Pimenta Neves

Presunção de inocência não significa impossibilidade de prisão

Autor

  • Sergei Cobra Arbex

    é advogado criminalista sócio do escritório Cobra Arbex Advogados Associados conselheiro seccional vice-presidente da Comissão de Prerrogativas e corregedor do Tribunal de Ética da OAB-SP

12 de dezembro de 2006, 6h00

Preocupam-me as recentes interpretações precipitadas, judiciais ou não, acerca da consagração e aplicação do princípio constitucional da presunção de inocência, porquanto afetam a segurança jurídica, decorrente da credibilidade, que a sociedade deposita no Poder Judiciário.

A Constituição Federal estabelece que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (artigo 5, LVII). Perfeito enquanto corolário de um estado de Direito justo e, por óbvio — nossa lei maior — convive em todos os momentos litigiosos, da comarca mais longínqua a mais central do país.

Entretanto, se é verdade que o princípio da não culpabilidade (denominação mais correta) não pode ser suprimido, também não pode ser utilizado para decretar a “morte” das legislações infraconstitucionais, sob o argumento de que estas, ao sabor da conveniência do julgador ou do analista, incompatibilizam-se com o citado princípio, taxando-as com o rótulo da inconstitucionalidade.

Para ser mais objetivo e abordar diretamente o fato judicial, que mais afeta a sociedade na sua interpretação de iniqüidade e, até mesmo, de impunidade na tomada de decisões do Poder Judiciário, necessário que se tenha coragem de afirmar — para um advogado criminalista pode não lhe convir — que o mandamento constitucional da não culpabilidade até o trânsito em julgado de sentença penal, não significa a impossibilidade da imposição da pena de prisão.

O legislador constituinte não disse que para a aplicação da pena, necessário se faz aguardar o trânsito em julgado da sentença condenatória, até porque existem as diversas modalidades de prisão cautelar, dentre elas a do flagrante e as hipóteses do artigo 312 do Código de Processo Penal.

Porém, defendo que a abrangência do mandamento constitucional sofreu indevido elastério jurisprudencial, quando nos deparamos com decisões judiciais, que não admitem a prisão decorrente de sentença condenatória, sem trânsito em julgado, se inocorrentes as hipóteses da necessária cautelaridade (artigo 312 do CPP), independente da análise do crime perpetrado.

É claro, que a liberdade deve sempre ser a regra e, se a condenação não é definitiva — principalmente aquela sujeita ao duplo grau de jurisdição (apelação ) — a prisão deve ser a exceção, mas que não pode estar restrita apenas as hipóteses previstas no artigo 312 do CPP, sob pena de negarmos a aplicação de justiça.

Uma pessoa condenada, com sua sentença confirmada em segunda instância, por um crime hediondo, que confessou (a confissão é uma prova importante e diferenciadora para a Justiça), não merece e não pode ter o benefício de aguardar seus supostos Recursos Especial e Extraordinário, em liberdade, até porque o legislador infraconstitucional não previu suas eficácias suspensivas.

O que pode soar como heresia hermenêutica, a mim ajusta-se como perfeita denominação de aplicação de Justiça. Cada caso é um caso. A aplicação da lei deve sempre submeter-se a evidência dos fatos do processo.

Afinal, não nos foi ensinado nas arcadas do Direito que a lei é serva da Justiça? Mas, que Justiça é essa que deixa presa uma pessoa que “roubou” um pote de margarina, que prende “cautelarmente” uma mãe sob falsa acusação de ter envenenado seu próprio filho e deixa solto outro que matou a companheira com um tiro pelas costas e confessou seu crime, mesmo após ter sido condenado por um Tribunal do Júri.

Quem milita na área criminal sabe que as injustiças são muitas nas decretações de prisões, mormente em preventivas quando o crime é considerado hediondo, porquanto a liberdade provisória encontra vedação legal. Nem por isso, a jurisprudência não encontrou mecanismos de exceção legal para conceder o benefício diante de uma manifesta ilegalidade, que por sua vez traduz-se em injustiça.

Por outro lado, as recentes decisões do Supremo Tribunal Federal, tanto a que declarou a inconstitucionalidade da fixação do regime integralmente fechado para o cumprimento de pena (artigo 2, parágrafo 1° da lei dos Crimes Hediondo), como a que possibilitou a liberdade de uma pessoa condenada, com sua sentença confirmada pelo Tribunal, não tem efeito vinculante, constituindo uma exceção num caso específico.

De acordo com a Emenda Constitucional 45, em seu artigo 103-A, as decisões do STF somente terão efeito vinculante em relação aos demais órgãos do poder Judiciário, mediante decisão de dois terços de seus membros. Nos casos citados, a decisão foi tomada por diferença de 1(um) voto, bem longe de alcançar os dois terços exigidos pela norma.

Não é fácil distribuir a justiça. Às vezes, ela se esconde nas sombras da lógica da lei. A lógica fria e impessoal não pode encontrar refúgio na lei. É mais fácil e muito menos arriscado lidar com a lógica. Só que, a lógica, sem Justiça, é como um homem com uma ótima cabeça e um coração mesquinho, que não serve aos anseios de Justiça para uma democracia ainda tão carente de uma cidadania corajosa e fraterna.

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    é advogado criminalista, sócio do escritório Cobra Arbex Advogados Associados, conselheiro seccional, vice-presidente da Comissão de Prerrogativas e corregedor do Tribunal de Ética da OAB-SP

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