Boi na linha

Defensoria Pública do DF entra com ação contra Brasil Telecom

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9 de dezembro de 2006, 10h47

A Defensoria Pública do Distrito Federal ingressou com Ação Civil Pública contra a Brasil Telecom. Motivo: a empresa tem protestado o nome de clientes por linhas telefônicas solicitadas com documentos falsos. Já existem condenações na Justiça pelo mesmo motivo.

De acordo com o defensor público Antônio Carlos Cintra, a empresa ainda usa serviços de telemarketing para conquistar mais clientes, o que viola o Código de Defesa do Consumidor, já que a contratação via telefone não permite informar ao consumidor de todo o teor do contrato.

Leia o pedido

EXCELENTÍSSIMO SENHOR SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA VARA CÍVEL DA CIRCUNSCRIÇÃO ESPECIAL JUDICIÁRIA DE BRASÍLIA – DF

PROCURADORIA DE ASSITÊNCIA JUDICIÁRIA, NÚCLEO DE ASSISTÊNCIA JURÍDICA CENTRAL E DEFESA DO CONSUMIDOR, que faz as vezes da DEFENSORIA PÚBLICA no Distrito Federal, com sede no SCS ed Quadra 05 bloco B ed FARAH em Brasília DF, vêm, respeitosamente à presença de Vossa Excelência, propor, nos termos da Lei 7.347, de 24 de julho de 1985 (Lei da Ação Civil Pública) e da Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor), a presente

AÇÃO CIVIL PÚBLICA

COM PEDIDO LIMINAR INAUDITA ALTERA PARTE,

em face da BRASIL TELECOM S. A., CNPJ 76.535.764/0001-43, com sede no SCS Qd 02, Bl E, Projeção 21, CEP 70302-903, Brasília-DF, pelos motivos de fato e de direito que passa a expor.

1 – PRELIMINARMENTE – DA LEGITIMIDADE ATIVA

A causa vertente é caracterizada pela defesa de direitos coletivos ligados pela mesma relação jurídica (art. 81 II, Lei nº 8.078/90), que podem ser defendidos em juízo por órgão da administração pública direta ou indireta, ou por instituições especificamente destinadas à defesa dos consumidores (artigo 82, II, da Lei 8078/90).

Conforme disciplina o art. 4º, da Lei Complementar nº. 80/94 ([1]), é função institucional da Defensoria Pública defender os interesses dos consumidores.

Por sua vez, o inciso II, do art. 5º, da Lei 7.347 de 24 de julho de 1985, legitima os órgãos que possuam finalidades institucionais de proteção ao consumidor à proposição de Ação Civil Pública:

Art. 5º – A ação principal e a cautelar poderão ser propostas pelo Ministério Público, pela União, pelos Estados e Municípios. Poderão também ser propostas por autarquia, empresa pública, fundação, sociedade de economia mista ou por associação que: (…) iiinclua entre suas finalidades institucionais a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência, ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico: (…)

Ademais, a finalidade precípua da Defensoria Pública é defender em todos os graus, os necessitados na forma do art. 5º, inciso lxxiv, da Constituição Federal de 1988, caracterizando-se como órgão essencial à função jurisdicional do Estado.

No Distrito Federal, com o advento do Decreto nº. 22.490/01 (doc 01), a Defensoria Pública foi reestruturada como Centro de Assistência Judiciária – CEAJUR, incumbindo de prestar gratuita e integral assistência jurídica, judicial e extrajudicial, aos necessitados, compreendendo a orientação, postulação e defesa de seus direitos e interesses, em todos os graus e instâncias, inclusive o juizado especial, na forma do inciso LXXIV, do art. 5º, da Constituição Federal. ([2])


Dentre suas funções essenciais, assevera o art. 3º, do referido Decreto, verbis:

São funções essenciais do CEAJUR, dentre outras:

XI- patrocinar os direitos e interesses do consumidor lesado; [sem grifos no original]

