Vontade soberana

PSL quer fim de regra que permite eleição com votos de partido

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14 de dezembro de 2006, 14h49

Para tentar acabar com o instituto do quociente eleitoral, em que deputados e vereadores são eleitos com a sobra de votos recebida pelo partido e não por mérito próprio, o PSL (Partido Social Liberal) pediu à Procuradoria-Geral da União que questione a constitucionalidade de alguns dispositivos do Código Eleitoral. O partido não pode entrar com Ação Direta de Inconstitucionalidade porque não tem representação na Câmara dos Deputados.

A idéia é discutir a constitucionalidade dos artigos 107, 108, 109 e 111 do Código Eleitoral. O pedido encaminhado à Procuradoria foi elaborado por Ronaldo Nóbrega Medeiros, secretário-geral da Executiva Nacional do PSL. Ele também foi o autor da consulta sobre a verticalização, que não foi colocada em prática, em sua totalidade, nas eleições 2006. O Supremo Tribunal Federal entendeu que esta regra não poderia valer já para as eleições deste ano, pois a própria Constituição diz que mudança eleitoral não pode ser aplicada em ano de eleição.

No pedido, Nóbrega ressalta que o sistema proporcional permite que um candidato a deputado que tenha recebido poucos votos seja eleito no lugar de um candidato que teve número maior de eleitores. Para ele, “isto significa que as eleições proporcionais são marcadas por grandes desproporcionalidades”.

Segundo ele, os dispositivos questionados ofendem os princípios da proporcionalidade e razoabilidade previstos na Constituição. Para Nóbrega, a escolha dos candidatos deve se dar pelo maior número de eleitores que concederam o seu voto, pela vontade soberana.

“A fórmula do quociente eleitoral copiada do ordenamento alemão aplicada pelo Sistema de Totalização de Votos utilizado pela Justiça Eleitoral Brasileira incorre em um equívoco lamentável”, conclui.

Leia o pedido encaminhado ao procurador-geral da República

EXCELENTÍSSIMO SENHOR ANTONIO FERNANDO BARROS E SILVA DE SOUZA, ILUSTRE PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA.

URGENTE

PARTIDO SOCIAL LIBERAL — PSL, constituído nos termos do art. 17 da Constituição da República Federativa do Brasil, com sede na cidade de Brasília – (DF), SCS QD. 01 BL. E, Sala 1.004, Ed. Ceará, Brasília – DF CEP 70.303-900, tel/fax.: 0(xx)61 3322-1721 e-mail: [email protected], com seus Estatutos registrados junto ao Cartório de Registro Civil das Pessoas Jurídicas de Brasília (DF), sob nº 00064654, do Livro 5-A e inscrito no CNPJ (MF) sob nº 01.209.414./0001-98, por intermédio de seu secretário-geral RONALDO NÓBREGA MEDEIROS, vem, mui respeitosamente perante Vossa Excelência, formular o

PEDIDO DE AJUIZAMENTO

de ação direta de inconstitucionalidade (ou outro meio que entenda mais pertinente), a fim de ser reconhecida a (in) constitucionalidade embutida no Código Eleitoral na distribuição de vagas remanescentes (sobras) já que não se harmoniza com o princípio da proporcionalidade inserido na constituição em relação a eleição proporcional- vagas remanescentes (sobras). Ao contrário das eleições majoritárias – Poder Executivo e Senado Federal – onde são eleitos os candidatos mais votados. O sistema proporcional permite que um candidato a deputado com votação pouco expressiva seja eleito no lugar de outro candidato com um número maior de votos. Isto significa que as eleições proporcionais são marcadas por grandes desproporcionalidades.

DOS FATOS OCORRIDOS E DO DIREITO

1. O código eleitoral Lei 4.737, de 15 de julho de 1965, nos seus Arts. 107,108,109 e 111, ofende os princípios da proporcionalidade e razoabilidade na constituição indiscutivelmente uma vez que o voto dado pelo eleitor ao candidato (O voto único intransferível), ou seja a eleição por distribuição de vagas remanescentes (sobras) discorda da posição majoritária dos eleitores – vontade soberana. Conforme se depreende do seguinte trecho dos artigos litteris:

“Art. 107 – Determina-se para cada Partido ou coligação o quociente partidário, dividindo-se pelo quociente eleitoral o número de votos válidos dados sob a mesma legenda ou coligação de legendas, desprezada a fração.

