Falta de provas

Justiça absolve acusados pela explosão do Osasco Plaza Shopping

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13 de dezembro de 2006, 14h59

Marcelo Marinho de Andrade Zanotto e Antônio das Graças Fernandes, acusados de envolvimento na explosão do Osasco Plaza Shopping, em 1996, foram absolvidos. A decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo foi mantida pela 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça.

O STJ frustrou a tentativa do Ministério Público de São Paulo de reverter acórdão do Tribunal de Justiça paulista que os absolveu. Para o relator, ministro Gilson Dipp, o entendimento do TJ-SP de que não existem provas convincentes para embasar a condenação está correto. Ele destacou o fato dos responsáveis pela construção do shopping terem modificado a planta original sem avisar os réus.

O ministro ressaltou, ainda, que os responsáveis acionaram por duas vezes a companhia fornecedora de gás (Ultragás), que não encontrou qualquer indício de vazamento. Eles providenciaram a vistoria por outra empresa, que também não encontrou qualquer problema. Diante de tais provas, o TJ paulista concluiu que não existiam elementos que indicassem risco de explosão e aplicou o princípio do “in dúbio pro réu”.

Dipp afirmou que “não trata a hipótese, pois, de revaloração da prova, como quer o Ministério Público, mas sim de reconsideração do contexto fático-probatório que levou o Órgão Colegiado a concluir pela inocência dos recorridos”. Ele disse que a absolvição ocorreu pela não existência de provas que justificassem a condenação.

O relator destacou, por fim, que o papel do STJ é sanar decisão de segunda instância que apresente ofensa, negativa de vigência ou contrariedade ao texto infraconstitucional. No caso em questão, nenhuma alegação nesse sentido ficou comprovada. Assim, não conheceu do recurso.

Histórico

Na época do acidente, Marcelo Zanotto e Antônio Fernandes ocupavam, respectivamente, os cargos de diretor da empresa administradora do shopping e gerente de operações responsável pela manutenção e segurança do local. Eles foram denunciados pelo Ministério Público por descumprimento do dever legal de evitar o acidente. Condenados em primeira instância a oito anos de reclusão, em regime inicialmente fechado, além do pagamento de 27 dias-multa. A condenação não foi mantida em segunda instância, tendo o Tribunal absolvido os réus.

Na apelação, Marcelo Zanotto afirmou que não tinha conhecimento de que o cheiro exalado no local seria do gás GLP. Assim, solicitou a nulidade do processo por cerceamento de defesa. Alegou que foi prejudicado pelo indeferimento de um pedido de complementação de perícia que poderia ter resultado em sua absolvição.

O outro acusado, Antônio Fernandes, defendeu-se dizendo ter tomado as providências cabíveis ao requisitar a visita dos técnicos da Ultragás, que não encontraram indícios de vazamento. Todos os demais réus no processo já haviam sido inocentados.

Leia o acórdão

Superior Tribunal de Justiça

RECURSO ESPECIAL: 880.283 — SP (2006/0178025-3)

RELATOR: MINISTRO GILSON DIPP

RECORRENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO

RECORRIDO: MARCELO MARINHO DE ANDRADE ZANOTTO

ADVOGADO: PEDRO AUGUSTO DE FREITAS GORDILHO E OUTROS

RECORRIDO: ANTONIO DAS GRAÇAS FERNANDES

ADVOGADO: FERNANDO JACOB FILHO

ASSIST.AC.: SIMONE LIBERTO DE ALMEIDA

ADVOGADO: VAGNER DA COSTA

EMENTA

CRIMINAL. RESP. CRIMES DE INCÊNDIO E EXPLOSÃO, NA FORMA QUALIFICADA. ABSOLVIÇÃO EM GRAU DE RECURSO, POR INEXISTÊNCIA DE PROVA. SÚMULA 07/STJ.FUNDAMENTO AUTÔNOMO DO ACÓRDÃO RECORRIDO NÃO ATACADO. SÚMULA 283/STJ. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. DISPARIDADE DE SITUAÇÕES FÁTICAS. NÃO CONFIGURAÇÃO. RECURSO NÃO CONHECIDO.

I. Hipótese na qual os recorridos, condenados em primeiro grau de jurisdição porsuposto envolvimento na explosão do Osasco Plaza Shopping, foram absolvidos em grau de recurso.