Em seqüência da hermenêutica, o art. 82, III, do Código de Defesa do Consumidor, ajusta, de resto, que serão legitimados concorrentemente as entidades e órgão da administração pública direta e indireta, especificamente destinados à defesa dos consumidores, in litteris:

Art. 82. Para os fins do art. 81, parágrafo único, são legitimados concorrentemente: (Redação dada pela Lei nº 9.008, de 21.3.1995)

I – o Ministério Público,

II – a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal;

III – as entidades e órgãos da Administração Pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica, especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos por este código; [sem grifos no original]

Portanto, uma vez confrontadas as normas Constitucionais, Complementares e Distritais, bem como identificada a estruturação da Defensoria Pública no Distrito Federal, através do Centro de Assistência Judiciária – CEAJUR, torna-se inegável sua legitimidade na proposição da presente Ação Civil Pública, de forma concorrente com fito a defender o consumidor lesado.

Ademais, em ocasiões anteriores em que este mesmo órgão propôs Ação Civil Pública o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios já se manifestou pela legitimidade, assim como os juízes que atuaram na causa e não tem sido outro o entendimento do Superior Tribunal de Justiça.

INF 295-STJ

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE. DEFENSORIA PÚBLICA. INTERESSE. CONSUMIDORES.

A Turma, por maioria, entendeu que a defensoria pública tem legitimidade para propor ação civil pública na defesa do interesse de consumidores. Na espécie, o Nudecon, órgão vinculado à defensoria pública do Estado do Rio de Janeiro, por ser órgão especializado que compõe a administração pública direta do Estado, perfaz a condição expressa no art. 82, III, do CDC. Precedente citado: REsp 181.580-SP, DJ 22/3/2004. REsp 555.111-RJ, Rel. Min. Castro Filho, julgado em 5/9/2006.

2. DA LEGITIMIDADE PASSIVA

Estabelece o artigo 3º do Código de Defesa do Consumidor:

Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.


§ 2.º Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.

Assim, encontra-se a ré perfeitamente enquadrada no conceito de fornecedor, pois presta serviços de telefonia, mediante remuneração, sendo certa a relação de consumo estabelecida.

3. DOS FATOS

É fato notório que as empresas de telefonia, vendem e negociam seus serviços por meio de serviços de telemarketing, dispensando qualquer tipo de prova de tal fato, por força do artigo 334, I, do Código de Processo Civil.

É cediço também que as empresas de telefonia, no afã de conseguirem mais adesões e, ainda, no de não perderem os clientes já conquistados, utilizam excessivamente os serviços das empresas de telemarketing, haja vista a suposta facilidade que o referido serviço gera ao consumidor, bem como pelo custo reduzido, já que não têm de manter uma loja, com toda uma estrutura material e humana.

Tanto as fases de contratação, como da extinção da relação contratual, são procedidas por meio dos funcionários do serviço de telemarketing, o que tem gerado uma série de irregularidades que devem ser sanadas, tais como tempo de espera excessivo para ser atendido, a exigência imposta ao consumidor de cancelar sua assinatura ou desistir de algum serviço exclusivamente por telefone, imposição de multa contratual por descumprimento de obrigações que não lhes foram dado o conhecimento prévio no momento da contratação e cláusulas de fidelidade não contratadas ou ao menos não informadas.

Nesse Núcleo da Defensoria Pública, especializado na Defesa do Consumidor, temos recebido inúmeras reclamações, entre outras, de consumidores que, após perderem os documentos, têm o nome protestado por falta de pagamento de contas de linhas de telefone que sequer requereram e que jamais utilizaram, uma vez que pessoas inescrupulosas utilizam-se dos dados para contratar via telefone a instalação de linha telefônica.

Em outros casos, consumidores recebem cobranças de multas que desconheciam, de quebra de cláusula de fidelidade que pensavam jamais existir, de novações contratuais com as quais sequer anuíram.

