso, razões para deferir o requerimento que, em qualquer hipótese, é de atendimento excepcional.
Assinale-se que, em nenhum dos diversos casos similares já decididos (v.g. ADIn 2847, Velloso, DJ 26.11.04; ADIn 2948, Eros, DJ 13.5.05; ADIn 3259, Eros, DJ 29.2.06), sequer se cogitou de assegurar em tese eficácia da lei até a declaração de sua invalidez.
II
3. Sobre o pedido de se “declarar a exata significação da expressa referência à subsistência da vigência da lei est. 3812/66” (f. 349), repito o que acentuei no julgamento embargado: não está em jogo a L. est. 3812/66, que teria criado a Loteria do Estado de Santa Catarina, ao tempo em que facultada, pela legislação federal, a instituição e a exploração de loterias pelos Estados-Membros.
4. Como essa norma não foi atacada — nem o poderia, por ser anterior à Constituição — nada haveria a aduzir mais a esse respeito.
III
5. Argúi-se, ainda nestes embargos, a nulidade do julgamento da ADIn 2996, em síntese, porque não se teria observado o disposto no art. 83 do Regimento Interno, que prevê o mínimo de 48 horas entre a publicação da pauta e o julgamento.
6. O caso é relativo à exploração de “bingos e caça-níqueis”, permitidos por legislação estadual questionada; não é preciso dizer que, em razão do tema — e dos interesses privados e estatais que envolve —, recebi em meu gabinete vários defensores da constitucionalidade da lei atacada.
7. Instruída a ação direta, pedi dia para julgamento (28.3.06). A pauta foi publicada em 31.3.06.
8. Passados dez dias, em 10.8.06, o Plenário julgou a ADIn conforme o meu voto, assim ementado o acórdão:
“1. Ação direta de inconstitucionalidade: L. est. 11.348, de 17 de janeiro de 2000, do Estado de Santa Catarina, que dispõe sobre serviço de loterias e jogos de bingo: inconstitucionalidade formal declarada, por violação do art. 22, XX, da Constituição Federal, que estabelece a competência privativa da União para dispor sobre sistemas de sorteios.
2. Não está em causa a L. est. 3.812/99, a qual teria criado a Loteria do Estado de Santa Catarina, ao tempo em que facultada, pela legislação federal, a instituição e a exploração de loterias pelos Estados membros.”
9. A ata da decisão foi publicada em 21.8.06.
10. Além deste, foram interpostos outros embargos de declaração por empresas privadas do ramo dos bingos; antes, foram ajuizadas também tanto pelo Estado quanto pelos amici curiae, petições nas quais se requer a nulidade da sessão de julgamento pelos mesmos motivos destes embargos (Pet. CPI-STF 127610/2006; 124884/2006; 27697/2006).
11. Extrato da petição da Associação Brasileira de Loterias Estaduais — ABLE, o amicus curiae:
“(…)
4. A publicação da pauta, com prazo não inferior a 48 horas constitui, cumpre salientar, expressa exigência contida no art. 83 do RISTF, observando-se que a ação direta de inconstitucionalidade não foi contemplada na exceção do § 1º desse dispositivo, correspondendo a uma norma de numerus clausus.
(…)
6. O prejuízo decorre, sem dúvida alguma, de evidente cerceamento de defesa, normente porque ficou impossibilitada de requerer a aplicação, ao ensejo da sustentação oral, do artigo 27 da Lei nº 9.868/99, visando a restringir os efeitos da declaração de inconstitucionalidade, ou a fixação da eficácia temporal a partir do trânsito em julgado ou de outro momento, na hipótese de sua procedência.
7. A situação retratada implica ostensiva nulidade do julgamento.
(…)
10. Em face do exposto, requer o conhecimento da argüição e o deferimento do pedido de nulidade do julgamento da notificada ação direta de inconstitucionalidade, em virtude do constrangimento aos princípios do devido processo legal e da ampla defesa, designando-se nova data (oportunidade em que será realizada sustentação oral), tudo em homenagem ao Direito e à Justiça.”
