CDC X Bancos

Supremo abre precedente para Judiciário fixar taxa de juros

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15 de dezembro de 2006, 20h20

Os juízes podem participar da formulação das políticas públicas do Brasil. Foi esse o precedente aberto pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal no julgamento dos Embargos de Declaração ajuizados contra a decisão sobre a aplicação da íntegra do Código de Defesa do Consumidor às relações bancárias.

Pela decisão, que reafirma o entendimento firmado no mês de junho pelo Supremo, o Conselho Monetário Nacional continua a formular a política monetária do país. Mas, se os juízes de primeira instância entenderam que a taxa Selic de juros fixada pela instituição financeira é abusiva, poderão determinar a redução da porcentagem. Basta o consumidor ingressar com ação judicial.

“A transferência, do Executivo para o Judiciário, da competência atinente à formulação de políticas públicas conduzirá certamente ao caos”, opina o ministro Eros Grau, relator da ADI.

À revista Consultor Jurídico, Eros Grau disse que é preocupante “o fato de o Tribunal ter admitido, ao menos em algumas das manifestações durante os debates, que a definição da taxa básica de juros seja feita pelo Poder Judiciário ou mesmo por órgão de defesa do consumidor”.

“Essa definição é fundamental na formulação das políticas de moeda e de crédito, impactando sobre a soberania nacional. A atribuição de poderes dessa ordem a qualquer juiz é revolucionária, no mau sentido, na medida em que nega a interdependência entre os Poderes. Isso é muito grave”, afirma o ministro.

Os Embargos de Declaração só foram ajuizados porque as entidades de defesa do consumidor disseram que o voto publicado no Diário Oficial do ministro Eros Grau não era condizente com o que foi discutido no plenário, quando o caso era analisado. A questão mal resolvida era justamente determinar o ente responsável pela fixação dos juros.

Para o ministro Ricardo Lewandowski, o judiciário não pode substituir o Banco Central fixando no plano macroeconômico as taxas básicas de juros. De acordo com o ministro, o Judiciário também não pode no plano microeconômico substituir o mercado e estabelecer a taxa de juros que deve ser praticada pelos bancos ou entidades financeiras em geral, ou por cada um dos bancos em particular.

O Judiciário pode, em cada caso concreto, examinando cada contrato em particular, se pronunciar sobre uma eventual abusividade, excessiva onerosidade ou uma eventual distorção. “Eu digo com base no próprio CDC que os bancos são obrigados a dar a mais ampla divulgação e publicidade à composição das taxas de juros e demais tarifas para que num eventual confronto judiciário se possa aferir se houve abusividade ou alguma distorção, mas só no caso concreto, se não o Judiciário extravasaria sua competência”, explica o ministro.

Diz o ministro: “O Poder Judiciário não pode agir no plano macro, mas ele age no plano micro garantindo os direitos de segunda geração, econômicos, sociais e culturais. Ele não pode determinar, por exemplo, que se priorize um investimento na área de educação ou de saúde isto é sem dúvida nenhuma uma função do Poder Executivo e do Poder Legislativo agindo conjuntamente. O momento em que o Poder Judiciário pudesse ser acionado é o momento do processo de orçamentação, em que se pudesse verificar se a locução das verbas orçamentárias está sendo feita de acordo com as diretrizes da Constituição. Limite da atuação dos três poderes é muito tênue. Então se o Judiciário avançar muito e começar a estabelecer políticas públicas ele vai se substituir ao Poder Executivo e ao Poder Legislativo”.

Caso concreto

O recurso foi protocolado pela Procuradoria Geral da República, pelo Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (Brasilcon) e pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec). O objetivo do recurso era que o acórdão elaborado pela Corte ficasse mais claro.

As instituições alegaram contradição na ementa do voto do relator com os demais votos. Para elas, não ficou claro o ponto sobre a inaplicabilidade do CDC quanto à fixação dos juros. Outro argumento foi o de omissão quanto ao afastamento do CDC às hipóteses de abusividade, onerosidade excessiva ou outras distorções na composição atual da taxa de juros.

Na análise da preliminar, o ministro Eros Grau, relator, votou pelo não conhecimento dos Embargos de Declaração por considerar as entidades ilegítimas para propor o recurso.

Houve divergência apenas do ministro Carlos Ayres Britto, que considerou os institutos como partes legítimas para atuar na causa, por terem participado do julgamento de mérito da ADI 2.591, apresentando, inclusive, defesa — sustentação oral.

Já no julgamento do mérito, o consenso estabelecido pelos ministros do STF consistiu no cabimento da aplicação do Código de Defesa do Consumidor às operações bancárias, reafirmando o entendimento firmado em junho. “A única coisa diferente era saber quem fixa a taxa Selic. Antes tinha ficado claro que quem fixa a taxa é o Conselho Monetário Nacional, agora, deixou-se de dizer isso na ementa, e isso poderá amanhã ou depois ser discutido”, disse o ministro Eros Grau.

Quanto à taxa em cada operação, o ministro ressaltou que, “como se tinha tido, desde antes, pode ser examinada pelo Poder Judiciário”, esclareceu. “Quem é consumidor vai obter este controle pelo Código de Defesa do Consumidor, e a pequena e a média empresa, pelo Código Civil”, explicou.

O ministro salientou que ainda não é claro para o Tribunal se a política monetária deve ser definida pelo Poder Executivo, por meio do Conselho Monetário Nacional, ou se pode ser definida por juiz. “Essa é uma questão muito importante”, classificou Eros Grau.

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