O caos não para por aí, por vezes, mesmo não tendo contratado serviço algum, vêem-se obrigados, face à má-prestação do serviço por parte das empresas de telefonia, que não oferecem um serviço seguro, a enfrentar uma verdadeira via crusis para conseguir o cancelamento de uma linha que jamais foi requerida ou utilizada. E mais: o aludido cancelamento sequer pode ser feito da maneira que mais lhe seja cômoda ou adequada, pois as empresas exigem que este serviço seja prestado única e exclusivamente por telefone, por intermédio das já citadas empresas de telemarketing.


Resumindo: após receber a desagradável notícia que há um débito contraído em seu nome, por um serviço que jamais solicitou e sequer utilizou, o consumidor tem de se submeter à tirania das empresas de telefonia, que impõem regras para o cancelamento de um serviço de que jamais se serviu, e permanecer infinitos minutos escutando uma “jingles e propagandas que não pretendia ouvir” para, só então, depois de se munir de muito tempo e paciência, talvez conseguir o cancelamento da linha ou do serviço que nunca solicitou, sendo certo que tal desligamento deveria ser automático, face ao erro perpetrado pela empresa.

É de fácil constatação a conduta desrespeitosa e violadora dos princípios consumeristas, que as empresas de telefonia dispensam aos consumidores, consoante se comprova pela reportagem veiculada no Jornal Nacional, do dia 23/03/2006, em que uma atendente de empresa de telemarketing afirma categoricamente, que seus colegas são instruídos a deixar o consumidor esperando por vários minutos, no intuito claro de dificultar o cancelamento de serviços lucrativos às empresas de telefonia (doc. 01).

Assim, presta-se a presente ação para condenar a ré a manter postos de atendimento onde o consumidor possa pessoalmente aderir a todos os serviços que são oferecidos via telemarketing e para condenar a ré a se omitir de exigir qualquer obrigação a que não possa comprovar o expresso consentimento do consumidor para com a assunção desta, sob pena de multa e, ainda, para que o atendimento, quer nos postos, quer por telefone, seja feito em, no máximo, 30 minutos.

4. DO DIREITO

4.1 DA FORMAÇÃO DA RELAÇÃO CONTRATUAL VIA TELEFONE

A primeira lesão aos direitos do consumeristas surge quanto ao direito à informação, pois ao contratar por telefone, não tem o consumidor acesso às cláusulas contratuais que estabelecem direitos e obrigações.

Não pretende a presente ação negar aplicação do progresso das comunicações e em especial a celeridade que os serviços de telemarketing têm imprimido sob a contratação dos serviços de telefonia.

O que se pretende, como se verá, é adequar tal prática à garantia dos direitos inerentes às relações de consumo.

Assim, antes de adentrar mais profundamente nas práticas lesivas que vêm sendo perpetradas ou mesmo propor qualquer alternativa, vejamos quais direitos pretende-se proteger com a presente ação.

O Código de Defesa do Consumidor erige dentre seus princípios o da transparência, no caput de seu artigo 4º que dispõe:

A Política Nacional de Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito a sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo atendidos os seguintes princípios:


A respeito do princípio da transparência, afirma a professora Cláudia Lima Marques:

“Na formação dos contratos entre consumidores e fornecedores o novo princípio básico norteador é aquele instituído pelo art. 4º, caput, do CDC, o da transparência. A idéia central é possibilitar uma aproximação e uma relação contratual mais sincera e menos danosa entre consumidor e fornecedor. Transparência significa informação clara e correta sobre o produto a ser vendido, sobre o contrato a ser firmado, significa lealdade e respeito nas relações entre fornecedor e consumidor, mesmo na fase pré-contratual, isto é na fase negocial dos contratos de consumo” (Contratos no Código de Defesa do Consumidor, Revista dos Tribunais, 3ª ed., p. 286).

