Causa própria

Justiça extingue ação contra lista de inimigos da OAB-SP

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14 de dezembro de 2006, 12h08

A Justiça Federal julgou extinta a Ação Civil Pública que pretendia acabar com a lista de inimigos da seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil. A ação foi proposta pelo Ministério Público contra a OAB-SP. No pedido de liminar, o MP pedia a proibição imediata da publicação da lista daqueles que foram condenados em processo de desagravo ou moção de repúdio por desrespeito às prerrogativas dos advogados. Além disso, queria impedir que a seccional negasse inscrição às autoridades condenadas pela OAB por agravo às prerrogativas da advocacia.

O MP alegava que a lista atinge a honra e a imagem das pessoas inscritas, além de impedir que elas possam exercer a profissão no futuro. Isso porque, a entidade afirma que as autoridades colocadas na lista não têm direito de integrar os seus quadros.

Argumentou ainda, o MP, que por ser uma autarquia, sujeita ao regime de Direito Público e ao princípio da legalidade, a OAB não pode criar sanções nem definir infrações.

Em defesa da OAB-SP, a vice-presidente Márcia Melaré sustentou que a divulgação do Cadastro das Autoridades que receberam moção de repúdio era uma necessária prestação de contas à classe e à sociedade. Ainda, que a ação proposta deveria ser extinta por não poder o MP atuar em causa própria por meio de Ação Civil Pública.

A juíza Sílvia Figueiredo Marques, da 26ª Vara Federal Cível acolheu o último argumento da defesa. Para ela, o Ministério Público Federal não pode usar Ação Civil Pública para pedir que a OAB-SP deixe de elaborar e veicular a lista. A juíza ressaltou que o MP só tem legitimidade para propor Ação Civil Pública “em defesa de direito individuais homogêneos quando houver interesse público relevante em jogo”.

O presidente da OAB-SP, Luiz Flávio Borges D’Urso, declara que sob o aspecto técnico a decisão é acertada. Em relação ao mérito da questão, fez questão de ressaltar, mais uma vez, que “não há lista negra, não há lista de perseguidos” e que serve apenas para consulta interna. Segundo ele, o que existe é um cadastro de pessoas que, no exercício do poder, violaram as prerrogativas de advogados e responderam e foram condenados em processo de desagravo.

Leia a decisão

Ação Civil Pública n° 2006.61.00.025351-3

Autor: Ministério Público Federal

Ré: Ordem dos Advogados do Brasil — Seção de São Paulo

26ª Vara Federal Cível

Vistos etc.

O Ministério Público Federai propôs a presente. Ação Civil Pública contra a ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL – SECÇÃO DE SÃO PAULO, pelas razões a seguir expostas:

Narra, a inicial, que a ré adotou uma lista das autoridades:que receberam moção de repúdio ou desagravo, lista esta que tem duplo caráter sancionatório: o primeiro, que atinge a honra das pessoas e o segundo, que implica em urna incompatibilidade para o exercício futuro da profissão de advogado.

Sustenta, o autor, que a referida lista, noticiada pela imprensa, faz ás vezes de instrumento de desforra, ofendendo a imagem dos listados. E, além disso, foi estabelecido novo requisito para o exercido da profissão de advogado, o de nunca ter figurado na referida lista, requisito este não previsto no art. 8° do Estatuto da Advocacia.

Alega, também, que a ré é autarquia, sujeitando-se, portanto, ao regime de Direito Público e. consequentemente, ao princípio da legalidade, não podendo criar sanções nem definir infrações.

Pede, por fim, que a ação soja julgada procedente, com a declaração de nulidade do Cadastro das Autoridades que receberam Moção de Repúdio ou Desagravo elaborada pela OAB – Secção de São Paulo e a condenação da ré na obrigação de não fazer, consistente em não publicar lista, rol, relação ou cadastro associado com imputado desrespeito às prerrogativas, faculdades, liberdades ou direitos dos advogados com a indicação de qualquer pessoa que não seja advogado. E, ainda, que seja condenada na obrigação de não fazer consistente em não negar a inscrição em seus quadros ou impedir o exercício da advocacia em razão de condenação ou conclusão de culpa em qualquer procedimento ou ato administrativo da autarquia representado por moções de repúdio ou desagravo ou qualquer tipo de censura em razão de imputado desrespeito às prerrogativas, faculdades, liberdades ou direitos dos advogados.

