O descontrole do Judiciário

CNJ foi primeiro passo para um Judiciário mais aberto

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14 de dezembro de 2006, 10h53

Passados quase dois anos da instalação do Conselho Nacional de Justiça, o muito esperado órgão de controle externo do Judiciário, cabe uma reflexão a respeito do seu papel, das expectativas geradas e das eventuais frustrações ocorridas a partir do seu funcionamento.

Acontecimentos recentes envolvendo a atuação do CNJ recomendam que se faça essa reflexão para que não se dê precocemente razão aos que eram contra o conselho nem se frustrem os que lutaram mais de 20 anos por sua criação. É bom que se diga, contudo, que dois anos é prazo muito curto para que se possa fazer uma avaliação definitiva sobre a atuação de um órgão com atribuições tão importantes e complexas.

Muitos avanços ocorreram nos últimos anos em relação à forma pela qual as questões relativas ao Judiciário passaram a ser debatidas no país.

A verdade é que tínhamos uma instituição pública hermética, fechada e refratária a expor suas mazelas e dificuldades publicamente. A criação do CNJ, como órgão que compõe a estrutura do Poder Judiciário, representou o primeiro passo -como dizia o ministro Márcio Thomaz Bastos a respeito da reforma- na perspectiva de construção de um Judiciário mais aberto e democrático.

Devemos reconhecer que foi isso o que efetivamente ocorreu. Muito mais se sabe sobre o Judiciário, há dados e estatísticas que permitem estabelecer políticas e avaliações mais objetivas. Eis o grande avanço que representou a criação do CNJ, e era exatamente esse o papel que esperávamos que ele cumprisse a princípio.

Não foi o CNJ que inventou o nepotismo no Judiciário, viabilizando a contratação de parentes próximos dos juízes para exercer cargos de confiança. Também não foi o conselho que concedeu reajustes aos magistrados, atribuindo-lhes rendimentos acima do limite legal (teto). Para ficar nesses dois exemplos, foi a partir da atuação do CNJ que tanto o nepotismo como a ocorrência de remunerações ilegais no Judiciário se tornaram assuntos conhecidos da sociedade e objeto de discussões públicas.

Há quem diga que a atuação do CNJ até o momento já justifica sua criação.

Há outros que dizem que sua atuação demonstra a inutilidade de sua existência. Há ainda outros que, como eu, defendem sua instituição, mas não acreditam que o resultado do trabalho desenvolvido até aqui seja garantia de que ele atingirá os seus objetivos mais nobres ainda distantes.

É inegável a importância de alguns dos temas tratados pelo CNJ, mas é também inegável que, por diversas vezes, o conselho agiu movido por interesses corporativos menores, não condizentes com os desígnios mais nobres para os quais foi criado -o controle social e o planejamento da atividade do Judiciário e dos juízes.

Nesses momentos, coube ao Supremo Tribunal Federal exercer o seu papel de controle e estabelecer o limite de atuação do Conselho Nacional de Justiça. Isso foi o que aconteceu em relação à questão da fixação do limite de remuneração dos juízes e em relação à extinção das férias coletivas dos magistrados, prevista na emenda constitucional da reforma do Judiciário (EC nº 45/04).

A verdade é que a atuação do Supremo tem sido fundamental para o adequado funcionamento do CNJ, o que só demonstra que o modelo institucional estabelecido na Constituição Federal é adequado para o país.

Criou-se o órgão de controle do Judiciário, mas a Constituição o manteve na estrutura do próprio Poder Judiciário e subordinado ao controle do STF. Aliás, é justo reconhecer que o Supremo Tribunal Federal tem sido, no decorrer da história do Brasil, fator de estabilidade institucional, decidindo questões sensíveis que são colocadas sob o seu crivo com serenidade e altivez.

De qualquer forma, espera-se que o Conselho Nacional de Justiça não tenha que ser sempre socorrido pelo STF e se liberte das tentações corporativas que por vezes o tem movido. Não se compreende, por exemplo, que a Corregedoria Geral do Conselho não tenha dado prosseguimento a processo disciplinar contra nenhum juiz do país nesses quase dois anos de funcionamento -as centenas de denúncias a ele encaminhadas foram todas arquivadas sem que houvesse sequer investigação concluída.

Demoramos décadas para ter o órgão que possa dar maior racionalidade ao funcionamento do nosso sistema judicial. Agora, não podemos permitir que as mesmas forças que resistiram à sua criação impeçam que o conselho exerça sua competência constitucional e o país perca o controle do Judiciário.

Artigo publicado na Folha de S. Paulo em 14/12/2006

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  • Brave

    é advogado, subchefe para Assuntos Jurídicos da Casa Civil da Presidência da República, e ex-secretário da Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça.

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