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Genoíno não consegue que Veja tire gravação do site

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13 de dezembro de 2006, 15h48

O ex-presidente do PT e deputado federal eleito José Genoíno não conseguiu que a revista Veja fosse obrigada a tirar do site uma reportagem que exibia trechos de conversas telefônicas interceptadas pela Polícia, com autorização judicial. Nas conversas, supostos integrantes da organização criminosa Primeiro Comando da Capital recomendam voto em Genoíno.

A pretensão foi negada pela 4ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, que não acolheu o recurso e Genoíno. O relator, desembargador Ênio Santarelli Zuliani, entendeu que mandar retirar o texto do site configuraria censura.

A intervenção judicial, sem provas pré-constituídas de desvio da deontologia do bem servir que consagra o trabalho da imprensa, representaria, nesse contexto, algo mais próximo da censura do que propriamente controle de abuso”, considerou o desembargador.

O pedido do ex-presidente do PT foi acolhido pela juíza Camila de Jesus Gonçalves Pacífico, da 1ª Vara Cível de Pinheiros, São Paulo. As reportagens foram publicadas na edição de 16 de setembro deste ano e abordam a ação movida pelo Ministério Público de São Paulo contra 25 pessoas acusadas de envolvimento com o PCC e a existência de escutas telefônicas com conversas de supostos integrantes da organização criminosa.

Na reportagem As Fitas do PCC, a semanal reproduz um diálogo telefônico em que um suposto integrante da facção criminosa recomenda que todos os familiares, amigos e conhecidos de presos ligados ao PCC a votar no petista José Genoíno, candidato ao governo de São Paulo nas eleições de 2002.

A primeira instância considerou que não houve elementos concretos que provassem a existência de elo entre o PT e o PCC. A juíza ainda disse que “a menção ao nome do autor afigura-se desnecessária para o atendimento do interesse público no tocante ao andamento das investigações sobre o PCC, uma vez que a própria revista reconhece a inexistência de prova de elo entre o PT e o PCC, podendo induzir em erro os leitores mais desavisados”.

A decisão, contudo, foi cassada pelo TJ paulista. De acordo com o relator, a prioridade é sempre o direito à informação, “ainda que sacrifique atributos da pessoa exposta no escândalo que se torna público, porque a ela a ordem jurídica reserva meios de, no período post scriptum, obter a reparação por eventuais lesões patrimoniais e danos morais. Portanto, para que o próprio Estado, como bem comum, não se fragmente para servir apenas os propósitos mesquinhos de grupos parasitários, o canal de transparência pela comunicação deve ser aberto para que os acontecimentos coletivos fluam sem barreiras, salvo, evidentemente, situações de fraude, como montagens de fitas magnéticas, fotos, filmagens e outros mecanismos que a imprensa prudente não utiliza”.

As partes ainda podem recorrer.

Leia o voto do relator

VOTO N: 10658

AGRV.Nº: 470.128-4/2

COMARCA: SÃO PAULO

Relator Des. ÊNIO SANTARELLI ZULIANI (4ª Câmara Direito Privado)

AGTE.: EDITORA BRASIL S/A

AGDO.: JOSÉ GENOÍNO NETO

Lei de Imprensa – Tutela inibitória ou interdital pleiteada por candidato à Deputado Federal, com o propósito de extrair do site de revista eletrônica, trechos de conversas telefônicas interceptadas pela Polícia, com autorização judicial, nas quais seu nome é mencionado como sendo o preferido dos membros do PCC, conhecida facção criminosa – Inadmissibilidade, sob pena de constituir censura ao direito de informação – Interpretação dos arts. 461, do CPC e 220, caput e § 1º, da CF Provimento.

Vistos.

EDITORA ABRIL S.A. interpôs agravo da r. decisão que, atendendo pedido de JOSÉ GENOÍNO NETO, em ação promovida pela reportagem da Revista Veja, de 16.9.2006, que deferiu tutela antecipada para extrair do site em que a editora mantém página eletrônica, textos em que o nome de José Genoíno foi referido em suposto diálogo obtido em escuta telefônica de membros do PCC [Primeiro Comando da Capital], facção criminosa que atua a partir de líderes reclusos nos presídios paulistas.