12. Quando do julgamento desta ação direta, bem que acentuou a em. Ministra Cármen Lúcia, que se trata de uma das causas de maior gravidade nos planos estaduais, em virtude, especialmente, das pressões de toda sorte.
13. O que se tem nestes embargos é o nada mais que o esperneio das empresas de bingos e do governo catarinense quanto à decisão do Supremo Tribunal, que insistem em não aceitar pelos interesses que contraria.
14. Na petição ajuizada antes destes embargos, mas de igual teor, alegam os procuradores do Estado:
“A presente Ação Direta de Inconstitucionalidade, conforme se verifica do Diário da Justiça nº 63, de 31 de março de 2006, no qual fora publicada a Ata nº 8 — Relação de Processo — Pauta de Julgamento — Plenário, teve seu julgamento marcado, originalmente, para o dia 07 de junho de 2006.”
15. Repito: pedi dia para julgamento em 28.03.06 (art. 9º, LADIN); a pauta foi publicada no Diário da Justiça em 31.03.06 (pauta 8/2006).
16. Assim, de acordo com o art. 83 ([1]), do RISTF, a ação direta poderia ser julgada a partir do dia 05.04.06 (quarta-feira), primeira sessão plenária após o prazo de 48 horas contados da publicação da pauta.
17. Desde a presidência do em. Ministro Jobim, a Secretaria das sessões vem informando, pelo sítio do Tribunal, a relação dos processos que preferencialmente serão julgados no mês: é o que se apelidou de “pauta temática”.
18. A inovação, bem-vinda por sinal, tem por fim prevenir os interessados sobre a preferência com a qual, em princípio, serão apregoados os feitos listados e os Ministros sobre os temas que versam.
19. Mas, como é óbvio, a divulgação eletrônica desse rol de processos não substitui a intimação da pauta pela publicação oficial em sentido algum: nem a dispensa, quando exigível conforme o Regimento Interno, nem reabre o prazo de 48 horas iniciado com a publicação da pauta pelo Diário da Justiça.
20. Por isso, visto que a pauta fora publicada em 31.03.06, a ação direta poderia ser julgada a partir do dia 5.4.06, primeira sessão plenária após cumprido o intervalo regimental.
21. Informou, é certo, a Secretaria das Sessões, no sítio do Tribunal, na parte “pautas do plenário”, que a Presidente poderia chamar o processo em 7.06.06, o que, entretanto, por si só, não gera efeitos processuais.
22. Insiste, porém, o embargante em confundir — parece que de propósito – a publicação oficial, já efetivada, e essa mera informação.
23. Nos embargos, alega-se, porém, que “o julgamento não ocorreu na data aprazada por razões que não são relevantes ao deslinde da “quaestio”; explicito a razão por que o feito não foi apregoado na data prevista na “pauta temática”: o próprio Governador do Estado requereu, informalmente, o adiamento, a fim de precaver o Estado quanto à locação dos funcionários da loteria estadual.
24. Extrato dos embargos:
“Importa salientar que, em razão da não realização do julgamento na data marcada pela referida Ata nº 8, esse Egrégio Tribunal divulgou, em sua página oficial da Internet, que o julgamento se realizaria no dia 17 de agosto de 2006.
Não obstante, inadvertidamente, acabou o feito sendo julgado na Sessão realizada no dia 10 de agosto de 2006.
Tais fatos já seriam suficientes a macular de nulidade o julgamento da presente “actio”, vez que os atos de comunicação processual levados a efeito nos autos foram praticados ao alvedrio do que preconizado pelo art. 552, § 1º do Código de Processo Civil c/c art. 83 do Regimento Interno desse Egrégio Supremo Tribunal Federal, e, por conseqüência, em ofensa ao que garantido pelo art. 5º, LV da Carta da República.”
25. As alegações desvelam a rombuda confusão de “alhos com bugalhos”.
26. A tal Ata n. 8, do DJ de 31 de março de 2006, consubstanciou o espaço oficial de publicação dos processos em pauta, nos termos do Regimento Interno: que, sem mais, poderiam ser julgados, uma vez corridas as 48 horas.
27. Em um primeiro momento, o sítio do Tribunal informou que a ação previsivelmente seria apregoada em 7.6.06, o que não ocorreu.
