Falta de preparo

Novo integrante do CNMP é contra poder investigatório do MP

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18 de dezembro de 2006, 16h23

É temerário que o Ministério Público se atribua poderes autônomos de investigação na área criminal. Além de não ter preparação técnica para investigar, não atende ao princípio de imparcialidade. Isso porque ele mesmo vai produzir as provas e logo em seguida usá-las para denunciar. A opinião é do novo integrante do Conselho Nacional do Ministério Público, o advogado Sérgio Alberto Frazão do Couto.

A cerimônia de posse aconteceu, nesta segunda-feira (18/12). Ele ocupa uma das duas vagas destinadas à Ordem dos Advogados do Brasil no órgão, aberta com a renúncia de Luiz Carlos Lopes Madeira, em setembro.

Durante o discurso de posse, o novo conselheiro mostrou-se totalmente contra a idéia de o MP exercer papel de Polícia e questionou: se isso acontecer, quem promoverá o controle externo da atividade policial?

Para Sérgio Couto, o MP não precisa de mais nem menos poder do que aqueles previstos pela Constituição, mas de eficiência. Por isso, disse que é preciso fazer um levantamento sobre as deficiências da profissão. A partir dele, propor soluções práticas para resolvê-los.

O conselheiro afirmou, ainda, que pretende propor uma comissão para elaborar um Código de Ética e Disciplina do Ministério Público “a fim de se coibir eventuais abusos”.

Sérgio Couto já participou da 11ª Sessão Extraordinária do CNMP, que aconteceu nesta segunda-feira, depois da cerimônia de posse.

Leia o discurso

“A mim parece oportuno, neste ritual de ingresso, mencionar a altivez, a coragem e a independência com as quais Luiz Carlos Lopes Madeira se houve no exercício das funções que hoje assumo em seu lugar.

Em seqüência, — mas sem querer “ensinar padre nosso a vigário” — desejo assinalar que a atuação dos integrantes deste órgão de controle externo do Ministério Público, só poderá se fazer útil aos altos objetivos da instituição, acaso se dê em um clima onde predominem os paradigmas científicos, condição única de entendimento racional, segundo bem prelecionado pela doutrina de Thomas Khun.

Os paradigmas científicos devem formar um “pano de fundo compartilhado de silêncio” nos debates, por constituírem conceitos universalmente compreendidos e aceitos, eis que já dissecados à exaustão todos seus ângulos gnosiológicos.

A independência e a autonomia da OAB em relação ao aparato administrativo estatal, situam-se entre tais pré-compreensões de fundo.

A OAB é um ente autárquico, no sentido de auto-governo que a origem grega do vocábulo significa.

Sua natureza jurídica é sui generis, como incontroverso na doutrina e na jurisprudência nacional.

Tal conceituação é prestigiada desde a Constituição de 1934.

Hoje, ganhou melhores e bem mais definidos contornos, sob a regência da Constituição de 1988, conforme bem se pode observar dos trechos colhidos na decisão adotada pelo STF – Supremo Tribunal Federal, na ADIN 3026-3, publicada no DJU de 29 de setembro do corrente ano.

É evidente que a OAB não está nem quer estar acima da lei.

Como poderia ou quereria, se ela foi criada, exatamente, para “defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de direito, os direitos humanos, a justiça social, e pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas”?

Foi consciente da importância da Magistratura e do Ministério Público para a manutenção do estado democrático de direito que a OAB lutou pela criação do controle externo de ambos, via formação do CNJ e deste CNMP.

As providências já adotadas por esses órgãos de controle externo, em benefício da moralidade, da impessoalidade e da eficiência no trato da coisa pública, – naquilo que até agora tem se revelado como proveitoso – bem comprova o acerto que foi a insistência da OAB em instituí-los.

Relativamente ao Ministério Público, a preocupação da OAB sempre foi – e seguramente sempre será –, a de contribuir para aperfeiçoá-lo e engrandecê-lo.