Observa-se que a Revista Veja obteve as fitas de gravação de ligações rastreadas pela Polícia e está divulgando o conteúdo das conversas interceptadas, informando que basta acessar www.veja.com.br [fl. 55]. O autor da ação considera absurda a referência ao seu nome em um dos supostos diálogos e afirma que a reportagem supervalorizou o fato com o objetivo de persuadir os leitores e seus eleitores de que ele teria algum vínculo com o PCC, tanto que destacou uma frase “é pra eleger o genoíno”. Para o autor da ação estaria caracterizado o abuso e que consistiria na deturpação de um fato para denegrir a imagem política de um candidato.


O ilustre Desembargador MAIA DA CUNHA concedeu efeito ativo e o agravo foi respondido.

É o relatório.

É permitido, nos termos do art. 12, do Código Civil, proibir divulgação de textos jornalísticos que ofendam direitos fundamentais da pessoa, como a honra, a reputação, o nome e outros valores da personalidade. A doutrina pede que se aja com cautela nesse contexto, para que o Judiciário não se transforme em órgão de censura [CLÁUDIO LUIZ BUENO DE GODOY, A liberdade de imprensa e os direitos da personalidade, Atlas, 2001, p. 113]. O art. 1071 bis do Código Civil da Argentina é bem claro quanto a ordem de abstenção, seguida de indenização, o que seria, na opinião de EDUARDO ZANNONI, apropriado para interromper campanhas difamatórias [El daño en la responsabilidad civil, Buenos Aires, Astrea, 1993, p. 368].

A liberdade de imprensa, afirmou com muita propriedade THOMAS COOLEY, significa a “liberdade de exprimir e publicar aquilo que ao cidadão lhe pareça agradável, ficando ele garantido contra a censura legal” [Princípios gerais de Direito Constitucional dos Estados Unidos da América do Norte, tradução de Alcides Cruz, 2ª edição, RT, 1982, p. 317]. Será permitido ocultar da sociedade os fatos apurados pela imprensa e que dizem respeito à segurança pública? Essa indagação é oportuna, no intróito do voto, por estar em pauta o propósito de se excluir o nome do autor do conteúdo da conversa gravada a ser publicada. Peço licença para transcrever parte de trecho de obra doutrinária que escrevi e que, em breve, será lançada pela editora Revista dos Tribunais, sobre o art. 7º, da Lei 5250/67.

Em palestra proferida no Seminário da Sociedade Interamericana de Prensa, realizado em São Paulo, no mês de agosto de 2003, o Juiz da Vara Federal para o Estado de Maryland, PETER J. MESSITTE, afirmou, que nos Estados Unidos, não se admite que um jornalista cometa crime para a obtenção de notícias; contudo, em estando envolvido em invasão de privatividade, responderá pelos danos que causa no juízo cível, acrescentando[1]: “No ano de 1962, a Suprema Corte decidiu o caso New York Times vs. Sullivan, com base na Primeira Emenda Constitucional, e, imediatamente, se tornou obrigatória a todas as demais cortes federais ou estaduais. O tribunal decidiu que, quando está envolvida uma figura pública, a mídia não será responsável por danos civis, mesmo por publicação de informações falsas, desde que a informação não tenha sido veiculada com o conhecimento de sua falsidade, ou com grosseiro desconhecimento da verdade. É o conhecido padrão do actual malice, i.e., efetiva má-fé. Por um princípio constitucional, não há responsabilidade civil se a mídia foi simplesmente negligente nas informações que publicou sobre figuras públicas”.

