Pai tecno

Evolução tecnológica vale mais que transitado em julgado

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17 de dezembro de 2006, 9h53

Há 20 anos um exame de paternidade deu negativo. Na época a tecnologia disponível — HLA, ABO ou RH — não permitiam um resultado com o mesmo grau de segurança alcançado hoje em dia pelo exame de DNA. O filho que não encontrou seu pai naquela oportunidade, insiste até hoje na busca e vai ter uma nova chance. O Tribunal de Justiça de São Paulo entendeu que Se há dúvidas sobre paternidade e possibilidade de se fazer um novo exame de investigação, com tecnologia mais avançada, mesmo com a sentença transitada em julgado, o caso pode voltar a ser discutido judicialmente. O entendimento é da 4ª Câmara de Direito Privado.

O desembargador Carlos Teixeira Leite, relator, considerou que o caso configura uma exceção, mas mesmo assim existe na jurisprudência brasileira acórdãos que fundamentam a decisão da Justiça paulista.

É o caso de um recurso julgado pelo ministro Ari Pargendler, do Superior Tribunal de Justiça. Na análise de um caso parecido, o ministro considerou que “sendo toda obra humana sujeita a erro, é justa a pretensão de que se submeta o réu ao exame da paternidade pelo método do DNA, que constitui o último avanço científico nesse âmbito”.

Teixeira Leite ainda citou uma decisão da 3ª Câmara do TJ paulista, de maio de 1997. Nessa ocasião, os desembargadores explicaram que “não adquire o selo de qualidade que dá o atributo da imutabilidade, a sentença de improcedência de investigação de paternidade que é proferida sem cogitar da realização de perícia de certeza biológica da filiação, porque atropela o direito à cognição adequada, pressuposto do devido processo legal que o Judiciário obriga a observar e cumprir”.

Por isso, para o desembargador, se existem dúvidas e há a possibilidade de se fazer um novo exame, assim tem de determinar a Justiça.

Leia o voto

ACÓRDÃO

INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. Reconhecimento de coisa julgada em razão de anterior decisão excludente. Recurso do autor para prosseguir a ação em razão da segurança tirada de nova técnica de exame DNA. Recurso provido.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL nº 457.862.4/6-00, da Comarca de ASSIS, onde figuram como apelante DIEGO HENRIQUE BISSOLI e apelado HUSF HUSSEIN ATTIE:

ACORDAM, em Quarta Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por votação unânime, dar provimento ao recurso.

A r. sentença de fls. 171/174, acolhendo a preliminar argüida em contestação, reconheceu a coisa julgada e, a teor do artigo 267 V do Código de Processo Civil, julgou extinto o processo de investigação de paternidade proposto por Diego contra Husf.

Recorre Diego (fls. 176/181), nascido em outubro de 1.986, insistindo no reconhecimento da paternidade de Husf em razão de um breve relacionamento com sua mãe, apesar de resultado negativo do exame realizado por três critérios (HLA, ABO e RH) em anterior ação, proposta nos idos de 1.987, quando menor, isto porque insiste na elaboração de outro, mais completo e moderno, o D.N.A., para tanto anulando-se a r. sentença e prosseguindo a ação.


Em contra-razões (fls. 183/184) Husf reitera os termos daquela primeira decisão, inclusive porque foi confirmada por v.acórdão deste Tribunal e, no sentido da sua alegação maior, a de que não manteve relação sexual com a mãe de Diego, o que ora reitera.

No parecer de fls. 189/191, o D. Procurador de Justiça sugeriu a realização de diligência por ofício, indagando-se ao próprio IMESC a respeito da possibilidade cientifica de eventual o exame D.N.A. ter resultado diferente daqueles realizados em 1.989 (HLA). No mérito, contudo, opinou pelo improvimento do recurso.

Este é o relatório.

Não é necessário explicar e argumentar a respeito do conceito e efeitos da coisa julgada na órbita da maioria das questões submetidas a exame pelo judiciário e, sem possibilidade de recurso nesse campo, resolvidas em definitivo.

Contudo, a hipótese traduz uma exceção, sugerindo refletir sobre o que se denominou “o último avanço cientifico nesse âmbito” de ações de investigação de paternidade, expressão que foi utilizada pelo Min. Ari Pargendler ao decidir caso semelhante, determinando a realização de outro exame pelo método do D.N.A. (cf. Resp 790750, publicado em notícias do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, de 30 de maio de 2.006).

A propósito, na solução dessa matéria de investigação de paternidade, Arnaldo Rizzardo ensina que “a prova testemunhal revela geralmente fragilidade, prestando-se para a elaboração falsa, o que levou a desenvolverem-se técnicas científicas que fornecem resultados bastante precisos” (Direito de família, 3ª ed., RJ: Forense, 2005, p. 470).

E, não foi por outro motivo, a edição da súmula 301 do S.T.J, e a redação atualizada do artigo 232 do C.Civil, criando a presunção de paternidade diante da negativa para essa apuração, até porque, entre livrar-se da alegação de uma paternidade que se nega, e, por óbvio, das responsabilidades dela decorrentes, inclusive financeiras, e, submeter-se, apenas uma vez, a um exame simples, de DNA, com a convicção da total impossibilidade de resultar positivo, parece lógico que não se deveria titubear em fazê-lo e, com isso, a negativa só pode aproveitar àquele que tem dúvida do resultado.

Desse quadro e pela consequência, a inafastável conclusão de que esse exame passou a ser uma verdadeira obrigação e não uma mera questão processual acerca da responsabilidade pela prova de uma ou outra alegação.