O princípio da transparência é completado pelo princípio do dever de informar, previsto no artigo 6º, III, do mesmo diploma:

São direitos básicos do consumidor:

III – a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;

Esclarece Ricardo Morishita Wada que:

“O dever de informação tem uma importância ímpar na relação de consumo. Nessa sociedade globalizada, em que os produtos e serviços oferecidos o são em número considerável, o Direito do Consumidor tem que se assegurar da proteção ao indivíduo no que respeita à sua conscientização daquilo que está adquirindo, visando sempre à sua segurança. Desse modo, a obrigação de o fornecedor prestar a devida informação a respeito do que oferece ao consumidor assume importância muito grande dentro das relações de consumo.” (ed Maria da Glória Villaça Borin Gavião de Almeida. Os sistemas de responsabilidade no Código de Defesa do Consumidor, in RDC 41/192).

Todas essas regras principiológicas acabam por culminar na obrigação das companhias fornecedoras de serviços de telefonia, de informarem o consumidor sobre todos os direitos e deveres inerentes à relação contratual estabelecida entre eles, o que por certo se faz limitado, diante da brevidade dos serviços de telemarketing.

Não é à toa que o artigo 49 do CDC buscou dar proteção ao consumidor que adquire produtos fora do estabelecimento comercial:

O consumidor pode desistir do contrato no prazo de sete dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio.


O objetivo do código era proteger o consumidor que é induzido a aderir a uma relação contratual a que não tomou a iniciativa de contratar.

Além disso, as informações obtidas sobre o serviço são escassas e nem sequer se conhece todo o teor das cláusulas contratuais. Justifica Rizzato Nunes a “telos” legal dizendo:

“Nesse tipo de aquisição o pressuposto é que o consumidor está ainda mais desprevenido e despreparado para comprar do que quando decide pela compra e, ao tomar a iniciativa de faze-la, vai até o estabelecimento (Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 609)”.

A oferta feita ao consumidor deve conferir todos os elementos necessários para que efetivamente conheça o serviço que está sendo proposto, bem como os direitos e obrigações que virá a contrair com a adesão ao contrato proposto. Neste sentido é a regra esculpida no artigo 31 do Código Consumerista:

A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentem à saúde e segurança dos consumidores.

Quanto ao direito de informação clara e precisa antes de decidir por aderir ao contrato, afirma Rizzato Nunes:

“O direito de se informar é uma prerrogativa concedida às pessoas. Decorre do fato da existência da informação. O texto constitucional, no inciso XIV do art. 5º, assegura primeiramente esse direito no que respeita à informação em geral… Sabe-se que o exercício de um direito subjetivo significa a possibilidade da exigência de alguém. Isto é, a prerrogativa de um corresponde à obrigação de outro. Assim, quando a Constituição garante a todos o acesso à informação, tem-se de entender que essa informação deve estar com alguém que terá a obrigação de fornece-la” (op cit, p. 51).

De forma a dar eficácia a tal disposição, prevê o artigo 46 do Código de Defesa do Consumidor que:

Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance.

Assim, viola a ré expressamente o Código de Defesa do Consumidor, ao contratar por telefone não informando o consumidor de todo o teor do contrato, limitando-se a enviar posteriormente à adesão, os termos contratuais, sujeitando-o entretanto, desde à época de adesão, a período de carência, o que o impede de desistir do contrato após o conhecimento de cláusula que contraria seus interesses na sua inerente liberdade de contratar.