II. Ao Órgão de segundo grau, em sede de apelação, é devolvida toda a matéria constante dos autos, possibilitando-se, naquela oportunidade, a análise detida da prova.

III. Cabe, ao Superior Tribunal de Justiça, a análise de eventual ofensa, negativade vigência ou contrariedade a dispositivo infraconstitucional, derivada da atividade de segundo grau de jurisdição ou decorrente da sentença monocrática e mantida pelo Tribunal a quo.

IV. Revelando-se que a convicção do Tribunal a quo foi baseada em análise ampla das peculiaridades do caso e das provas carreadas aos autos, inviabiliza-se sua desconstituição pela via do recurso especial, por aplicação da Súmula 07/STJ, não se tratando de caso de mera revaloração da prova, mas de incursão no conjunto probatório do processo.

V. Evidenciado que o acórdão recorrido baseou-se não somente na inexistência de provas suficientes à amparar a condenação, mas também na nulidade da sentença, por falta de fundamentação e restando este argumento inatacado pelas razões recursais, não se conhece da irresignação, em aplicação ao enunciado da Súmula 283/STF. Precedentes.


VI. Dissídio jurisprudencial invocado não configurado, ante a disparidade dassituações fáticas. Precedente.

VII. Recurso não conhecido, nos termos do voto do Relator.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça. “A Turma, por unanimidade, não conheceu do recurso.”Os Srs. Ministros Laurita Vaz, Arnaldo Esteves Lima e Felix Fischer votaram com o Sr. Ministro Relator.

SUSTENTOU ORALMENTE: DR. PEDRO AUGUSTO DE FREITAS GORDILHO (P/ RECDO MARCELO MARINHO DE ANDRADE ZANOTTO) Brasília (DF), 12 de dezembro de 2006(Data do Julgamento

Superior Tribunal de Justiça: ministro Gilson Dipp

Relator

RECURSO ESPECIAL 880.283 — SP (2006/0178025-3).

RELATÓRIO

EXMO. SR. MINISTRO GILSON DIPP (Relator):

Trata-se de recurso especial interposto pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, com fulcro nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional, em face de acórdão proferido pela Sexta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado que, por maioria de votos, deu provimento ao recurso de apelação interposto pela defesa, para absolver os ora recorridos Marcelo Marinho de Andrade Zanotto e Antônio das Graças Fernandes, nos termos da seguinte ementa (fl. 8281): “PRELIMINAR DE NULIDADE – Questões atinentes à regularidade formal do processo – Solução absolutória preconizada que prejudica essas questões, não se anulando processo no qual a absolvição do acusado seja viável – Recursos das defesas providos, prejudicado o ministerial.”

Consta dos autos que os recorridos foram denunciados, dentre outros, como incursos no artigo 251, caput e § 2.º, c/c o artigo 250, § 1.º, inc. II, alínea “b”, c/c o artigo 258, primeira parte e artigo 13, § 2.º, incs. I e II, e 29, todos do Código Penal, por suposto envolvimento na explosão do Osasco Plaza Shopping.

Segundo se depreende da denúncia, Marcelo Marinho de Andrade Zanotto era um dos diretores e gerente da empresa sócia-gerente da administradora do Osasco Plaza Shopping. Antônio das Graças Fernandes, por sua vez, era gerente de operações responsável pela manutenção e segurança do shopping.

Encerrada a instrução criminal, sobreveio sentença que condenou cada um dos ora recorridos à pena de 08 (oito) anos de reclusão, em regime inicialmente fechado, além do pagamento de 27 (vinte e sete) dias-multa.

Contra a sentença, a defesa de Marcelo Zanotto recorreu, pretendendo a anulação do processo por cerceamento de defesa em razão do indeferimento de pedido de complementação de perícia efetuado na fase do art. 499, do CPP, que visava o esclarecimento de questão que poderia ter resultado na absolvição do réu, em primeiro grau. No mérito, pugnou pela absolvição, argumentando que não teria conhecimento de que o cheiro que se sentia no local seria de gás GLP e, ainda, que o vazamento teria sido abrupto e repentino, inviabilizando qualquer medida preventiva de sua parte.

Já a defesa de Antônio das Graças Fernandes, também pretendendo a absolvição,alegou ter tomado as providências cabíveis, ao chamar técnicos da ULTRAGÁS para que verificassem a possível ocorrência de vazamentos, salientando que nada foi encontrado por tais técnicos.