Incidentes artificialmente engendrados, ao lado daquilo que pode ser denominado de condutas ad terrorem ou pirotécnicas, concorrem para a evasão de legitimidade e para o aumento da taxa de aversão contra a instituição.

Assim sendo, como primeira providência prática resultante deste discurso que não se satisfaz apenas com a mera retórica, indispensável se faz reiterar e insistir na imperiosa e urgente necessidade de se elaborar um Código de Ética e Disciplina do ministério Público Nacional via constituição de uma comissão com este fim, a fim de se coibir os eventuais abusos.

Até porque ninguém desconhece que as competências e as atribuições do Ministério Público, em todo o mundo civilizado, deitam raízes filosóficas na necessidade de se tornarem efetivas as trinas emanações funcionais do poder estatal:- o imperium (atributo de normatividade); o potesta (atributo de coercitividade) e a aucthoritas (atributo de instrumentalidade).

Com a aucthoritas recebida do Estado, cumpre ao Ministério Público dos povos cultos manter a integridade do potesta e do imperium.

Por esse fundamento, não é proveitoso para a instituição, – nem benfazejo para o povo que lhe dá suporte –, que se lhe hipertrofiem as atribuições.

Desbordar os limites da authoritas para abarcar emanações próprias do potesta e do imperium, implica em equiparar o Ministério Público a um Estado concorrente, o que não se amolda ao seu perfil institucional.

Por isso, parece temerário que ao Ministério Público se atribua poderes investigatórios autônomos na área criminal, próprios do aparato policial.

Além de não ter recebido preparação técnica específica a esse fim específico, não atende ao princípio da imparcialidade da instrução que o dono do poder de acusar componha as prova que por ele mesmo serão utilizadas.

Ademais, se o Ministério Público passar a exercer atividade própria da polícia, quem promoverá o controle externo da atividade policial, determinado pelo item VII, do art. 129, da Constituição Federal?

O controlador se auto-controlaria?

As mesmas dúvidas podem ser lançadas em relação a atividade de conciliador oficial.

Quem será o custos legis do ato conciliatório?

O próprio fiscalizador se auto-fiscalizará? Estabelecerá os termos do acordo e ao mesmo tempo avalizará sua legalidade?

Para bem cumprir sua missão institucional, o Ministério Público nacional não precisa dispor de mais nem de menos poderes do que aqueles que a Constituição de 1988 já lhe atribui.

O que o Ministério Público brasileiro está precisando mesmo é de maior eficiência funcional, para bem concretizar suas imensas atribuições constitucionais.

Tal só se alcançará quando os escalões próprios se convencerem de que as atividades meio, – tanto do Ministério Público como da Magistratura –, devem ser mais bem equipadas e profissionalizadas, para melhor desempenharem suas tarefas de apoio às atividades técnicas.

Somente assim os membros do parquet e da magistratura poderão destinar tempo integral e dedicação exclusiva ao cumprimento de seus fins institucionais, deixando para os administradores profissionais as tarefas de movimentar a máquina administrativa.

Repito o que me tem valido duras criticas:- acho que os Magistrados e membros do Ministério Público brasileiro se inserem entre aqueles tecnicamente mais bem preparados do mundo.

Sem embargo, são coadjuvados por uma das mais carentes infra-estruturas operacionais do serviço público nacional.

Por isso, como segunda conseqüência concreta deste discurso, desejo propor a este Egrégio CNMP, a criação de um grupo de estudos incumbido de fazer o levantamento das deficiências, assim como propor as providências práticas que devam ser adotadas com vistas a superar as carências das atividades meio do Ministério Público nacional, em todos os seus níveis.

Em seguida, não posso deixar de me referir à tragédia recentemente ocorrida no interior do Estado Pará, quando um membro do Ministério Público estadual, Promotor de Justiça Fabrício Couto, foi assassinado por um advogado já afastado da OAB, dentro de seu local de trabalho.