Assim leciona Rizzato Nunes:

“Concomitantemente ao dever de informar, aparece no CDC o princípio da transparência, traduzido na obrigação de o fornecedor dar ao consumidor a oportunidade de conhecer o conteúdo do contrato previamente, ou seja, antes de assumir qualquer obrigação. Tal princípio está estabelecido no caput do art. 4º e surge como norma no art. 46, de modo que, em sendo descumprido tal dever, o consumidor não estará obrigado a cumprir o contrato (op. Cit. P. 574 e 475)”

Antônio Herman Benjamin, Claudia Lima Marques e Bruno Miragem, por suas vezes, afirmam que:

“O art. 46 do CDC surpreende pelo alcance de sua disposição. Assim, se o fornecedor descumprir este seu novo dever de “dar oportunidade” ao consumidor “de tomar conhecimento” do conteúdo do contrato, sua sanção será ver desconsiderada a manifestação de vontade do consumidor, a aceitação, mesmo que o contrato já esteja assinado e o consenso formalizado. Em outras palavras, o contrato não tem seu efeito mínimo, seu efeito principal e nuclear que é obrigar, vincular as partes. Se não vincula, não há contrato, o contrato de consumo como que não existe, é mais do que ineficaz, é como que inexistente, por força do art. 46, enquanto, por força do art. 30, continua a obrigar o fornecedor!” (Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 567 e 568)

Como cumprimento de tal dispositivo legal, a jurisprudência vem relativizando a obrigatoriedade dos contratos firmados sem prévia informação do teor dos mesmos:

Ao consumidor deve ser oportunizado o conhecimento prévio do conteúdo do contrato celebrado, de modo que seja satisfatoriamente esclarecido acerca dos direitos e obrigações nele estabelecidos, sob pena de findar afastada sua obrigatoriedade (TJDF, Ap. Cível 17538-2, rel. Dês. Nívio Gonçalves, DJU 3.5.2000, p. 34)

O fornecedor deverá ter a cautela de oferecer oportunidade ao consumidor para que, antes de concluir o contrato de consumo, tome conhecimento de seu conteúdo, do contrário, as prestações por ele assumidas não o obrigarão (TJSP, Ap. Cível 235.957-2, rel. Dês. Aldo Magalhães, j. 25.8.94)

Na verdade, contrato sem a devida informação sobre seu teor, sem o conhecimento dos direito e obrigações que advirão do acordo de vontades, implica vício no consentimento, pois é o consumidor induzido a erro, ao imaginário pessoal das obrigações e direitos que acredita estar contraindo.

O consentimento é elemento essencial da formação válida da relação contratual, sem consentimento livre e desprovido de vícios não há contrato. Nesse sentido, ensina Arnaldo Rizzardo:


“É o consentimento que determina a obrigatoriedade do prometido, como manifestação jurídica e recíproca de promessas válidas, livremente consentidas. Em esse entendimento, o contrato não teria propósito moral, nem econômico, nem jurídico, nem a lei seria bastante forte para fazer nascer uma relação, ou vinculum júris, capaz de obrigar as partes contratantes” (Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 18).

Como asseverado no início de nosso raciocínio, não pretendemos com a presente ação, coibir o uso do sistema de telemarketing, que tem se mostrado instrumento útil ao mercado, por toda celeridade que incrementa e pela economia de custos conferida às empresas fornecedoras de serviços.

Entretanto, tais implementos mercadológicos não podem coexistir em detrimento a direitos essenciais do consumidor, tais quais os acima demonstrados, e é por tal razão que tal ação requer que a ré seja condenada a, toda vez que vier a exigir o cumprimento de cláusula de contrato firmado via telefônica, demonstrar a ciência prévia do consumidor do teor da cláusula e, portanto dos deveres a que se obrigou na contratação telefônica.

4.2 DA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA.

O instituto da inversão do ônus da prova, previsto no artigo 6º, VIII, do CDC, prevê justamente esta possibilidade de se conferir ao fornecedor a obrigação de provar o que alega.

Prevê a doutrina que tal inversão se deve não só à hipossuficiência econômica do consumidor, mas em especial á hipossuficiência probatória, visto que, sendo o fornecedor detentor dos meios de produção, conhece muito melhor que o consumidor as técnicas de produção ou de prestação de serviços empregos.

