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Férias, recessos, feriados e o Judiciário brasileiro

Autor

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

14 de dezembro de 2006, 13h09

O Poder Judiciário brasileiro nunca foi tão discutido pela sociedade quanto agora. Quase todos os dias a mídia noticia e discute a morosidade da Justiça, seus custos, os vencimentos dos juízes e as posições assumidas nos julgamentos. Isto não é ruim. É o controle e o direito de crítica da sociedade em relação ao Estado. Todavia, surpreende porque é algo novo na vida do país. Um destes aspectos, férias, feriados e recessos, merece ser comentado.

Férias

As férias dos magistrados são de 60 dias. Isto faz parte da tradição brasileira. É o dobro dos demais trabalhadores, porque pressupõe que julgar gere desgaste superior ao normal. Nos tribunais e na Justiça Estadual de primeira instância, as férias eram gozadas em janeiro e julho. Sobreveio a Emenda 45/04 e, dando nova redação ao artigo 93, XII da Carta Magna, estabeleceu que “a atividade jurisdicional será ininterrupta, sendo vedadas férias coletivas nos juízos e tribunais de segundo grau, funcionando, nos dias em que não houver expediente normal, juízes em plantão permanente”.

Os autores da reforma constitucional, certamente, pensaram que aí estaria uma grande inovação para combater a morosidade da Justiça. Enganaram-se. O fim das férias coletivas na primeira instância é adequado, mas nos tribunais de segunda instância da Justiça dos estados e da Federal não auxilia em nada a prestação jurisdicional. Ao contrário, cria problemas. Explico.

Com o fim das férias coletivas, as câmaras ou turmas se vêem obrigadas a convocar juízes de primeiro grau. Isto origina os seguintes problemas: a) desfalca as varas, atrasando o andamento dos processos; b) desestabiliza a jurisprudência; c) aumentam os custos (nos TRFs convocam-se juízes de outros estados); cria instabilidade na administração dos tribunais, com férias (e alterações) em períodos alternados; e) leva o recesso da primeira instância (20/12 a 6/1) aos TRFs e, com isto, o tribunal só entra em atividade em 7 de janeiro e todos ganham mais cinco dias de descanso.

O Conselho Nacional de Justiça, visando ao cumprimento do artigo 93, XII da Lei Maior, baixou a Resolução 3/05, determinando o fim das férias coletivas. O resultado foi o que já se previa, ou seja, piorou o rendimento dos tribunais. Por isso, o próprio CNJ veio a revogar a citada resolução, por meio de outra, de número 24/06. Mas o Supremo Tribunal Federal, na Medida Cautelar em Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.283, em 6 de dezembro, anulou esta segunda resolução, concluindo que não cabia ao CNJ disciplinar o que a Constituição obriga. E assim está a situação, instável e indefinida, prejudicando o desenvolvimento dos trabalhos judiciários.

Feriados

Os feriados constituem fonte de inconformismo. E com razão. Há um descompasso entre o mundo real, movido por uma competitividade extrema, e o poder público (não apenas o Judiciário). O assunto foi muito bem abordado pela jornalista Aline Pinheiro (Judiciário folgado, ConJur,1/11/06). Como explicar a alguém que a Justiça Federal não trabalha na quarta-feira da Semana Santa ou no dia 1º de novembro, quando todo o país está operando a pleno vapor? Ou então a unificação que se faz de feriados (por exemplo, feriado de quinta-feira ao sábado).

Estes excessos, por vezes, são feitos por previsão legal (Lei 5.010/66, que organiza a Justiça Federal). Assim, o inconformismo da sociedade é justo, mas só será revisto quando a legislação for reformada. Já a unificação de dias de folga não tem amparo legal e deverá ser combatido, caso a caso, por meio de manifestações de inconformismo junto ao próprio tribunal ou CNJ.