O sistema jurídico brasileiro não é diverso. Haverá sempre a supremacia do direito de informação, desde que a divulgação seja do interesse da preservação da estrutura do poder democrático. Contudo, surgiu recentemente uma questão relacionada com o resguardo do sigilo da fonte e que diz respeito ao que se costuma denominar de prova ilícita ou ilegalmente obtida, matéria de direito processual e que está sendo mesclada para regular a atividade jornalística. Não que o profissional da mídia deva atuar como o juiz que resolve uma lide, porque essa função é específica da jurisdição oficial [artigo 5º, XXXV, da CF] e da arbitragem [Lei 9307/1996]. Porém, existe uma polêmica instaurada a partir do conceito de prova ilícita não admitida para os processos em geral [artigo 5º, LVI, da CF, 332 do CPC e 32 da Lei 9099/95] envolvendo o direito de informar, se é possível publicar um fato denunciado por meio de uma escuta telefônica [grampo] não autorizada pela Justiça.

A doutrina esclarece que a gravação de conversa entre duas ou mais pessoas denomina-se “escuta ambiental”, que poderá ser clandestina ou consentida. Chama-se “escuta telefônica” quando o diálogo telefônico é gravado por um dos interlocutores, com ou sem conhecimento do outro. Interceptação, ambiental ou telefônica, seria quando um terceiro grava a comunicação alheia. A interceptação seria sempre ilícita; as gravações não, o que autoriza a sua admissibilidade, em tese, no sistema das provas admitidas[2].


Partindo da certeza de que o jornalista é resguardado com o sigilo de fonte de informação, o que o impede de construir uma fonte ilícita para denunciar um fato? Afinal, se não é obrigado a esclarecer nada, tudo lhe é permitido produzir sob o manto protetor constitucional, inclusive a conversa captada por sofisticados aparelhos de escuta e gravação [interceptação e gravação]. O Judiciário poderá agir para impedir a publicação de matéria, na forma do artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal?

Um conflito dessa ordem chegou ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, conforme relatou, com riqueza de detalhes, o eminente Juiz Luiz Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho, ao comentar o que ocorreu no processo 2001.001.045.638.8, da 21ª Vara Cível, envolvendo o então Governador do Estado.[3] Reclamou o Governador que a TV Globo pretendia divulgar, no Jornal Nacional, o teor de uma conversa telefônica que foi captada sub-repticiamente, que poderia sugestionar a prática de corrupção, o que era negado. Obteve êxito: a noticia não foi ao ar, devido à emissão de liminar que proibiu a transmissão, mantida no TJ-RJ, com base na doutrina dos “frutos da árvore venenosa”. A empresa O Globo aforou medida cautelar, no STF, pleiteando autorização para publicação imediata da matéria cuja divulgação foi suspensa e não obteve a liminar [Petição 2702, decisão do Pleno referendando decisão do Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 19.09.2003].

Segundo a doutrina dos “frutos da árvore venenosa”, que foi aplicada pelo STF [“prova ilícita e contaminação de provas derivadas – fruits of the poisonous tree”, in R.T.J. 180/1002], quando uma árvore se mantém de pé, apesar de suas raízes venenosas, os frutos que produz terminam contaminados, não servindo para coisa alguma na comunidade, a não ser lesar ou prejudicar quem com eles conectar. Assim, transportando essa máxima para o campo do processo, quando uma prova é obtida de forma ilícita, a sentença que nela se apoiar estará, automaticamente, contagiada pela ilicitude e não se sustentará no plano da eficácia. Isso também ocorreria com o jornalista que obtivesse, de forma ilícita, uma notícia; a informação que se divulgasse por esse meio estaria viciada, tal como a sentença envenenada pela escuta clandestina.

Há, na Constituição Federal, regra declarando a inviolabilidade do sigilo de correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, “salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal” [artigo 5º, XII]. A Lei 9296/1996, que disciplina a forma com que o Judiciário autoriza a interceptação telefônica, caracterizou como crime a prática desautorizada da intervenção na esfera da privatividade alheia [artigo 11].