Nas palavras de Rizzato Nunes:

“…hipossuficiência, para fins da possibilidade de inversão do ônus da prova, tem sido de desconhecimento técnico e informativo do produto e do serviço, de suas propriedades, de seu funcionamento vital e/ou intrínseco, de sua distribuição, dos modos especiais de controle, dos aspectos que podem ter gerado o acidente de consumo e o dano, das características do vício etc.” (op. cit)

Assim, inverter o ônus da prova no caso presente implicará impor ao fornecedor a obrigação de provar a anuência do consumidor a toda adesão contratual ou novação de contrato, sob pena de multa. É impedir que a ré exija do consumidor qualquer ônus, seja em forma de pagamento, de multa ou de qualquer dever contratual a que não tenha prova de seu conhecimento, pois, se o consumidor não foi previamente informado dos termos contratuais, em verdade não anuiu e não tendo anuído, não pode agora ser exigido.

Além disso, deve a ré ser obrigada a manter postos de atendimento ao público para que o consumidor possa contratar pessoalmente e assim ter a oportunidade de analisar com detalhes todas as cláusulas contratuais.


Alegação de que os termos estão arquivados em cartórios ou presentes na internet não suprem a obrigação de previamente informar o consumidor. Como afirma Paulo Valério Dal Pai Moraes:

“Técnica da remissão feita a documentos arquivados em cartório de registro de títulos e documentos: esta prática ainda existe no mercado brasileiro, em que pese o grande combate que sofreu nos foros brasileiros. Paulo Heerdt comenta sobre o tema, dizendo que ‘os tribunais, já há algum tempo, vêm rejeitando cláusulas em contratos de adesão quando, por exemplo, o aderente, ao assinar o recibo de entrega de um cartão de crédito, declara que concorda com as condições preestabelecidas, constantes de cópia arquivada no registro de títulos e documentos’. Inaceitável esta técnica contratual, porque fere o direito de ampla informação insculpido no artigo 6º do CDC, ferindo, conseqüentemente, o princípio da vulnerabilidade” (Código de Defesa do Consumidor. Síntese, p. 231-232)

4.3 DO TEMPO DE ESPERA PARA ATENDIMENTO

As empresas de telefonia têm por hábito, como já explanado acima, deixar seus clientes esperando por atendimento por vários minutos, às vezes horas, em seus serviços prestados por intermédio de empresas de telemarketing.

Tal atitude, viola o princípio da eficiência e diante dos abusos que vinham sendo perpetrados aos consumidores, a ANATEL, por meio da resolução 342, de 20 de Junho de 2003 (Doc. 2), publicou o plano geral de metas da qualidade para o serviço telefônico fixo comutado (Doc. 3), que em seu artigo 24 que:

Art. 24. Após o atendimento, as consultas referentes ao código de acesso de usuários devem ser respondidas em até 30 segundos em, no mínimo, 98% dos casos.

Também a câmara legislativa do Distrito Federal, preocupou-se em regulamentar tempo razoável para atendimento do consumidor por meio da Lei Distrital 2547/00 (Doc. 4), que em seus artigos 1º e 2º prevê:

“Art. 1º – Ficam as empresas públicas e privadas, repartições, hospitais públicos e privados, ambulatórios, cartórios, agências bancárias, concessionárias e permissionárias de serviço público do Distrito Federal, transportes aéreos e terrestres, nacionais e internacionais, que atuam em seu território, eventos artísticos, cinemas e teatros, obrigados a atender aos usuários dos seus serviços, em tempo razoável.

§ único. Excetuam-se do caput desta Lei, as Unidades de Terapia Intensiva – UTI’s e os Serviços de Emergências dos Hospitais Públicos e Privados.

Art. 2º – Para os efeitos desta Lei, entende-se como sendo de trinta minutos, no máximo, o tempo razoável para atendimento.” (grifo nosso)


Desta forma, quando a ré, por meio de seu serviço de telemarketing, expõe o consumidor a tempo de espera superior a 30 segundos, viola a resolução 341 da ANATEL e quando supera os 30 minutos, viola a Lei Distrital 2547.