Art. 108 – Estarão eleitos tantos candidatos registrados por um Partido ou coligação quantos o respectivo quociente partidário indicar, na ordem da votação nominal que cada um tenha recebido.

Art. 109 — Os lugares não preenchidos com a aplicação dos quocientes partidários serão distribuídos mediante observância das seguintes regras:

I — dividir-se-á o número de votos válidos atribuídos a cada Partido ou coligação de Partidos pelo número de lugares por ele obtido, mais um, cabendo ao Partido ou coligação que apresentar a maior média um dos lugares a preencher;

II — repetir-se-á a operação para a distribuição de cada um dos lugares.

§ 1º — O preenchimento dos lugares com que cada Partido ou coligação for contemplado far-se-á segundo a ordem de votação recebida pelos seus candidatos.


§ 2º — Só poderão concorrer à distribuição dos lugares os Partidos e coligações que tiverem obtido quociente eleitoral.

Art. 111 — Se nenhum Partido ou coligação alcançar o quociente eleitoral, considerar-se-ão eleitos, até serem preenchidos todos os lugares, os candidatos mais votados.”

2. Ora, culto Procurador-Geral da República, os artigos do Código eleitoral, não possuem eficácia jurídica tendo em vista a sua necessidade de adequação a nossa CF “justa medida”. O leitor não vota vagas remanescentes (sobras), vota em certo candidato. Contudo, os partidos que não atingem esse quociente não podem deixar candidatos de serem elegíveis para a distribuição das sobras, pelo Código Eleitoral Brasileiro, ultrapassado por exceder os ditames constitucionais, pois um povo soberano é aquele que vota e vê seus representantes na sua proporcionalidade eleitos, pois todo cidadão tem o mesmo valor e seus votos são exclusivos a estes não podendo ninguém mais criar votos.

3. O proceder no cálculo para declaração dos eleitos a luz do disciplinamento da lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965, fere o principio democrático de direito esculpido no art. 1° da Constituição de 1988, conforme veremos ao fazer uma pequena incursão nos fundamentos do Princípio democrático do direito e da representação política. De acordo com Pinto Ferreira, “o sistema representativo tornou-se o fundamento comum do moderno Estado de Direito e, por condições intrínsecas da organização política, cultural e econômica da sociedade atual, dificilmente quebrantável, pois a democracia e a liberdade sobretudo se desenvolveram no seu quadro espacial.” Dito de outra maneira, atualmente não se pode abandonar a referência à democracia representativa; não é mais possível pensar na democracia direta como regime político para as sociedades pós-industriais da nossa época . Porém, como é sabido, a natureza representativa da democracia contemporânea não afasta a necessidade de observar o real conteúdo da vontade popular. A natureza representativa da democracia brasileira, portanto, não afasta sua necessária dependência em relação à vontade popular e à participação política.

4. Nos países em vias de desenvolvimento, tem acentuado-se bastante a chamada crise de representatividade e responsabilidade política. A primeira ganha espaço na medida em que a identidade entre os representantes e os representados se torna cada vez mais difícil de se formar. Afinal, com a difusão do ideário democrático e da conseqüente adoção do pluralismo político, as diferenças entre os membros da comunidade passaram a ser vistas como parte da própria realidade convivencial. Em termos de representatividade política, isso significa que uma instituição não pode ser constituída por um contingente de representantes suficientemente amplo como para representar toda a diversidade do mundo sociopolítico. A crise da responsabilidade – uma espécie de impunidade política –, por sua vez, guarda relação com a proliferação de estrangulamentos políticos como a corrupção, o tráfico de influência ou o abuso do poder econômico nas eleições. “Para que a crise na representatividade possa ser superada – afirma Gilberto Bercovici –, acreditamos ser necessária a abertura do sistema representativo e da estrutura político-administrativa à efetiva participação popular.”

5. Nessa linha, pode-se dizer que “(…) a democracia não é mero conceito político abstrato e estático, mas um processo de afirmação do povo e de garantia dos direitos fundamentais que o povo vai conquistando no correr da história.” O processo democrático exige a conjugação do modelo representativo com a efetiva participação popular, entendida esta como uma participação capaz de conformar a dinâmica política. A pura participação não basta; faz-se necessário que esta participação seja suficiente desde um ponto de vista político. Por isso, ainda de acordo com José Afonso da Silva, na atualidade a clássica fórmula cunhada por Lincoln (“a democracia é o governo do povo, pelo povo e para o povo”) sobre a democracia deve ser vista como um princípio político de realização efetiva, um postulado constitucional dotado de força normativa, enfim, “um processo de convivência social em que o poder emana do povo, há de ser exercido direta ou indiretamente pelo povo e em proveito do povo.”

