Ano para a História

Advocacia lutou por independência e resgate da imagem

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16 de dezembro de 2006, 6h00

Este texto sobre Advocacia faz

parte da Retrospectiva 2006, uma série

de artigos em que especialistas analisam

os principais fatos e eventos nas diferentes

áreas do direito e esferas da Justiça

ocorridos no ano que termina.

A advocacia brasileira viveu em 2006 um período dos mais movimentados. Nem poderia ser diferente. Trata-se, afinal, de profissão intimamente relacionada com a República e suas instituições, com a sociedade civil e a busca de justiça, ideal humano ainda não atingido em sua plenitude em lugar algum — e muito menos aqui, no terceiro mundo.

Não há, pois, amenidades em tal universo — nem no campo político-institucional, nem no corporativo. No primeiro, tivemos um ano marcado por dois acontecimentos que se inter-relacionam em causas e conseqüências — e em ambas envolvem profundamente a advocacia.

De um lado, a crise política, pontuada por escândalos de diversos calibres, que levaram ao descrédito as instituições do Estado. De outro, a crise penitenciária, comandada pela facção PCC, que resultou em rebeliões sem precedentes, em São Paulo, expondo a fragilidade dos órgãos de segurança pública no mais rico estado de nossa federação.

Dentro dessa segunda crise, emergiu a figura do advogado criminoso, que nós, da OAB, não hesitamos em afirmar que não é advogado, mas tão-somente criminoso. A advocacia é profissão comprometida, em sua essência, com a ética e a justiça. Nutre-se de ambas para existir — e só faz sentido dentro delas.

Diz a Constituição brasileira, em seu artigo 133, que o advogado “é indispensável à administração da justiça”. E é mesmo. Por isso, não pode ser confundido com o seu cliente — e muito menos permitir-se tal confusão. Todo cidadão, por maior que seja seu delito, tem direito a um advogado. E este, tendo como limite a lei e a ética, deve provê-lo da necessária defesa. Quando o advogado exorbita dessa função, tornando-se cúmplice de seu cliente, ignorando a lei e a ética, deixa de ser advogado e passa a ser coisa bem diversa: bandido.

A OAB tem sido rigorosa no julgamento desses casos. Não acobertamos quem assim age e temos punido os casos que chegam a nosso conhecimento. Não podemos e não vamos permitir que a profissão em seu conjunto padeça do mesmo descrédito que acomete os agentes políticos. A má conduta de alguns parlamentares e governantes semeou descrédito em todo o ambiente institucional, o que é péssimo para a República e o Estado Democrático de Direito.

Se cruzássemos os braços — nós, advogados —, o mesmo ocorreria no âmbito de nossa profissão. A OAB, casa do advogado, tem sido, ao longo de sua história, uma espécie de cidadela da cidadania. A sociedade a ela apela sempre que a República e suas instituições entram em crise. Foi o que aconteceu nestes quatro anos de governo Lula. Os escândalos do mensalão e das sanguessugas sacudiram a opinião pública e aprofundaram a crise institucional.

A OAB manifestou sua indignação e perplexidade. Pediu providências, oficiou o Ministério Público. Em seu âmbito, instituiu o Fórum da Cidadania para a Reforma Política, na certeza de que é preciso mudar o modo e as leis do fazer político. Não basta criticar, apontar o erro. É preciso apontar alternativas viáveis, exeqüíveis, que propiciem a regeneração do organismo político da nação. E isso o estamos fazendo.

Para exercer esse papel, de olhar crítico da sociedade civil, que tem marcado sua trajetória institucional em 76 anos de existência, a OAB precisa ter — e tem tido — autoridade moral, que deriva de algo simples: zelo pela lei e pela ética.

No âmbito corporativo, a advocacia registra em 2006 vitórias expressivas. Iniciemos pela mais expressiva delas: a Ação Direta de Inconstitucionalidade que evitou a estatização de nossa entidade. Por oito votos a dois, o STF rejeitou, em junho, a ADI 3.026/2003, ajuizada pela Procuradoria Geral da República, que requeria que o preenchimento de funções na estrutura da OAB se desse por meio de concurso público.

Prevaleceu o bom senso e livramos a advocacia e a sociedade brasileiras da mordaça do Estado. A OAB continuará independente. Essa é, sem dúvida, uma vitória significativa de nossa classe profissional, o que, por si só, já faria de 2006 um ano a ser celebrado pela História.

Mas há outras. No dia 30 de novembro, por unanimidade, o STF julgou procedente ação proposta pela OAB e declarou inconstitucional o dispositivo da lei 11.033/2004, que só permitia levantamento de precatórios judiciais depositados na rede bancária mediante apresentação, por seus credores, de certidões negativas de débitos tributários para com União, estados e municípios, e de certidão de regularidade para com seguridade social, FGTS e Dívida Ativa da União.

A relatora, ministra Carmem Lúcia, considerou que “as formas de a Fazenda Pública obter o que lhe é devido e a constrição do contribuinte para o pagamento de eventual débito havido para com ela estão estabelecidos no ordenamento jurídico e não podem ser obtidos por outros meios que frustrem direitos constitucionais dos cidadãos”.

Outra vitória importante foi a que confirmou, em junho, no STF, a validade de diversos pontos do Estatuto da Advocacia e da OAB (Lei 8.906/94), suspensos por liminar. Destaco, entre essas, a que, também por unanimidade, considerou constitucional o artigo 47, que determina que “o pagamento da contribuição anual à OAB isenta os inscritos nos seus quadros do pagamento obrigatório da contribuição sindical”.

O relator Eros Grau, ao julgar improcedente a ADI 2.522/2001, proposta pela Confederação Nacional das Profissões Liberais (CNPL), poupou os advogados de “bi-tributação”. Assim, o advogado que, por exemplo, trabalha num banco, sendo inscrito na OAB, está isento de contribuir para o Sindicato dos Bancários.

Considero altamente expressiva essas decisões do Supremo que firmaram e confirmaram a constitucionalidade de nosso Estatuto. São registros de um ano rico e movimentado que ficam para os anais da história da advocacia brasileira.

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