Não se pode ignorar que a radical vedação do uso da prova obtida de maneira ilegal constrange o espírito bem intencionado de se realizar justiça efetiva. Como negar valor probante a uma fita magnética que gravou, sem truques, uma confissão autêntica, notadamente quando se confirma a prática de um crime? O preclaro BARBOSA MOREIRA declarou-se estupefato com a eventual preponderância de direito de intimidade de um chefão do narcotráfico, sentenciando[4]: “Devemos confessar de resto, com absoluta franqueza, a enorme dificuldade que sentimos em aderir a uma escala de valores que coloca a preservação da intimidade de traficantes de drogas acima do interesse de toda a comunidade nacional (ou melhor: universal) em dar combate eficiente à praga do tráfico – combate-se que, diga-se de passagem, é também um valor constitucional, conforme ressalta da inclusão do “tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins”, entre os “crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia” (art. 5º, n. XLIII)”.

O consenso sobre essa matéria processual não está perto de ser alcançado. Recentemente o TJ-SP admitiu eficácia de “gravação ambiental” como prova cabal da improbidade na ação que cassou o mandato de vereador o qual exigia dinheiro para alterar lei de funcionamento de casa noturna [Ap. 195.674-5/2, j. 18.12.2002, Des. Paulo Travain, in RT 815/242]. Seria um retrocesso para o princípio da moralidade pública desprezar o conteúdo da gravação da conversa que envergonha a classe política. Importante sublinhar que o conteúdo deste julgado compatibiliza-se com doutrina de CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, que, ao comentar aplicação, pelo STF, da teoria “dos frutos da árvore contaminada”, afirmou: “Essa extremada radicalização compromete de morte o acesso à justiça e constitui grave ressalva à promessa constitucional de tutela jurisdicional a quem tiver razão (Const., art. 5º, inc. XXXV)”.[5]


Para orientar o caminho a seguir, diante dessa controvérsia, cumpre destacar uma proposição do ilustre Professor de Direito Constitucional LUÍS ROBERTO BARROSO[6]:

“Licitude do meio empregado na obtenção da informação. O conhecimento acerca do fato que se pretende divulgar tem de ter sido obtido por meios admitidos pelo direito. A Constituição, da mesma forma que veda a utilização, em juízo, de provas obtidas por meios ilícitos, também interdita a divulgação de notícias às quais se teve acesso mediante cometimento de um crime. Se a fonte da notícia fez, e.g., uma interceptação telefônica clandestina, invadiu domicílio, violou o segredo de justiça de um processo de família ou obteve uma informação mediante tortura ou grave ameaça, sua divulgação não será legítima. Note-se ainda que a circunstância de a informação estar disponível em arquivos públicos ou poder ser obtida por meios regulares e lícitos torna-a a pública e, portanto, presume-se que a divulgação desse tipo de informação não afeta a intimidade, a vida privada, a honra ou a imagem dos envolvidos”.

Não obstante respeitabilíssima a orientação supra transcrita, é preciso ponderar, caso a caso, a oportunidade de o Judiciário intervir para bloquear reportagens investigativas necessárias e úteis para o conhecimento do público.

Evidente que, em caso de ter ocorrido violação da intimidade, que é invulnerável por integrar direito da personalidade [art. 21, do CC], o interessado poderá impedir a divulgação usando das medidas cautelares [arts. 798 e 804, do CPC] e ou da tutela antecipada [art. 273, do CPC], que são instrumentos legítimos para resolver conflitos emergenciais. Não há, portanto, interesse público preponderante em desvendar segredos de alcova ou coisas do gênero.

Dificuldade existe, no entanto, com procedimentos similares utilizados para preservar honra, reputação e outros atributos de pessoas públicas envolvidas em escândalos ou situações de improbidade, devido a existir, do outro lado, interesse social relevante, qual seja, o de comunicar à sociedade fatos comprometedores da ética e da malversação de receitas públicas, embora descobertos por intermédio de escutas telefônicas clandestinas. Em assuntos correlatos a esses, manter mistério funciona como cumplicidade, um contraste com princípios democráticos fundamentais e coletivos, sabidamente preponderantes quando confrontados com expectativas de particulares.