Aliás, oportuno o ensinamento de Carnelutti:falamos de ônus, quando o exercício de uma faculdade é posto como condição para obter certa vantagem. Por isso, ônus é uma faculdade, cujo exercício é necessário para a consecução de um interesse. Obrigação e ônus têm de comum o elemento formal, consistente no vínculo da vontade, mas diferem entre si quanto ao elemento substancial porque o vínculo é imposto quando há obrigação para a tutela de um interesse alheio enquanto, havendo ônus, a tutela é um interesse próprio” (Sistema di Diritto Processuale Civile, vol. I, p. 53, apud Arnaldo Rizzardo, op. cit., p. 476/477).


Portanto, definida essa linha de procedimento Civil, impõe-se resolver a outra, direta ao recurso e que foi considerada enquanto uma hipótese por José Rogério Cruz e Tucci em sua tese, ao afirmar: “se, há uma década, alguém reproduzisse ação judicial de investigação de paternidade, cujo pedido tivesse sido julgado improcedente, certamente que o réu veria acolhida a exceção de coisa julgada que opusera” ( cf. Revista do COAD: Seleções Jurídicas, março/2006, pág. 16/17, artigo do Dês. Enio Zuliani ).

E, verificando nesse mesmo estudo os termos da ementa adotada por sua Excelência no voto vencido, após o julgamento da apelação Cível nº 78.014.4/7, da Terceira Câmara do TJ/SP, ocorrido em 05/05/1997, encontrei o que é necessário e suficiente para a solução deste, conforme, a seguir, transcrevo:

“Não adquire o selo de qualidade que dá o atributo da imutabilidade, a sentença de improcedência de investigação de paternidade que é proferida sem cogitar da realização de perícia de certeza biológica da filiação, porque atropela o direito à cognição adequada, pressuposto do devido processo legal que o Judiciário obriga a observar e cumprir, especialmente ao garantir assistência gratuita ao menor carente (artigos 5º, XXXV, LIV e LV, da Constituição Federal e 460 e 130, do Código de Processo Civil) – Recurso a que de seve dar provimento para que a segunda ação prossiga”.

Mais ainda pela explicação, detalhada, fundamentada e, ainda mais atual. No caso :

“Fiz a defesa, sem êxito, da valorização do princípio da dignidade humana, previsto no artigo 1º, III da Constituição Federal e da vantagem de se descobrir a herança genética, por a medicina estar aparelhada para prevenir doenças que são transmitidas pelos pais. Verifico que, cinco anos depois, o TJ-SP emitiu jurisprudência coincidente ao meu voto vencido, tendo o preclaro Des. Laerte Nordi enfatizado, ao admitir a segunda ação de investigação de paternidade, que “nenhuma regra processual pode ou deve impedir um filho de saber quem é seu pai” (Ap. 242.534.4/7-00, j. em 20/08/2002, in RT 808/240). O colendo Egrégio Superior Tribunal de Justiça, no célebre Acórdão do Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira (Resp 226.436PR, j. 28/06/2001, in Revista Brasileira de Direito de Família, Síntese, nº 11, p.73), declarou com propriedade:

Não excluída expressamente a paternidade do investigado na primitiva ação de investigação de paternidade, diante da precariedade da prova e da ausência de indícios suficientes a caracterizar tanto a paternidade como a sua negativa, e considerando que, quando do ajuizamento da primeira ação, o exame pelo DNA ainda era disponível e nem havia notoriedade a seu respeito, admite-se o ajuizamento de ação investigatória, ainda que tenha sido aforada uma anterior com sentença julgando improcedente o pedido.” (idem)

E, por fim, a conclusão de que “a jurisprudência plantou uma orientação possível de se dar relativa interpretação à imutabilidade da coisa julgada e não foi criticada pela doutrina.” (idem)

Assim, considerando que no caso em exame, apesar da negativa do suposto pai, têm-se indícios de algum tipo de relacionamento com a mãe do apelante e que até então era virgem e menor de idade, inclusive obrigando o apelado a responder pelo crime de sedução (fls. 50), muito embora sem qualquer condenação. Por outro lado, apura-se que essa negativa não foi alterada junto aos avós maternos de Diego (fls. 79), desde aquela época (fls. 97/100 –1989), mas, igualmente, que houve algum questionamento do resultado dos exames, respondendo o IMESC serem indevidos e desprovidos de base.

Todavia, é induvidoso que houve algum tipo de dúvida porquanto o próprio réu, ora apelado, concordou com a realização de um outro exame (fls. 105verso , 107), o que não chegou a ocorrer diretamente pois, o outro laboratório, de outra comarca, apresentou aquela mesma conclusão a partir do exame de algumas peças do laudo (fls. 109), destacando a credibilidade outorgada ao Imesc (fls.111). Outrossim, mas sem afetar seu o conteúdo, a r. sentença de fls. 119/125 e o v. acórdão de fls. 148/152, surgidos na ação anterior, registraram essa insistência de uma nova prova pericial.

Portanto, se não foram realizados outros exames após o questionamento do seu resultado por parte do apelante e no que obteve alguma anuência do apelado, e porque, até hoje, com certeza Diego convive com a dúvida, a melhor solução e proceder a essa verificação, atualizada (DNA), muito embora nesse campo de investigação genética ainda não se tenha atingido um grau estacionário de ciência e tecnologia.

Afinal, como ensina Carlos Maximiliano, “a aplicação do direito consiste no enquadrar um caso concreto em a norma jurídica adequada. Tem por objeto descobrir o modo e os meios de amparar juridicamente um interesse humano(Hermenêutica e Aplicação do Direito, 7ª ed., p. 19).

Ante o exposto, dá-se provimento ao recurso.

Participaram do julgamento, os Desembargadores Ênio Zuliani (Presidente, sem voto), Fábio Quadros e Natan Zelinschi.

São Paulo, 07 de dezembro de 2006.

TEIXEIRA LEITE

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