Recesso

O recesso judiciário foi criado pelo artigo 383 do Decreto 848, de 11 de outubro de 1890, que introduziu a Justiça Federal no país, após a proclamação da República. O referido dispositivo estabelecia ser feriado o período compreendido entre o dia 21 de dezembro e 6 de janeiro. Extinta a Justiça Federal, em 1938, e recriada por meio da Lei 5.010/66, nesta o artigo 62, inciso I, estabeleceu serem feriados os dias entre 20 de dezembro e 6 de janeiro. É possível supor que a razão deste período de descanso, estabelecido há mais de 100 anos, era o de permitir aos juízes federais que passassem o período de festas com as suas famílias. Muitos deles eram de ouros estados e se submetiam a longas viagens. O dia 6 de janeiro era o Dia de Reis, também comemorado à época.

Este longo prazo de recesso, que existia apenas para a Justiça Federal, foi estendido à Justiça do Trabalho. Assim, além das férias dos magistrados e servidores, todos gozam mais 18 dias de descanso. E agora, voltando-se contra toda a filosofia da reforma constitucional, pretende-se estender dito prazo à Justiça Estadual.

É evidente que atualmente não há justificativa para este descanso extraordinário. Não se comemora mais o Dia de Reis, os meios de transporte são rápidos e as comunicações, eletrônicas. Razoável seria suspender as atividades forenses entre 26 e 31 de dezembro quando, de fato, nada se faz no país. Mas não por 18 dias, ou seja, de 20/12. a 6/01.

Autonomia da Justiça Estadual

Os estados-membros sempre tiveram autonomia para organizar as suas justiças. Isto faz parte do sistema federativo. Na Constituição de 1891, a Justiça Estadual nem era mencionada. Sua organização estava nas constituições estaduais e com a mais ampla liberdade. Até os nomes dos tribunais variavam, havendo quem os denominasse Superior Tribunal de Justiça (AM, MA e GO), Tribunal Superior (AL), Superior Tribunal (RS e SC) ou Tribunal de Justiça (SP e PI). Assim é, até hoje, nos Estados Unidos da América e na Argentina, Estados federais como o Brasil.

No entanto, com o passar do tempo e apesar de algumas conquistas (por exemplo, promover os seus juízes, CF/88, artigo 93, II), o fato é que os tribunais estaduais vêm perdendo sua autonomia. E isto não é bom, pois um país com dimensões continentais e com realidades absolutamente diferentes não deve ter tratamento único aos diversos órgãos do Poder Judiciário.

Como dar a São Paulo, com mais de 1,6 mil juízes de primeira instância e um Tribunal de Justiça que compreende 400 magistrados (360 desembargadores mais 40 juízes substitutos de segunda instância), o mesmo tratamento de Roraima, cujos magistrados, somadas as duas instâncias, não chegam a 50? Como querer que a administração do Judiciário do Rio Grande do Sul, com sua cultura própria e tão peculiar, seja a mesma do gigantesco e tropical Amazonas?

Em síntese, é óbvio que detalhes como o recesso judiciário devem ficar ao critério da administração judiciária local que, junto com o Ministério Público e a OAB, acharão a solução adequada. Por exemplo, se o recesso for uniforme para todo o país, com um regime de plantão, é possível que o juiz (ou juízes) plantonistas tudo resolvam em uma capital de menor população (por exemplo, Macapá), mas que inúmeros problemas surjam em uma capital de maior densidade populacional (por exemplo, Belo Horizonte). Imagine-se a dificuldade de localizar, em uma das muitas varas, um processo de alimentos ou outro no qual foi decretada a prisão de um depositário infiel.

Conclusão

As reformas do Poder Judiciário, adequando-o às características da vida moderna, sem dúvida são importantes. Todavia, aos que detêm este imenso poder, recomenda-se que se inteirem como o sistema funciona, a fim de evitar que, ao invés de aprimorar a Justiça, venham a torná-la mais ineficiente, como ocorreu com a supressão das férias coletivas nos tribunais de segunda instância.

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