Caos aéreo

A Anac jamais regulou ou exerceu a sua função

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10 de dezembro de 2006, 6h00

[Artigo publicado em 10/12/2006 e reapresentado nesta data (19/07/2007) em razão de sua atualidade]

Os controladores de tráfego aéreo, assim como os consumidores, são vítimas da gradual desprofissionalização do “sistema de aviação civil”, patrocinado pelo governo federal. O controle de tráfego aéreo é apenas uma parte do problema e teria sido (e poderá ser) resolvido com a aprovação do plano de carreira dos sargentos e sub-oficiais da Força Aérea Brasileira, através do Projeto de Lei. 4.991 que, desde 2005, tramita com a relatora, deputada Maria José Maninha, ex-PT e hoje PSOL.

Esse projeto, além de evitar a evasão de controladores, atrai vários outros aposentados de volta ao trabalho. Trata-se de questão pontual, perdida na falta de prioridades de grande parcela dos integrantes da Câmara Federal.

A responsabilidade pelo colapso é do governo federal que de forma precipitada, e sem qualquer planejamento, encaminhou a lei que criou a Anac e, ainda, indicou militantes políticos sem nenhuma experiência na área, para ocupar os principais cargos estritamente técnicos. Deve o governo repartir a responsabilidade com o Congresso Nacional que aprovou tudo o que foi encaminhado pelo Executivo com relação à Anac. Foi, também, o governo federal que contingenciou recursos que deveriam ter sido aplicados no Sistema de Proteção ao Vôo. Se o governo federal não suspender a tentativa de transferência de responsabilidade, como vem fazendo, não se chegará nunca à solução.

Enquanto não se “reprofissionalizar” o setor aéreo não acabará o caos. Nem mesmo dobrando o número de controladores. A aviação é o mais seguro meio de transporte porque não admite amadorismos nem conchavos políticos. Aviação exige profissionalismo, disciplina, hierarquia e estrita obediência às leis. Não se pode dizer que tal perfil seja encontrado no loteamento de cargos.

Daí porque não haver comparação entre agências reguladoras de países do primeiro mundo e do Brasil. Na aviação, o resultado dessa prática é o caos. Logo, não haverá saída sem revogar a lei que criou a Anac, porque outros militantes políticos serão indicados para o lugar destes e a agência continuará vulnerável ao loteamento de cargos e à influência política. Precisamos do Departamento de Aviação Civil, com profissionais administrando harmonicamente, integrado aos demais órgãos do sistema e subordinado ao Comando da Aeronáutica. Um órgão imune, como sempre foi, a essas práticas políticas.

Um diretor geral do DAC não chegava lá com menos de sessenta anos, porque passava quarenta estudando segurança de vôo, transporte aéreo, investigação de acidentes aeronáuticos, enfim, matérias específicas, altamente técnicas e extremamente complexas. Por isso tínhamos segurança de vôo e aviação de primeiro mundo em um país de terceiro. Se havia falhas no DAC, vamos corrigi-las. Hoje, na Anac, temos só falhas e em tal quantidade que é impossível remendar. Atualmente, os serviços aéreos públicos nivelaram-se por baixo aos demais.

Não há mais comando, não há sintonia entre a Anac e os demais órgãos que integram o sistema de aviação civil, todos técnicos. O profissional, tenente Brigadeiro Vilarinho, que alertou para o problema é afastado porque alertou. E os amadores continuam. De que adianta reunir o Ministro da Defesa, a Ministra Chefe da Casa Civil e o Presidente da Anac em uma mesma sala se não conhecem o assunto que está sendo discutido?

Quem está no centro da geração do caos jamais terá condições de encontrar uma saída para ele. A falta de conhecimento é de tal grandeza que essas pessoas sequer têm condições de fazer uma auto-crítica e chegar a essa mesma conclusão. Podem, até, estar bem intencionados, mas, não têm conhecimento sequer para avaliar o que aconteceu e está acontecendo. Política e aviação não se misturam. E não adianta chamar o Comandante da Aeronáutica para a reunião porque acima dele está o Ministro da Defesa, a quem deve subordinação e, abaixo, ou ao lado, está o presidente da Anac que a ele, comandante, não se reporta. E nenhum dos dois tem qualquer conhecimento técnico sobre a matéria.