6. Em termos de estruturação da ordem constitucional, por exemplo, pode-se dizer que “a legitimidade de uma Constituição (…) repousa, em última instância, na legitimidade dos que a produziram, ou seja, no fato de que os constituintes encarnavam, no juízo ético de todos, os verdadeiros titulares da soberania.” Para alcançar essa legitimidade, a Constituição de 1988 criou um modelo participativo de democracia, que mescla a tradicional representação política com instrumentos de participação política direta, como o plebiscito, o referendum e a iniciativa popular. Trata-se de um modelo de democracia representativa que depende da participação popular para alcançar o seu principal objetivo político: assegurar uma adequada continuidade (e harmonia) entre o conteúdo social e político da vontade popular e a atuação da representação política. Como se pode observar, a democracia participativa foi criada como tentativa de minimizar os estrangulamentos que a representação política gerava por causa de seu distanciamento em relação à vontade popular.


7. No âmbito de uma democracia representativa – o projeto jurídico-político das democracias participativas não exclui a idéia de representação política –, onde a lei aparece como principal instrumento de manifestação do Direito produzido pelo Estado, os partidos políticos aparecem como relevantes espaços de canalização da vontade popular. Não se pode negar, entretanto, que a sociedade de partidos está em crise; vive momentos de profundas inquietações, que exigem uma completa reformulação do papel das organizações partidárias nas complexas democracias pluralistas.”

8. O princípio democrático construído pela Constituição de 1988, portanto, deve ser entendido como esforço de preservar o sentido da vontade popular como referência fundamental do exercício do poder político. Seu conteúdo geral relaciona-se com a prevalência real da vontade popular no funcionamento das instituições, na dinâmica política informal e na escolha dos seus representantes políticos do povo. Nesse sentido, em alguns casos pode ser necessário temperar juridicamente as instituições da democracia representativa, entre as quais, no caso brasileiro, destacam-se o sistema proporcional de eleições e as sobras eleitorais.

9. Não obstante, parece seguro fazer duas asserções. Em primeiro lugar, os votos preferenciais devem determinar a ordem dos eleitos, que dão o maior peso à votação popular. Diluir o quociente eleitoral e permitir a eleição da livre escolha por parte dos eleitores. Em segundo lugar é que a fórmula do quociente eleitoral copiada do ordenamento alemão, o qual utiliza a fórmula d’Hondt, aplicada pelo Sistema de Totalização de Votos utilizado pela Justiça Eleitoral Brasileira incorre em um equívoco lamentável. Vejamos as palavras MAIS UM que estão colocadas, no inciso I, do artigo 109, entre vírgulas, exatamente para excluí-la de qualquer fator de divisão, sendo acrescido o numeral 1 após aquele cálculo, ao resultado da operação final, e não acrescido ao número de parlamentares, como se fez neste processo eleitoral de 2006, até porque se o numeral 1 fosse acrescido na fração tanto como “x” quanto como “y”, este significaria 01 (um) voto, e a lei é clara quanto a captação de sufrágio, nem mesmo o legislador poderia atribuir a qualquer candidato votos por ele não recebido, uma vez que somente o povo através do exercício da cidadania pode fazê-lo. Não pode uma fórmula aritmética e um sistema equivocado ser superior aos direitos fundamentais de um cidadão.

DO PEDIDO

10. Diante de grandes evidências e falta de razoabilidade e consonância com o sistema constitucional, os artigos 107,108,109 e 111 do CE, não podem ser divergentes da máxima manifestação de vontade popular em um Estado Democrático de Direito, sendo a exteriorização de nossa soberania, como consagra o art. 14 da nossa Constituição Federal. O PARTIDO SOCIAL LIBERAL – PSL requer que Vossa Excelência se digne a formular junto ao Supremo Tribunal Federal, Ação Direta de Inconstitucionalidade, a fim de argüir a inconstitucionalidade, uma vez que o PSL, no momento, não se encontra entre os legitimados para a propositura do mencionado feito.

Nestes termos, pede Deferimento.

Brasília, 13 dezembro de 2006.

Ronaldo Nóbrega Medeiros

Secretário Geral – Executiva Nacional

OAB/DF. 7320e

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