Recomendável, diante do risco, que a autoridade judiciária, a qual competir julgar matéria de tal, não se deixe impressionar pela afirmada preponderância do direito individual daquele que postula a proibição de a imprensa divulgar fatos, porque a interdição de atividade soa como inadmissível e intolerável para o exercício da cidadania produtiva. A Constituição Federal não admite restrições à manifestação do pensamento, à criação, à expressão e à informação, “sob qualquer forma”, garante o artigo 220. Não se interpreta a legalidade de uma publicação do jornal ou de um programa de televisão com o rigor científico de um processo judicial, porque, no processo, decide-se, com primazia, o valor da pessoa humana diante de uma pretensão social [crime que penaliza a liberdade] ou de conflitos privados [civil]. No direito da comunicação, no entanto, não se coloca o direito do indivíduo em confronto com uma figura ou entidade personificada, mas, sim, como sujeito de massa homogênea destinatária da notícia que ser publicar. A mesma solidariedade que assegura harmonia grupal e alguns privilégios, exige, como moeda de troca, cumprimento de deveres, sendo que todos aqueles que se aventuram ao exercício de funções administrativas estão obrigados a prestar contas sociais, principalmente quando a imprensa, como porta-voz da população, o exigir. O valor ético do jornalista não é igual ao do Juiz; o profissional da mídia valoriza o interesse público sem preocupação com o direito individual e, normalmente, atua certo de que a figura pública não possui reserva fora de seu lar; quem não suporta o calor não deve entrar na cozinha, é um dos lemas que se observa quando se está diante de um furo jornalístico. A proibição da divulgação depõe contra a política afirmativa da liberdade de imprensa.


Inadmissível que, a pretexto de salvaguardar “honra” de agente público flagrado recebendo propina, se proíba o jornal ou a TV de publicar o fato para que o povo tome conhecimento e julgue, com seus critérios enigmáticos[7], a falcatrua denunciada. O senhor absoluto da conveniência de se dar publicidade a certa matéria será sempre do conselho editorial da empresa da área de comunicação, ao qual compete valorar a verossimilhança da denúncia antes de lançá-la ao ar. Ao Judiciário se permite, desde que sua intervenção não modifique o conteúdo do quadro a ser publicado ou transmitido, conceder um espaço para que o interessado exponha, junto com a denúncia que o compromete, a sua versão sobre a ocorrência, como se estivesse concedendo uma réplica de uso proporcional. Nada mais do que isso.

Transcrevo parágrafo conclusivo da persuasiva exposição de GRANDINETTI CASTANHO DE CARVALHO[8]: “A utilização da lógica processual da vedação da prova ilícita no processo, bem como da teoria dos frutos da árvore proibida, não podem ser transpostos para a lógica da informação, que tem objetivos pressupostos e funções constitucionais bem distintas. O Estado, por regra, não pode se utilizar de prova ilícita na prestação jurisdicional, mas a sociedade, que não impõe sanção formal de direitos, precisa conhecer os fatos de interesse público para poder portar-se, situar-se no contexto de uma organização plural e democrática que lhe exige opções políticas”.”

Reafirma-se o disposto em passagens anteriores desses comentários; prioriza-se, sempre, o direito à informação, ainda que sacrificando atributos da pessoa exposta no escândalo que se torna público, porque a ela a ordem jurídica reserva meios de, no período post scriptum, obter a reparação por eventuais lesões patrimoniais e danos morais [arts. 1º e 49, da Lei 5250/67, 5º, V e X, da CF e 186, do CC, de 2002]. Portanto, para que o próprio Estado, como bem comum, não se fragmente para servir apenas os propósitos mesquinhos de grupos parasitários, o canal de transparência pela comunicação deve ser aberto para que os acontecimentos coletivos fluam sem barreiras, salvo, evidentemente, situações de fraude, como montagens de fitas magnéticas, fotos, filmagens e outros mecanismos que a imprensa prudente não utiliza. Não se ousou cogitar desses mecanismos.