28. Se, em outro momento, foi informado pelo sítio do STF que o caso seria chamado em 17.8.06, o fato é que antes fora divulgado, desde o dia 4 de agosto [2], pelo mesmo sítio, que o julgamento se daria no dia 10 de agosto.
29. Meu gabinete confirmou, nesse mesmo dia 4 de agosto, a diversos interessados, aos recorrentes, aos representantes dos Bingos, ao Ministério Público estadual, a diversos jornalistas catarinenses, enfim, a data prevista: 10 de agosto.
30. Mesmo que assim não fosse, não importa: a ação poderia ter sido julgada 48 horas após a publicação do DJ de 31.3.06, vale dizer, desde abril.
31. Ademais, ainda que à informação pela Internet sobre a previsão de julgamento, se emprestasse caráter oficial, certo é que nela se divulgou, em 4.8.06, que o julgamento estava previsto para o dia 10.8.06: ora, entre o dia 4 e o dia 10 transcorreram bem mais que 48 horas.
32. Só não entende quem não quer.
33. E mais: se o julgamento do caso — há muito incluído em pauta, conforme a publicação oficial, foi incluído na “pauta temática” de 7 de junho e julgado em 10 de agosto, não houve a alegada surpresa; a discussão seria menos burlesca se tivesse havido antecipação; e o que houve, na verdade, foi o adiamento, por pedido do Governador, chefe dos procuradores que firmam os embargos.
34. Por fim, alegam os procuradores do Estado de Santa Catarina:
“Mas a mácula que pesa sobre o procedimento de publicação da ata de julgamento do presente feito não se resume ao que já narrado.
Ocorre que, desde a referida Ata nº 8, originalmente publicada, que não se observa requisito essencial a tornar válido e eficaz o ato de comunicação processual relativo ao julgamento do feito.
Isto porque, nos termos do que preconizado pelo art. 236, § 1º do Código de Processo Civil, é indispensável, sob pena de nulidade, que da publicação das intimações relativas a atos processuais constem os nomes das partes e de seus advogados.
Na hipótese de controle concentrado de constitucionalidade de norma estadual o Governador do Estado é pessoalmente legitimado para a propositura da ação.
Quando a iniciativa de provocar a declaração judicial de inconstitucionalidade não parte do Governador do Estado o relator do feito tem a faculdade de optar em pedir informações aos órgãos ou às autoridades das quais emanou a lei ou o ato normativo impugnado (art. 6. da Lei n. 9868/99).
Mesmo quando a opção for pela ouvida do Governador, como na hipótese dos autos, ainda assim há que se ter presente para a publicação de atos relativos a ações diretas de inconstitucionalidade que, por força do que estatuído pelo art. 132 da Constituição Federal, às Procuradorias Gerais dos Estados compete a representação judicial e a consultoria jurídica das respectivas unidades federadas e, por conseqüência dos mandatários que estiverem à frente dos Poderes Constituídos que integram a estrutura institucional dos estados.
Sobre o tema, merece destaque o precedente jurisprudencial cujo acórdão fora relatado pelo Exmo. Ministro Celso de Mello: Agravo de Instrumento n. 439.613-3/SP, Agravante AGIP do Brasil S/A, Agravado Município de São Paulo; Diário da Justiça de 11/06/2003, Pág. 00042…
(…)”
35. Cita-se um precedente da lavra do em. Min. Celso de Mello em processo de mandado de segurança, que o Estado é parte; não se nota, porém — que a espécie é de ação direta de inconstitucionalidade, em que o Estado não é parte, e, no qual, a representação processual do requerido, quando seja o Governador, por Procurador do Estado é facultativa.
36. Rejeito os embargos e julgo prejudicadas as petições: é o meu voto.
Notas de Rodapé
1- “Art. 83 – A publicação da pauta de julgamento antecederá quarenta e oito horas, pelo menos, à sessão em que os processos possam ser chamados.”
2- O dia 4 de agosto foi confirmado, pela Secretaria das Sessões, como a data da inclusão — no sítio do Supremo — da ADIn 2996 para a sessão do dia 10 de agosto.
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