A defesa dos co-réus também recorreu, alegando a nulidade da sentença e a absolvição dos mesmos. Recorreu, ainda, o Ministério Público, que pretendia o aumento da pena dos co-réus.

Os recursos das defesas foram providos, por maioria, absolvendo-se todos réus,restando prejudicado o apelo ministerial. Diante disso, o Ministério Público Estadual interpôs recurso especial,argumentando negativa de vigência ao artigo 386, inc. VI, do CPP e ao artigo 13, § 2.º, do CP.

Segundo sustenta, o acórdão impugnado teria desconsiderado inúmeras provas incriminatórias – ressaltadas, inclusive, pelo voto vencido, que mantinha a condenação. Argumentou-se, ainda, que a responsabilidade dos recorridos decorreria de omissão penalmente relevante, eis que lhes cabia o dever de agir para impedir o resultado. Apontou o Ministério Público, também, a ocorrência de dissídio jurisprudencial com acórdão desta Corte, no sentido de que a hipótese não cuidaria de reapreciação do conjunto probatórios dos autos, mas tão-somente da valoração da mesma.

Ao recurso foi negado seguimento, tendo sido determinada sua subida em razão do provimento de recurso de agravo. Foram apresentadas contra-razões (fls. 8435/8502). A Subprocuradoria-Geral da República opinou pelo seu provimento (fls.8545/8561).

É o relatório

VOTO

EXMO. SR. MINISTRO GILSON DIPP (Relator):

Trata-se de recurso especial interposto pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, com fulcro nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional, em face de acórdão proferido pela Sexta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado que, por maioria de votos, deu provimento ao recurso de apelação interposto pela defesa, para absolver os ora recorridos Marcelo Marinho de Andrade Zanotto e Antônio das Graças Fernandes.


Consta dos autos que os recorridos foram denunciados como incursos no art. 251,caput e § 2.º, c/c o art. 250, § 1.º, inc. II, alínea “b”, c/c o art. 258, primeira parte e arts. 13, § 2.º, incs. I e II, e 29, todos do Código Penal, por suposto envolvimento na explosão do Osasco Plaza Shopping.

Segundo se depreende da denúncia, Marcelo Marinho de Andrade Zanotto era um dos diretores e gerente da empresa sócia-gerente da administradora do Osasco Plaza Shopping. Antônio das Graças Fernandes, por sua vez, era gerente de operações responsável pela manutenção e segurança do shopping.Encerrada a instrução criminal, sobreveio sentença que condenou cada um dos recorridos à pena de 08 (oito) anos de reclusão, em regime inicialmente fechado, além do pagamento de 27 (vinte e sete) dias-multa.

Contra a sentença, a defesa de Marcelo Zanotto recorreu, pretendendo a anulação do processo por cerceamento de defesa em razão do indeferimento de pedido decomplementação de perícia efetuado na fase do art. 499, do CPP, que visava o esclarecimento de questão que poderia ter resultado na absolvição do réu, em primeiro grau. No mérito, pugnou pela absolvição, argumentando que não teria conhecimento de que o cheiro que se sentia no local seria de gás GLP e, ainda, que o vazamento teria sido abrupto e repentino, inviabilizando qualquer medida preventiva de sua parte.

Já a defesa de Antônio das Graças Fernandes, também pretendendo a absolvição, alegou ter tomado as providências cabíveis, ao chamar técnicos da ULTRAGÁS para que verificassem a possível ocorrência de vazamentos, salientando que nada foi encontrado por tais técnicos. A defesa dos co-réus também recorreu, alegando a nulidade da sentença e a absolvição dos mesmos.

Recorreu, ainda, o Ministério Público, que pretendia o aumento da pena dos co-réus. Os recursos das defesas foram providos, por maioria, absolvendo-se todos réus, restando prejudicado o apelo ministerial.

Diante disso, o Ministério Público Estadual interpôs recurso especial,

argumentando negativa de vigência ao art. 386, inc. VI, do CPP e ao art. 13, § 2.º, do CP. Segundo sustenta, o acórdão impugnado teria desconsiderado inúmeras provas incriminatórias – ressaltadas, inclusive, pelo voto vencido, que mantinha a condenação.