O episódio enfatizou, da forma mais traumática possível, o que todos já sabiam:- é alarmante a falta de segurança da qual padecem todos os operadores do direito neste Brasil.

A OAB também enfrenta o drama de assistir, revoltada, a morte de dezenas de advogados assassinados no pleno exercício de suas profissões.

Na Magistratura, igualmente se tem notícias de juízes sacrificados pela violência que parece campear livre no país.

Sob forte impacto, alguns desejam logo que sejam adotadas medidas radicais. Mas é preciso que, na dor, se tenha equilíbrio e serenidade suficientes para não se arrepender mais tarde da adoção de alternativas emocionais.

Portanto, como terceiro desfecho objetivo deste discurso, proponho a este Colendo CNMP a criação, em conjunto com o CNJ e outras instituições interessadas, – como a OAB, por exemplo –, de um grupo de estudos para examinar e PROPOR SOLUÇÕES PRÁTICAS PARA SUPERAR AS PRECÁRIAS CONDIÇÕES DE SEGURANÇA NO TRABALHO DOS OPERADORES DO DIREITO em todo o país.

Antes de encerrar, gostaria de abordar um aspecto que, a meu ver, é tão sensível quanto controverso.

Para a Min. Ellen Gracie, – quando se referiu, no STF, sobre a composição do CNJ –, a participação de membros do Ministério Público, advogados e cidadãos indicados pela Câmara dos Deputados e pelo Senado, “em órgão incrustado na organização do Judiciário, choca-se frontalmente com a independência qualificada do Poder Judiciário”.

Já em Portugal,  de onde tomamos inspiração para estruturar o nosso modelo de controle externo;, a composição do Conselho Superior da Magistratura (que inclui o MP), evoluiu em sentido contrário:- pelo DL 926/76, a composição inicial era exclusivamente oriunda do Judiciário; pela Lei nº 85/77, evoluiu para ser mista, com representantes do Judiciário e de atividades externas; finalmente, com a Revisão Constitucional de 1997, a maioria da composição do CSM lusitano passou a ser de estranhos à carreira.

Especificamente aqui no CNMP, a participação da sociedade civil se dá em uma relação de enorme inferioridade:- 10 a 4 em favor da representação estatal.

São 10 representantes de instituições oficiais contra apenas 4 representantes da cidadania:- 2 advogados, 1 representante do Senado e 1 representante da Câmara Federal.

Tal desenho de composição demanda responsabilidades suplementares da maioria em pelo menos 3 aspectos:- 1º – não sucumbir ao sprit de corp; 2º – não esmagar a minoria; 3º – não advogar em causa própria.

Se, desafortunadamente, d’outra forma vier acontecer, estiolado estará, inapelavelmente, o clima de liberdade e de franqueza que deve presidir os debates aqui travados, e as conclusões aqui modeladas.

Senhoras e Senhores Conselheiros,

De minha parte, aqui chego imbuído dos mais elevados propósitos de “defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de direito, os direitos humanos, a justiça social, e pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas”.

Não é meu desejo criar polêmicas, mas também não estou autorizado a fugir delas – nem por mim mesmo, nem pela instituição da qual sou oriundi.

Aqui estou para cumprir uma missão, que sei espinhosa.

Intenciono, sincera e humildemente, lutar, – como é de minha têmpera –, até os limites das forças que Deus me der, pelo progresso, pelo aperfeiçoamento e pela harmonia do Ministério Público nacional, assim como dos demais estamentos do tripé essencial à administração da justiça:- a Advocacia e a Magistratura.

Peço a Deus que nos ilumine a todos nessa grandiosa incumbência que nos atribuiu.

O coroamento dessa participação, – que me esforçarei por fazer o melhor –, espero, sinceramente, que seja bem auspicioso.

Que ao final desta árdua missão que hoje se inicia para mim, possa eu dizer que foi um privilégio aqui estar, e com Vossas Excelências compartilhar.

Muito obrigado!”

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