Livre saída

Investigado estrangeiro não pode ser impedido de sair do país

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8 de dezembro de 2006, 6h00

O diretor do banco Credit Suisse Carlos Miguel de Sousa Martins pode deixar o país quando bem entender, sem ter de justificar a sua ausência. O juiz convocado Márcio Mesquita, da 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, determinou que os passaportes suíço e português de Martins sejam devolvidos.

Ele e outros diretores do banco suíço são investigados por evasão de divisas e formação de quadrilha. Em março deste ano, seus passaportes foram apreendidos. A partir de então, Martins só podia deixar o país, inclusive para voltar para a Suíça, se comunicasse à Justiça o motivo da saída. A ordem fora expedida pelo juiz Fausto Martin de Sanctis, da 6ª Vara Criminal Federal de São Paulo.

No TRF-3, o juiz convocado Mesquita entendeu que a apreensão do passaporte ofende os princípios da liberdade de locomoção, da legalidade e da presunção de não-culpabilidade. Para o juiz, a apreensão do passaporte gera um constrangimento ao investigado que não está previsto em lei.

Mesquita explica que a legislação atual prevê que, se o investigado mudar de endereço e não comunicar ao juízo responsável, o processo seguirá à revelia. Para o juiz, não há nada que obrigue o investigado a comunicar a sua saída do país. “Tais restrições subsistem, atualmente, apenas com relação ao réu afiançado, que não se aplica à hipótese dos autos, pois, como visto, o paciente não foi sequer indiciado.”

Carlos Miguel de Sousa Martins foi defendido pelos advogados Alberto Zacharias Toron, Carla Vanessa de Domenico e Heloísa Estellita.

Viagem de volta

Entendimento semelhante foi aplicado na última terça-feira (5/12), pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que mandou devolver os passaportes aos pilotos norte-americanos Joseph Lepore e Jan Paul Paladino. Os pilotos comandavam o jato Legacy que colidiu com o Boeing da Gol em 29 de setembro. As 154 pessoas que estavam no Boeing morreram.

A apreensão dos passaportes dos pilotos do Legacy foi determinada pelo juiz de Peixoto de Azevedo (MT). Posteriormente, o juiz federal de Sinop confirmou a apreensão para impedir que Paladino e Lepore deixassem o Brasil durante as investigações do acidente. A decisão, contudo, foi cassada pelo TRF-1.

Leia a decisão

Proc.: 2006.03.00.109995-4 – HC 26117

Orig.: 200561810074873 6P Vr São Paulo/SP

Impte: Alberto Zacharias Toron

Impte: Carla Vanessa T H de Domenico

Pacte: Carlos Miguel de Sousa Martins

ADV: Alberto Zacharias Toron

Impdo: Juízo Federal da 6ª Vara Criminal São Paulo SP

Relator: Juiz Conv. Márcio Mesquita / Primeira Turma

DECISÃO

Trata-se de Habeas Corpus, com pedido de liminar, impetrado por Alberto Zacharias Toron, Carla Vanessa T. H. de Domenico e Heloisa Estellita em favor de CARLOS MIGUEL DE SOUSA MARTINS, cidadão luso-suíço, apontando como autoridade coatora o MM. Juiz Federal da 6ª Vara Criminal de São Paulo/SP, por indeferir o pedido do paciente de restituição de seus passaportes suíço e português, apreendidos em razão de investigação realizada nos autos do procedimento criminal diverso n° 2005.61.81.007487-3.

Narram os impetrantes que Carlos Miguel de Sousa Martins está sendo investigado pelo cometimento de crime de lavagem de dinheiro, juntamente com outras pessoas e, em 21.03.2006 foi decretada pelo juízo a apreensão de seus passaportes sem que tenha havido formal indiciamento ou o oferecimento de denúncia contra si. Aduz que as diligências apuratórias não têm prazo certo para terminar, estando privado de sair do pais e visitar familiares que moram no estrangeiro, bem assim, de exercer sua atividade profissional com tranqüilidade, na medida em que é funcionário de instituição financeira com sede em Zurique/Suíça.

a) a apreensão de passaportes consiste em ilegal restrição liberdade de locomoção do paciente, porque despida de motivação para tanto, tendo em vista que este não se opõe à averiguação criminal e sequer há

acusação formal contra ele;

b) em anterior habeas corpus a Primeira Turma desta Corte decidiu favoravelmente ao também investigado Peter Schaffner, comungando dos argumentos supra expostos.

Em conseqüência, requerem a concessão de liminar a fim de sejam restituídos os passaportes apreendidos, ainda que temporariamente. Ao final, requerem a definitividade da medida liminar.

É o breve relatório.

Decido.

Como se verifica dos autos, o DD. Delegado de Polícia Federal da DRCOR – Delegacia de Repressão a Crimes Financeiros de São Paulo representou ao MM. Juiz Federal da 6ª Vara Criminal da Subseção Judiciária de São Paulo, nos autos do procedimento criminal n° 2005.61.81.007487-3, nos seguintes termos.