Argumentou-se, ainda, que a responsabilidade dos recorridos decorreria de omissão penalmente relevante, eis que lhes cabia o dever de agir para impedir o resultado. Apontou o Ministério Público, também, a ocorrência de dissídio jurisprudencial com acórdão desta Corte, no sentido de que a hipótese não cuidaria de reapreciação do conjunto probatórios dos autos, mas tão-somente da valoração da mesma. O recurso é tempestivo. Os autos foram recebidos na procuradoria-Geral de Justiça no dia 02/03/2005, quarta-feira (fl. 8363) e a petição de interposição do recurso especial foi protocolada em 11/03/2005, sexta-feira (fl. 8366).

A matéria encontra-se prequestionada e o dissídio invocado, demonstrado nos moldes do RISTJ. Não obstante a tempestividade do recurso, este não merece ser conhecido. O voto condutor do acórdão impugnado assim considerou (fls. 8300/8306): “ (omissis)

5. MARCELO e ANTÔNIO foram condenados por terem descumprido dever legal de evitar o sinistro. Sabedores de que havia vazamento de gás, porque muitas eram as reclamações, deixaram de observar as recomendações dos técnicos da ULTRAGÁS, que, fornecedora do combustível ao centro, recomendaram a realização do teste de estanqueidade. Foram movidos por ganância, porque o teste exigiria a paralisação das atividades das lojas que se utilizavam de gás, com reflexo negativo na arrecadação de aluguéis. Assim, assumiram, deliberadamente os riscos.

Quem, privilegiando o lucro em detrimento da segurança, acaba, por omissão, a provocar explosão de grande monta em centro comercial em pleno funcionamento, com grande afluxo de pessoas, comete crime de explosão qualificada pelo resultado morte, apenas? O agente que admite a eclosão do sinistro, aderindo a esse resultado, não adere, também, ao resultado mais grave, isto é, o de que nele sucumbam centenas ou milhares de pessoas, eventualmente no recinto? A mente diabólica capaz de admitir a explosão de um centro comercial, apenas para não se privar de alguns alugueres, não estaria admitindo, implicitamente, que vidas fossem ceifadas, que pessoas saíssem despedaçadas? Seria isso mero crime de explosão agravada pelo resultado morte?

Para condenar os engenheiros da WYSLING GOMES, afirmou o juiz que eles se distanciaram do projeto original, colocando os dutos de gás em ambiente confinado e sem aterramento, disso não notificando quem de direito. Diz a sentença que, da alegada comunicação, ‘Prova documental disto não veio e há negativa da outra parte. Desse modo, os engenheiros não agiram com a devida prudência deixando de advertir e documentar o que faziam e as conseqüências da não observância de normas técnicas’ (fls. 7.555, metade do terceiro parágrafo).


Ora, se a instalação dos condutores de gás em lugar impróprio foi feita à sorrelfa pelos engenheiros da WYSLING GOMES, os administradores do centro comercial não tinham motivo para tentar por uma explosão. O gás não é, em si, substância explosiva, é combustível. Torna-se explosiva se atingir determinado nível de concentração em ambiente fechado. Ainda que o cheiro sentido no local fosse de gás ( e muitas pessoas afirmaram que não era), a situação não seria desesperadora, porque o vazamento, em ambiente aberto, causa incômodo, mas há dissipação. Não haveria, em tese, risco de explosão.

E desse risco os administradores não poderiam suspeitar, porque, segundo a sentença, não tinham conhecimento do desvio das normas de segurança que teria sido praticado. Não tinham, portanto, a representação do fato, a cujas conseqüências portanto não poderiam aderir. O certo é que a administração do OPS não se omitiu. Surgindo o cheiro desagradável a incomodar empregados e freqüentadores, ainda que na dúvida sobre se seria gás ou esgoto, convocou-se a ULTRAGÁS, companhia fornecedora de gás para a empresa, por duas vezes, para verificar a possibilidade de vazamento. Em nenhuma das duas visitas os técnicos acusaram qualquer vazamento. Nem se diga que pelo horário, porque, técnicos que são, sabiam ou deviam saber o melhor momento para fazer-se a verificação .