A gravação ambiental autorizada pelo Judiciário não é ilícita. A interceptação telefônica não autorizada, embora ilícita e inservível para um processo justo, é uma fonte da qual a imprensa poderá se valer para denunciar a corrupção e atos de improbidades de agentes públicos, respondendo pelos excessos que derivarem de sua má utilização. O Judiciário não é censor prévio do exercício dessa atividade; atua para reparar as conseqüências de excesso, dolo ou má-fé da utilização de fontes clandestinas. Liminares restritivas impediriam reformas sociais que são conquistadas devido à publicidade de esquemas sigilosos que são indignos de uma sociedade democrática. A causa-fim do direito de comunicação prepondera para justificativa dos meios empregados.

O autor, José Genoíno, não poderia pretender que a Revista Veja se abstivesse de publicar o conteúdo da conversa que foi interceptada pela Polícia, em escuta telefônica obtida com autorização judicial, ainda que a matéria sugestione o interesse do PCC, ou de alguns de seus membros, pela sua eleição à Câmara dos Deputados. A imprensa, nesse caso, não está sendo acusada de publicar parte da investigação, como se estivesse mal intencionada em prejudicar uma ou outra candidatura específica, tendo se limitado a dar publicidade a um fato policial, o que é permitido pela interpretação em sentido lato do art. 27, da Lei 5250/67.

Assim, para que pudesse se justificar a tutela inibitória do art. 461, do CPC, ou a antecipada do art. 273, do CPC, seria preciso prova cabal de estar a empresa manipulando dados para dar ensejo a uma campanha difamatória contra o candidato. Esse elemento subjetivo [dolo ou culpa] que é indispensável para caracterizar o abuso que se permite sancionar no exercício da imprensa, não está presente, embora caiba ao autor da ação produzir prova, como lhe faculta o art. 333, I, do CPC.


Desse modo, a intervenção judicial, sem provas pré-constituídas de desvio da deontologia do bem servir que consagra o trabalho da imprensa, representaria, nesse contexto, algo mais próximo da censura do que propriamente controle de abuso. Prudente, pois, revogar o que se decidiu, para que não se arranhe o disposto no art. 220 e parágrafo único, da Constituição Federal.

Não custa enfatizar que não se está adiantando juízo sobre o ato ilícito ou o abuso, que constitui pressuposto do direito de indenizar, nos termos dos arts. 49, da Lei 5250/67, 186, do CC e 5º, V e X, da Constituição Federal, porque essa questão está reservada para a sentença definitiva. Todavia, não há, ainda, prova que convença de ser caso de emissão de tutela inibitória ou interdital, porque não se permite afirmar que está ocorrendo dano injusto ou de efeito continuado, tanto que o agravado obteve vitória nas urnas, elegendo-se Deputado Federal.

Dá-se provimento.

ÊNIO SANTARELLI ZULIANI

Relator


[1] Tribunais e jornalistas nos Estados Unidos da América: perguntas freqüentes, in Revista da Escola Paulista da Magistratura, ano 4, número 2, p. 213.

[2] LUIZ FRANCISCO TORQUATO AVOLIO, Provas ilícitas, p. 156.

[3] Liberdade de informação e o direito difuso à informação verdadeira, p. 166.

[4] A Constituição e as provas ilicitamente obtidas, in Temas de Direito Processual (sexta série), p. 123.

[5] Instituições de Direito Processual Civil, III, p. 51, § 783.

[6] Colisão entre liberdade de expressão e direitos da personalidade. Critérios de Ponderação. Interpretação Constitucional Adequada do Código Civil e da Lei de Imprensa, in Revista de Direito Privado, n. 18, p. 132, abril-junho de 2004.

[7] O sentido do enigmático está associado a cultura da memória curta do eleitorado que, por vezes, não se peja de reeleger políticos cassados ou envolvidos em denúncias de improbidade.

[8] Liberdade de informação e o direito difuso à informação verdadeira, p. 179.

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