Considerando as buscas que estão sendo realizadas na data de hoje, venho por meio deste representar pela proibição de deixar o pais, bem como apreensão de passaportes e quaisquer outros documentos de viagem em nome dos seguintes funcionários do Credit Suisse:

O MM. Juiz Federal, em decisão datada de 21/03/2006, deferiu em parte o requerido, nos seguintes termos:

J. Defiro a apreensão dos documentos abaixo-aduzidos. Quanto à saída do país, devera ser comunicada e justificada a ausência. Ciência ao MPF.

Também como se verifica dos autos, o paciente, entre outras pessoas,na qualidade de funcionário do Banco Credit Suisse, teve contra si defenda pelo MM. Juiz Federal da 6ª Vara Criminal de São Paulo, no referido procedimento criminal, autorização de interceptação telefônica e medida cautelar de busca e apreensão em 10/03/2006, das quais resultaram a instauração do inquérito policial n° 2005.61.81.0075878-6 (12-0345/05).

Referido inquérito policial, segundo informa o MM. Juiz impetrado, ainda não foi concluído, diante da complexidade dos fatos. Não há também nos autos informação sobre o indiciamento do paciente, informação essa requisitada pelo MM. Juiz a quo ao Delegado de Policia Federal em 27/11/2006 (fls.149).

O quadro tático delineado enseja a concessão da liminar, diante da ocorrência de constrangimento não autorizado por lei impingido ao paciente, em semelhantes condições encontradas no caso do habeas corpus n°2006.03.00.047907-0, julgado por esta Primeira Turma.

Como se vê, as investigações já duram vários meses, e o paciente não foi indiciado, não teve contra si decretada a prisão temporária ou preventiva nem tampouco denunciado em ação penal.

As informações da autoridade impetrado dão conta inclusive que Ministério Público Federal opinou pelo deferimento do pedido de restituição do passaporte.

Nesse passo, a decisão do magistrado de primeiro grau comina ao paciente constrangimento apto a violar os princípios constitucionais da legalidade, liberdade de locomoção e presunção de não-culpabilidade. Confira-se legalidade, precedente:

HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL RETENÇÃO DE PASSAPORTE. AUTORIZAÇÃO PARA DEIXAR TERRITÓRIO NACIONAL. PRISÃO TEMPORÁRIA. PRINCIPIOS DA IGUALDADE E DA RAZOABILIDADE.

1- Paciente preso temporariamente pela suposta prática de crime contra o sistema financeiro nacional.

2- Não tendo havido a conversão da prisão temporária em preventiva, por ausência dos requisitos autorizadores, e de se reconhecer a inexistência de qualquer circunstancia descrita em lei que obste a liberdade de locomoção do paciente.

3- A retenção do passaporte do paciente, que sequer foi indiciado no competente inquérito policial, ofende os princípios da liberdade de locomoção, da legalidade e da presunção de não-culpabilidade.

4- Impõe-se considerar ainda que o Estado brasileiro poderá ser responsabilizado na hipótese de retenção de estrangeiro em seu território se o mesmo não for nem indiciado nem denunciado criminalmente.

5- Ordem concedida.

(TRF – 3ª Região. Habeas Corpus 2006.03.00.047907-0. Relator Juiz Convocado Luciano Godoy. J.15.08.2006)

Quanto à necessidade de comunicação e.justificação ao Juízo de eventual saída do País, também determinada pelo MM. Juiz a quo, observo que a redação original do artigo 369, Código de Processo Penal, previa:

Art. 369. Ressalvado o disposto no art. 328, o réu, depois de citado, não poderá, sob pena de prosseguir o processo sua revelia, mudar de residência ou dela ausentar-se, por mais de oito dias, sem comunicar à autoridade processante o lugar onde passará a ser encontrado.

Contudo,as referidas restrições não mais constam do aludido dispositivo, na redação que lhe foi dada pela Lei n° 9.271/96, que estabelece apenas que, no caso de mudança de endereço sem comunicação ao Juízo, o processo prosseguirá à revelia do acusado.

Por outro lado, tais restrições subsistem, atualmente, apenas com relação ao réu afiançado, conforme consta do artigo 328 do CPP, que não se aplica à hipótese dos autos, pois, como visto, o paciente não foi sequer indiciado.

Não obstante, os impetrantes formulam na impetração o pedido de restituição dos passaportes, aduzindo que o paciente irá “assinar termo de compromisso de comparecimento a todos os atos e termos, seja do inquérito policial, seja de eventual ação penar”.

Destarte, se o pedido foi formulado desta forma, não há, razão para não acatá-lo.

Por estas razões, defiro a liminar, determinando a restituição dos passaportes de Carlos Miguel de Sousa Martins, apreendidos nos autos do procedimento criminal n° 2005.61.81.007487-3, mediante assinatura de termo de comparecimento a todos os atos do inquérito e de eventual ação penal.

Comunique-se, para o devido cumprimento.

Após, dê-se vista ao Ministério Público Federal.

Intimem-se.

São Paulo, 01 de dezembro de 2006.

Márcio Mesquita

Juiz Federal Convocado

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