O teste de estanqueidade, que teria sido sugerido por eles, na verdade, não se presta a localizar vazamento, mas em constatar-lhe a existência. Seria prova de que não se sabia se o cheiro seria mesmo de gás, porque, se dúvida não houvesse a respeito, as providências deveriam ser outras. O certo, porém, é que há dúvida sobre se houve a sugestão para a realização de tal teste. Os empregados da ULTRAGÁS dizem que a fizeram, os empregados que a teriam recebido a negam (um deles, na época, nem em serviço estava) e, de providência tão importante, nada foi documentado na empresa fornecedora.

Na verdade, os empregados da ULTRAGÁS não suspeitaram de vazamento, porque em caso positivo, teriam sido, eles sim, desidiosos, uma vez que apenas cinco dias antes da explosão a empresa entregou no centro comercial uma tonelada e meia de gás. É sabido que, diante da possibilidade de vazamento, a primeira providência que a fornecedora deve adotar é interromper o fornecimento de gás e condenar a rede de distribuição. Se nada disso fez, ao contrário, entregou mais combustível, ou não havia dúvida quanto à inexistência de vazamento, ou foram desidiosos. E a denúncia não cuidou de incluí-los no pólo passivo da ação.

Mas a administração do OPS não se limitou a chamar a ULTRAGÁS, convocando, também, sua concorrente no mercado, cujos empregados também nada concluíram sobre eventual vazamento.

O que mais se poderia esperar dos administradores? Sentia-se cheiro de gás, chamou-se quem era do ramo para examinar o local. Tanto nada foi constatado, que o fornecimento do combustível não cessou. Qualquer pessoa normal se sentiria tranqüilo com as providências acautelatórias tomadas. Não entendo, chamo quem deve entender! Então, não se pode dizer que MARCELO e ANTONIO nada tenham feito. Apuraram que gás não era, razão pela qual desaparecia a urgência. O cheiro incomodativo, até que se lhe detectasse a origem, se de esgoto, inclusive, seria tratado com mais vagar.

De outra parte, parece-me assintoso à inteligência, admitir-se que o empresário MARCELI ZANOTTO, para não perder alguns reais de alugueres, admitisse perder todo o empreendimento e, principalmente, seu bom conceito profissional.

Os administradores do OPS não tinham, na verdade, consciência de que corriam o risco de uma explosão no local. Podiam saber que havia problema de mau cheiro a resolver, mas estavam descansados quanto ao gás, cuja presença era, na pior das hipóteses, apenas duvidosa, mas cujo vazamento, se é que havia, não indicaria conseqüências tão graves. Afinal, afirmou-se na sentença que os erros de instalação dos dutos não foram divulgados pelos instaladores. O gás na atmosfera se dissiparia e suas conseqüências seriam, no máximo, alguém com mal estar.

Se não tinham elementos para representar o risco de explosão, não poderiam ter aderido ao resultado, consentindo em que ocorresse. O dolo eventual é aquele em que o agente, sabendo que o que faz ou não faz pode desaguar em resultado danoso, não muda seu comportamento, aceitando-o. Na hipótese, recuso-me a interromper o funcionamento do OPS, porque desejo continuar recebendo seus frutos.

Se explodir, paciência. Dê no que der, nada farei e aceito as conseqüências, ainda que elas me sejam pessoalmente funestas, porque estarei, eu, e, algumas vezes, meus familiares, no local. Ora, isso é de uma tolice indescritível.

É preciso muita imaginação criativa para se debitar conduta tão tresloucada à simples ganância Quem assim pensasse não poderia ser condenado, sem que, antes, se lhe aferisse a higidez mental. Ficam absolvidos.” (g.n.).


Como se depreende dos excertos acima transcritos, o Tribunal a quo, analisando detidamente o conjunto probatório dos autos, concluiu que, ao contrário do afirmado pelo ora recorrente, não existiam provas convincentes a embasar a condenação.

Para isso, apontou, inclusive, as considerações da própria sentença, formuladas no sentido de que os responsáveis pelas obras de construção do shopping teriam modificado a planta original sem dar conhecimento a quem de direito – os recorridos. Estes, portanto, não poderiam ser responsabilizados pelo evento.