Em razão do pedido de antecipação de tutela, formulado na inicial, foi determinada a oitiva da ré. Esta se manifestou às fls. 80/95. Em sua manifestação, sustenta que a veiculação de um cadastro de processos de desagravos e moções de repúdio processados regularmente, com observância do direito do defesa, é necessária prestação de contas à classe dos advogados e à sociedade. Alega não estarem presentes os requisitos para a antecipação de tutela. E, por fim, sustenta não poder, o autor, atuar em causa própria utilizando-se da ação civil pública. E que, mesmo que se pudesse admitir a presente ação civil pública como forma de proteção de interesses coletivos ou interesses individuais homogêneos, a defesa de meros grupos individuais é limitada pela própria destinação constitucional do Ministério Público. E cita a Súmula n° 7 do Conselho Superior do Ministério Público.

É o relatório. Decido.

A presente ação não pode prosseguir.

Com efeito, a ação civil pública, prevista na Lei n° 7.347/85, tem por fim tutelar o meio ambiente, o consumidor, o patrimônio cultural, estético e paisagístico, qualquer outro interesse difuso ou coletivo, a ordem econômica e a economia popular, e a ordem urbanística.

Ao tratar do objeto da ação civil pública, RODOLFO DE CAMARGO MANCUSO pondera:

“Este largo espectro não encerra, porém, o risco de ser conferida extensão exagerada ao objeto da ação civil pública, porque, de um lado, o interesse objetivado — mesmo no caso dos ‘individuais homogêneos’ — sempre estará sendo tratado em sua dimensão coletiva (significativo, nesse ponto, o parágrafo único do art. 81 do CDC); de outro lado, é licito supor que sempre há de preexistir a relevância do interesse para a sociedade civil, embora esse quesito possa apresentar diversa gradação e mesmo, no caso dos individuais homogêneos, derivar da conveniência do trato processual coletivo, mormente agora com as restrições à formação de litisconsórcio ativo facultativo “multitudinário” (CPC. parágrafo único do art. 46, acrescentado pela Lei 8.592, de 13.12.1994). Esse aspecto é bem enfocado na súmula de entendimento n° 7 do parquet paulista: “O Ministério Público está legitimado à defesa do interesses individuais homogêneos que tenham expressão para a coletividade, como: a) os que digam respeito à saúde ou à segurança das pessoas, ou ao acesso das crianças e adolescentes à educação: b) aqueles em que haja extraordinária dispersão dos lesados; c) quando convenha à coletividade o zelo pelo funcionamento de um sistema econômico, social ou jurídico”.

(in AÇÃO CIVIL PÚBLICA Em Defesa do Meio Ambiente, do Patrimônio Cultural e dos Consumidores. Lei 7.347/85 e legislação complementar, Editora Revista dos Tribunais, 9ª ed., 2004, pág. 49)

No presente caso, o autor pretende tutelar interesses individuais homogêneos das autoridades incluídas no Cadastro das Autoridades que receberam Moção de Repúdio ou Desagravo elaborada pela OAB — Secção de São Paulo e as passíveis de nele serem elencadas posteriormente.

Não se trata, a toda evidência, de nenhuma das matérias aventadas na Súmula acima citada.

A questão poderia, por óbvio, ser discutida por meio de uma ação coletiva, movida por uma associação de juizes ou de promotores, por exemplo, uma vez que existem integrantes da Magistratura e do Ministério Público no referido cadastro. O interesse seria, aí, de defender a classe. Mas a função do Ministério Público Federal, no ajuizamento da ação civil pública é outra. Esta se encontra gizada na Constituição da República, em seu art. 129, III, que estabelece:

“Art. 129 — São funções institucionais do Ministério Público:

III – promover o Inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;

…”

Verifico, ainda, que a Jurisprudência tem-se manifestado no sentido de que o Ministério Público Federal tem legitimidade para as ações civis públicas em defesa de direitos individuais homogêneos quando houver interesse público relevante em jogo. Confiram-se:

“CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. ISENÇÃO DE TAXA DE INSCRIÇÃO. TUTELA ANTECIPADA. AUSÊNCIA DOS PRESSUPOSTOS. IMPOSSIBILIDADE.