Tal atitude deve ser coibida por meio de preceito cominatório, sob pena de se negar eficácia jurídica e social a tais regramentos.

5. CONCLUSÃO

Assim, presta-se a presente ação para condenar a ré a manter postos de atendimento onde o consumidor possa pessoalmente aderir a todos os serviços que são oferecidos via telemarketing e para condenar a ré a se omitir de exigir qualquer obrigação a que não possa comprovar o expresso consentimento do consumidor para com a assunção desta, sob pena de multa e, ainda, para que o atendimento, quer nos postos, quer por telefone, seja feito em, no máximo, 30 minutos.

6. DA TUTELA ANTECIPADA

Presentes se encontram os requisitos para a concessão da tutela antecipada, de forma a coibir desde já a cobrança de multas ou outros ônus ao consumidor, derivados de cláusulas contratuais a que a empresa ré não possa comprovar o conhecimento prévio do consumidor e sua expressa anuência, bem como para condenar a ré a manter postos de atendimento para contratação de todos os serviços prestados via telemarketing.

A prova inequívoca da verossimilhança das alegações, dá-se pela simples análise dos fatos que são notórios na sociedade, com fulcro no artigo 334, I, do CPC.

O fundado receio de dano irreparável se demonstra na perpetuação dos problemas acima expostos, que, tendo origem em patentes violações a direitos básicos dos consumidores, devem ser prontamente sanados.

7. DOS PEDIDOS

Ante o exposto, requer a entidade autora:

a) a concessão de medida liminar, inaudita altera parte, com fulcro nos arts. 12 da Lei n.º 7.347/85 e 84 da Lei 8078/90, a fim de ordenar à ré que se abstenha de cobrar qualquer multa de descumprimento de cláusula contratual que tenha conteúdo extra legal, estritamente contratual, que não possa provar o conhecimento prévio do consumidor e a expressa anuência do mesmo, sob pena de multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais) por cada infração perpetrada;

b) também em caráter liminar, a condenação da ré na criação de postos de atendimento pessoal para contratação de todos os serviços que são oferecidos via telemarketing, no prazo de 30 dias, bem como que seja obrigada a atender os consumidores no prazo máximo de 30 segundos, ou se entender diferentemente vossa Exa. em 30 minutos, conforme adoção das legislações retro citadas, seja por telefone, seja em suas lojas de atendimentos, tudo sob pena de multa diária de R$ 10.000,00 (dez mil reais para cada infração);


c) a confirmação dos pedidos retro em caráter definitivo;

d) seja determinada a citação da ré, para que querendo, venham a responder à presente ação no prazo de 15 dias;

e) a inversão do ônus da prova, nos termos do artigo 6º, VIII, do CDC;

f) – a condenação da ré no pagamento das custas processuais e honorários de advogado, estes a serem revertidos em favor do Programa de Assistência Judiciária – PROJUR (art. 5º inciso II da Lei Distrital nº 2.131, de 12/11/1998), a serem recolhidos junto ao Banco de Brasília – BRB, através de DAR – Documento de Arrecadação, com o código 3746 – Honorários de Advogados – PROJUR; e,

g) a intimação do Ministério Público.

Protesta provar o alegado por todos os meios de prova admitidos.

Dá-se à presente causa o valor de 500.000,00 (quinhentos mil reais).

Pede deferimento.

Brasília, 06 de Novembro de 2006

_________________________

Antonio Carlos Fontes Cintra

Defensor Público

Matrícula 113273-3

OAB-DF 19722

Roberta de Oliveira Melo

Defensora Pública

Matrícula 112520-6

OAB/DF 19186


[1] lc 80/94 – art. 4º “são funções institucionais da defensoria pública, dentre outras:

(omissis)

xi – patrocinar os direitos e interesses do consumidor lesado;”

[2] decreto distrital nº. 22.490 de 19 de dezembro de 2001 – art. 1º, caput.

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