Considerou o acórdão, ainda, que não restou comprovada a conduta omissiva, tendo em vista que, constatada a possibilidade de vazamento de gás, os recorridos acionaram a companhia fornecedora de gás. Esta, em duas oportunidades, não encontrou nenhum problema e, ainda, continuou fornecendo o combustível para o shopping. Foi ressaltado que as providências adotadas pelos recorridos não se restringiram a chamar a empresa fornecedora do gás, mas incluíram, também, contato com a empresa fornecedora concorrente, a qual, da mesma forma, não indicou a existência de nenhum vazamento.

Com todas estas considerações, o Tribunal a quo concluiu que inexistiriam elementos que indicassem risco de explosão e, diante disso, não poderiam ser os recorridos por ela responsabilizados.

Não trata a hipótese, pois, de revaloração da prova, como quer o Ministério Público, mas sim de reconsideração do contexto fático-probatório que levou o Órgão Colegiado a concluir pela inocência dos recorridos.

Deve ser enfatizado que ao Órgão de segundo grau, em sede de apelação, é devolvida toda a matéria constante dos autos e, por este motivo, possibilita-se, em segundo grau de jurisdição, a análise detida da prova.

Ao Superior Tribunal de Justiça cabe a análise de eventual ofensa, negativa de vigência ou contrariedade a dispositivo infraconstitucional, derivada da atividade de segundo grau de jurisdição ou decorrente da sentença monocrática e mantida pelo Tribunal a quo.

Na presente hipótese, não se reconhece nenhuma negativa de vigência ao art. 386, inc. VI, do CPP e ao art. 13, § 2.º, do CP, eis que o acórdão recorrido adequadamente fundamentou sua decisão. Por outro lado, verifica-se que a convicção do Tribunal a quo foi baseada em análise ampla das peculiaridades do caso e das provas carreadas aos autos, inviabilizando-se, pois, sua desconstituição pela via do recurso especial, por aplicação da Súmula 07/STJ.

Ademais, deve ser ressaltado que o acórdão recorrido não somente se baseou nas provas para decretar a absolvição dos réus, mas também na nulidade da sentença, conforme se depreende do seguinte trecho (fls. 8313/8314):

“10. – A fundamentação da sentença apresenta-se contraditória. Ao mesmo tempo em que diz que os três engenheiros da Construtora Wysling Gomes agiram com culpa consciente, atribui-lhes o dolo eventual. As vertentes exigem, ambas, não apenas a previsibilidade, mas a efetiva previsão. Distinguem-se, no entanto, porque na culpa, o resultado danoso é repudiado pelo agente, que, no dolo eventual, o aceita. A fundamentação, oscilando entre um e outro estado anímico, demonstra, quando menos, insegurança do julgador”.

A mistura de conceitos permeou a decisão também no que toca a MARCELO e ANTONIO. Ao mesmo tempo em que se afirmou que eles, prevendo o resultado, assumiram-no como factível e nem pro isso se abstiveram de não agir, aplicando-se-lhes a fórmula dê no que der, nada farei para impedir, afirmou-se que eles apostaram suas fichas em que o dano não ocorresse. Agiram como jogadores, apostando na sorte. Então, eles pouco se importavam em o dano adviesse (dolo eventual), ou esperavam, confiavam, em que não ocorresse, ainda, que

levianamente (culpa consciente)?

A fundamentação é essencial à sentença. Faltando, inquina-a de nulidade. Também a nulifica a fundamentação contraditória, que equivale à ausência de fundamentação. É na fundamentação que o juiz expõe as razões de decidir, dando visibilidade à maneira pela qual interpretou a prova e reconstituiu os fatos, bem como da subsunção deles às normas do direito. Sem fundamentação, a decisão é ato arbitrário. A fundamentação dúbia e contraditória equivale à ausência de fundamentação, exatamente porque ela impede se conheça, com a indispensável precisão e clareza, os elementos que conduziram à solução contida no dispositivo.

Mais não é necessário para que se evidenciem os vícios do processo, tema que, como já anunciado, perdeu a importância.” Contudo, das razões do presente recurso especial, depreende-se que este fundamento do acórdão recorrido restou inatacado. Deve ser ressaltado que tal entendimento, por si só, é capaz de manter a decisão absolutória. Desta forma, inviável o conhecimento da irresignação, também em aplicação ao enunciado da Súmula 283/STF. A respeito:

“PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL.ESTUPRO. AÇÃO PENAL. LEGITIMIDADE. PRESUNÇÃO DE VIOLÊNCIA. FUNDAMENTOS DO ACÓRDÃO. QUAESTIO FACTI.DISSÍDIO.

