Igreja-Estado

Ninguém é obrigado a respeitar feriado religioso

Autor

  • Gilberto Garcia

    é advogado pós-graduado mestre em Direito e autor dos Livros O Novo Código Civil e as Igrejas e O Direito Nosso de Cada Dia.

13 de dezembro de 2006, 6h00

A manifestação religiosa do povo brasileiro é resguardada constitucionalmente desde o Brasil Império, que manteve a religião oficial vigente no Brasil Colônia de Portugal, com todas as implicações legais da manutenção do estado confessional. O artigo 5º da Carta Magna de 1824 já estabelecia a liberdade de crença, abrindo espaço para a tolerância na manifestação de outras crenças, mas determinava que a religião católica romana continuaria sendo a religião do Império. De acordo com a regra, “todas as outras religiões seriam permitidas com seu culto doméstico ou particularmente, em casas para isso destinadas, sem forma alguma exterior de templo”.

Logo após a proclamação da República, foi editado um Decreto, orientado por Rui Barbosa, que estabeleceu a liberdade de culto e reconheceu a personalidade jurídica de todas as igrejas e confissões religiosas, mantendo, entretanto, a Igreja Oficial, que inclusive continuou a receber subvenção pecuniária para a subsistência de seus ministros religiosos e seminários, de acordo com o artigo 6º, da Constituição de 1981.

A Constituição Republicana de 1891 finalmente institui no Brasil o princípio da separação da Igreja-Estado, incorporando tanto a liberdade de crença, como a liberdade de culto, estabelecendo a não existência de religião oficial e, por conseqüência, a ausência de qualquer subvenção oficial.

A forte e natural influência da orientação da até então religião oficial, que foi a Igreja Católica Apostólica Romana, durante quase 400 anos, é uma das explicações para tantas cidades com nomes de santos católicos, de templos católicos ocuparem espaços centrais e da grande influência em todos os campos de atuação.

É neste contexto que se apresentam os feriados religiosos. Existe feriado espírita no município do Rio de Janeiro, dia de São Jorge; feriado no Distrito Federal e no Amapá, alusivo ao dia do Evangélico; e, em quase todas as cidades e diversos estados, são comemorados feriados católicos, dias do padroeiro, tais como Círio de Nazaré, em Bélem do Pará, além de diversos feriados nacionais, como “Corpus Christi”, sexta-feira da paixão, finados, natal e, especialmente o dia da padroeira do Brasil, fixado pela Lei 6.802/80, que criou o feriado de 12 de outubro, para o “culto público e oficial à Nossa Senhora Aparecida”.

Ocorre que o Estado brasileiro é laico, não possuindo religião oficial, e mesmo o cristianismo sendo a expressão de fé da maioria da população de nosso país, acrescido da grande carga de sincretismo religioso, é uma afronta à liberdade religiosa a obrigatoriedade legal de obedecer estes dias de recesso forçado para diversos grupos religiosos.

Destaque-se que o feriado religioso obriga a todos os cidadãos, independentemente de sua crença, a respeitá-lo, em função de ser oficial, eis que oriundo de uma lei, que tem ordem pública, o que afronta o princípio da separação Igreja-Estado contido na Constituição Federal. Mas os cidadãos não estão obrigados a respeitá-los. Vem crescendo na sociedade o questionamento com relação a estes dias de descanso.

Desta forma, quem sabe, de forma pluralista e democrática, poderia se estabelecer que estes feriados religiosos fossem comemorados privativamente por seus seguidores, como já ocorre em diversas datas religiosas. Outro caminho é a provocação, por parte dos interessados, ao judiciário brasileiro, via Supremo Tribunal Federal, numa Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental. O ideal é que o STF estabeleça qual o limite da separação Igreja-Estado.

Gilberto Garcia é advogado, pós-graduado, mestre em Direito e autor dos Livros O Novo Código Civil e as Igrejas e O Direito Nosso de Cada Dia.

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