Ninguém manda em ninguém, ninguém obedece ninguém e ninguém sabe nada de coisa nenhuma. O resultado não poderia ser outro. Aviação sem hierarquia e sem disciplina não funciona, especialmente num país como o Brasil, onde não há critério técnico para o preenchimento de cargos.

O ministro do Turismo chegou a declarar, durante a crise da Vasp, em 2005, que o “governo não tem nada com isso”. A crise não é de hoje. Ao fazer essa declaração, o ministro demonstrou desconhecer a Constituição Federal: “Navegação aérea é competência da União” (art.21, XII,”c”).

Mais adiante, a ministra Dilma declarou que necessitava ter acesso aos dados da concessionária Varig. Confundiu empresa privada com concessionária de serviços públicos. E com essas declarações a ilustre ministra demonstrou desconhecer o artigo 175 da Constituição Federal e a Lei 8.987/95 onde, no artigo 30, consta:

“No exercício da fiscalização, o poder concedente terá acesso aos dados relativos à administração, contabilidade, recursos técnicos, econômicos e financeiros da concessionária”.

A mesma lei estabelece intervenção, encampação e nova licitação para casos de concessionárias de serviço público em dificuldade. E a intervenção efetiva-se através de decreto do Presidente da República que também ignorou a Constituição que jurou (e vai jurar de novo) defender.

Aos passageiros não interessa o nome que está escrito no avião e quem é o dono da concessionária. A eles interessa a prestação do serviço que é essencial e contínuo. E foi interrompido em face do descumprimento da lei.

Ao descumprir a Constituição, tanto os ministros quanto o Presidente da República, decretaram a destruição de um terço da malha aérea do Brasil (208 vôos por dia operados pela Varig), mandaram para o hangar 80 aeronaves e para casa 9 mil profissionais, jogando 12 milhões de passageiros sobre as companhias aéreas que sobraram (e seus funcionários), todas sem condições de atender à demanda.

As concessionárias remanescentes utilizam-se de suas rotas, com dezenas de conexões em Brasília. O controlador, de uma hora para outra, viu o tráfego aéreo ir aumentando em sua tela de radar, sem nada poder fazer, até que a tragédia do Gol 1907 deixou a todos em pânico.

Imagine-se a destruição de um terço da malha rodoviária? O tráfego fluiria para os dois terços de rodovias que sobraram, causando extraordinária sobrecarga. Faltaria fiscalização e policiamento, aumentariam os acidentes e as mortes. Os dois terços de estradas remanescentes iriam sendo destruídos à medida que o tempo, e os veículos, fossem passando.

É o que está acontecendo com o transporte aéreo no País. E a Anac? Onde estava? Regulando? Não, estava concordando com o governo em sua ação de descumprimento da lei que levaria, como levou, a desregular, desfigurar, demolir, implodir a malha aérea do país. Retirar um terço da oferta certamente desregularia o mercado e levaria ao caos.

A Anac jamais se posicionou para regular. Nunca exerceu sua função. Ao contrário, em toda a crise esteve sempre ao lado do governo, do qual depende e ao qual está ligada por questões partidárias e ideológicas. Ela contraria tudo o que existe no mundo sobre a função técnica e independente de uma agência reguladora. A aviação não perdoa a falta de técnica. O presidente da República, seus ministros, assim como o Congresso que aprovou lei e os nomes da Anac devem ter a humildade de admitir que erraram.

Revogue-se a lei, desista-se da desprofissionalização, abandone-se o sonho de uma agência reguladora para a aviação civil até que acabe o loteamento de cargos. Até lá, traga-se o DAC e seus técnicos de volta, antes que mais vidas inocentes sejam sacrificadas.

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