I – Se a nulidade foi rechaçada sob dois fundamentos autônomos, o recurso que ataca apenas um deles não pode, neste ponto, ser conhecido (Súmula 283-STF). A verificação do suporte fático escapa, também, ao recurso especial (Súmula nº 07-STJ).

II – Se a presunção de violência, contestada no recurso, foi afirmada com supedâneo na prova, a sua contestação esbarra, por igual, na Súmula 07-STJ.

III – O dissídio pretoriano deve observar as exigências dos arts. 255 do RISTJ e 541 do CPC c/c o art. 3º do CPP. Recurso não conhecido.” (REsp 447.875/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 27.05.2003, DJ 30.06.2003 p. 290) “CRIMINAL. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. INFRAÇÃO PENAL. REMISSÃO. MEDIDA SÓCIO-EDUCATIVA. CUMULAÇÃO. PRESCRIÇÃO. PERDA DO OBJETO.

FUNDAMENTO NÃO ATACADO PELO RECURSO ESPECIAL. NÃO CONHECIMENTO.

1. Não se conhece do recurso especial que se insurgiu apenas contra um dos fundamentos da decisão, em existindo outro, não impugnado, suficiente a mantê-a.

2. “É inadmissível o recurso extraordinário, quando a decisão recorrida assenta em mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles.” (Súmula do STF, Enunciado nº 283).

3. Recurso não conhecido.” (REsp 241.588/SP, Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, SEXTA TURMA, julgado em 05.04.2001,DJ 13.08.2001 p. 298).

A divergência jurisprudencial, por seu turno, não resta comprovada. Segundo o recorrente, o acórdão apresentado como paradigma seria demonstrativo de que existe a possibilidade de revaloração do contexto probatório quando evidenciado que o Tribunal a quo, absolvendo réu condenado em primeiro grau de jurisdição, desconsidera provas tidas por válidas em primeiro grau de jurisdição.

No entanto, a situação fática do paradigma e do acórdão atacado são diversas. No padrão apresentado, cuida-se de julgamento pelo Tribunal do Júri, no qual o réu, condenado em primeiro grau, foi absolvido em grau de recurso, por aplicação do princípio do in dubio pro réu.

Já no presente caso a absolvição não se deu por existir dúvida razoável em favor do réu, cuidando o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo de enfaticamente asseverar a inexistência de provas suficientes à condenação . Como se vê, não se trata de caso de revaloração, mas sim de reapreciação da prova dos autos. Assim, não comprovado o dissídio, por disparidade das situações fáticas. Nesse sentido:

“PENAL. RECURSO ESPECIAL. ART. 158, § 1º, C/C ART. 14, INCISO II, DO CÓDIGO PENAL. REINCIDÊNCIA. ADMISSIBILIDADE. SÚMULA 284-STF. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO CARACTERIZADO. SUBSTITUIÇÃO DA PENA POR RESTRITIVA DE DIREITOS. CRIME RATICADO MEDIANTE GRAVE AMEAÇA. IMPOSSIBILIDADE.

I- Impossibilidade de se conhecer do recurso pelo permissivo da alínea a, quanto à alegada violação ao art. 61, inciso I, do CP, em face de deficiência na sua fundamentação (Súmula 284 – STF).

II – A divergência jurisprudencial, para restar caracterizada, deve alcançar as peculiaridades juridicamente relevantes ao caso. Se o suporte fático, no punctum saliens, não guarda similitude com o dos paradigmas, o dissídio desmerece ser reconhecido.

III – Para que o réu seja beneficiado com a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, é indispensável o preenchimento dos requisitos objetivos e subjetivos constantes do art. 44 do Código Penal, o que não ocorreu no caso. (Precedentes).

Recurso parcialmente conhecido e, nessa parte, provido.”

(REsp 815.868/RS, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 12.09.2006, DJ 30.10.2006 p. 400)

Diante do exposto, não conheço do recurso.

É como voto.

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia QUINTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

“A Turma, por unanimidade, não conheceu do recurso.” Os Srs. Ministros Laurita Vaz, Arnaldo Esteves Lima e Felix Fischer votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília, 12 de dezembro de 2006

LARISSA GARRIDO BENETTI SEGURA (em substituição)

Secretária.

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