1. O Ministério Público tem legitimidade para ajuizar ação civil pública para defesa não apenas dos direitos difusos e coletivos, mas também dos individuais homogêneos, desde que presente o interesse social, nos termos do art. 127 da CF, ainda que não digam respeito à relação de consumo. Preliminar rejeitada.

…”

(AG 200405000207751, UF:CE, 4ªT do TRF da 5ª Região, j. em 16/11/04, DJ de 7/3/05, Rel: EDÍLSON NOBRE — grifei)

“PROCESSUAL CIVIL. E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE ATIVA (CF, ART. 129, III, E LEI 8.078/90, ARTS. 81 E 82,I). CONCESSÃO DE SERVIÇO PÚBLICO. RODOVIA. EXIGÊNCIA DE TARIFA (PEDÁGIO) PELA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO CONCEDIDO QUE PRESCINDE, SALVO EXPRESSA DETERMINAÇÃO LEGAL, DA EXISTÊNCIA DE IGUAL SERVIÇO PRESTADO GRATUITAMENTE PELO PODER PÚBLICO.

1. O Ministério Público está legitimado a promover ação civil pública ou coletiva, não apenas em defesa de direitos difusos ou coletivos de consumidores, mas também de seus direitos individuais homogêneos, notadamente de serviços públicos, quando a lesão deles, visualizada em sua dimensão coletiva, pode comprometer interesses sociais relevantes. Aplicação dos arts. 127 e 129, III, da Constituição Federal, e 81 e 82, I do Código de Defesa do Consumidor.

…”

(RESP – RECURSO ESPECIAL 20020018470. UF:PR, 1ªT do STJ, j. em 19/4/05, DJ de 16/5/05, Rel: TEORI ALBINO ZAVASCKI – grifei)

“RECURSO ESPECIAL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. SUSPENSÃO DE EXECUÇÃO DE LIMINAR. LEI N° 8.437/92. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EXTINÇÃO DE FUNDO DE PREVIDÉNCIA MUNICIPAL. DIREITO INDIVIDUAL HOMOGÊNEO DISPONÍVEL. MINISTÉRIO PÚBLICO. ILEGITIMIDADE.

1…

2- “Não será cabível ação civil pública para veicular pretensões que envolvam tributos, contribuições previdenciárias, o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço — FGTS ou outros fundos de natureza institucional cujos beneficiários podem ser individualmente determinados.” (parágrafo único do art. 1º da Lei n° 7.4347/85).

3- A ação civil pública não se presta à proteção de direitos individuais disponíveis, salvo quando homogêneos o oriundos de relação de consumo.

4- O Ministério Público não possui legitimidade para ajuizar ação civil pública visando à suspensão da eficácia de Lei Municipal que extinguiu o fundo municipal de previdência de servidores, eis que o alegado direito, embora homogêneo, é de natureza individual o disponível.

…”

(RESP — RECURSO ESPECIAL 199700612775, UF:PR, 6ªT do STJ, j. em 5/2/04, DJ do 15/3/04. Rel: HAMILTON CARVALHIDO)

Não pode, portanto, o Ministério Público Federal pleitear, por meio de ação civil pública, a proibição do réu de elaborar o veicular o referido cadastro.

Diante do exposto, INDEFIRO A INICIAL e julgo EXTINTA A PRESENTE AÇÃO, sem apreciação do mérito, nos termos do disposto no art. 267, I, c.c. o art. 295. II e III ambos do Código de Processo Civil.

Custas ex lege.

Publique-se.

Registre-se.

Intimem-se.

São Paulo, 30 de novembro de 2006.

SÍLVIA FIGUEIREDO MARQUES

JUÍZA FEDERAL

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