Monstruosidade da morosidade

Comissão presta contas de ação para evitar colapso da Justiça

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6 de dezembro de 2006, 6h00

Costuma-se dizer que todo problema complicado tem uma solução simples. E que essa “solução”, em geral, não funciona. O processo da reforma do Judiciário, debatida intensamente na última década, foi repleto de exemplos que confirmam esse raciocínio. Em parte porque poucos setores admitem fazer concessões em seus interesses; em parte porque muitos, em busca de projeção política, priorizam a demagogia sobre resultados práticos que possam beneficiar a todos.

O fato é que, apesar desses e muitos outros obstáculos, houve avanços nos últimos tempos. E grande parte das conquistas alcançadas discretamente. Essa foi uma das características da Comissão da Reforma do Judiciário, criada por determinação do presidente da OAB paulista, Luiz Flávio Borges D’Urso, logo no início de sua gestão, em fevereiro de 2004.

A primeira constatação desse colegiado, estruturado com a participação de colegas advindos de todo o Estado, foi que o núcleo constitucional da reforma, sintetizado na Emenda Constitucional 45, não atenderia — como não atendeu — o grande drama da Justiça de São Paulo, que é a morosidade. Não por acaso, logo em seu nascedouro, o próprio órgão pretendeu alterar sua denominação para “Comissão Contra a Morosidade no Judiciário”. Evitou-se perder tempo com a formalidade, contudo, exatamente para que não se perdesse a comissão, em detalhes que, assim como ocorre na Justiça, acabam valorizando firulas em vez do que é principal.

O primeiro passo foi o de inaugurar com os dirigentes da justiça estadual um diálogo franco e leal. Em seguida, passou-se à análise dos números fornecidos pelos Tribunais. Ficou claro, logo no primeiro momento, que o quadro atual resulta de uma sucessão de erros, desvios e equívocos acumulados nos últimos 15 anos. Ora por conta de disputas internas, ora por culpa do Poder Executivo que resiste em repassar ao Judiciário as verbas necessárias. Mas, sobretudo, pela incapacidade — quando não pela impossibilidade — de gerir o volume descomunal de processos em um Estado onde mais de 40 milhões de brasileiros com suas aflições e demandas represadas descobriram no Judiciário o foro adequado para solucionar suas desavenças e controvérsias.

Para nossa Comissão, restou claro que só a união dos Tribunais de Justiça e de Alçada, à época, com a OAB-SP poderia surtir algum efeito em curto prazo. Foi necessário um empenho extraordinário para examinar as tantas sugestões e muita coragem para admitir que, mesmo imperfeitas, algumas medidas deveriam ser adotadas — já que a pior solução é sempre o imobilismo. E apresentaram-se as propostas mais práticas e operacionais para enfrentar a situação emergencial (Veja o quadro 1, abaixo).

O trabalho foi árduo, mas facilitado pelo entrosamento entre os representantes da Seccional e os dirigentes do Tribunal de Justiça à época da unificação da segunda instância com vistas à efetiva melhora na prestação jurisdicional aos cidadãos paulistas.

O trabalho foi discreto e, mesmo sem a pretensão de solucionar o impossível, teve o mérito de impedir que a situação piorasse. Aspecto pelo qual a comunidade deve seus agradecimentos ao espírito público demonstrado pelo ex-presidente do Tribunal de Justiça, desembargador Luiz Elias Tâmbara; pelo ex-Corregedor, desembargador José Mário Cardinalle; e respectivas assessorias representadas pelos desembargadores, Carlos Alberto Mousinho S. M. Violante, José Luiz Gavião de Almeida, Carlos Teixeira Leite Filho, Décio Moura Notarangelli e Pedro Bacarat, entre tantos outros que apresentaram valiosas sugestões como dos Desembargadores Celso Limongi, Sidney Beneti entre outros

O resultado desse tour de force pode ser verificado em números (quadro 2), onde se percebe que de 2004 a 2005 houve um significativo aumento percentual nos julgamentos dos recursos pelo Tribunal de Justiça, mesmo enfrentando uma longa greve dos serventuários, que paralisou por mais de 90 dias a máquina do Judiciário Bandeirante.

A advocacia paulista pode orgulhar-se de sua contribuição a esse debate, cujo mérito deve ser atribuído não só à direção da Seccional, mas também à Assembléia Legislativa de São Paulo, que soube participar desse esforço com a aprovação da Lei Complementar nº 972. A receptividade de cada deputado com quem entramos em contato através de ofícios ou telefonemas, e a compreensão para nosso apelo foram dignas das homenagens da comunidade que representam.

Graças a esse instrumento, cada gabinete do TJ pôde ser reforçado com mais um assessor jurídico. Até então, São Paulo era o único grande Estado da Federação que contava com um único assessor para auxiliar os desembargadores em sua atuação jurisdicional. Outros Estados, já àquela época, contavam com até cinco assessores para a mesma função, com uma demanda infinitamente menor.

As propostas da Comissão da Ordem, tanto as já implementadas quanto as que ainda se encontram pendentes, não são perfeitas. Haverá quem as critique por um motivo ou por outro. Mas quem sabe a distância existente entre o ideal e o que é possível, entende que os grandes prédios são construídos com um tijolo sobre outro e não com todos de uma vez. A nossa contribuição é esta, embora a luta continue.

A situação atual continua preocupante. São aproximadamente 600.000 recursos aguardando julgamento. Traduzidos em imagens e sentimentos, são as vidas, os dramas e aflições de milhares de pessoas que se encontram suspensos, no limiar da desesperança. As modificações em curso no Congresso Nacional podem atenuar esse quadro gravíssimo, mas não solucionarão o maior desafio de todos os operadores do Direito, que é a morosidade insuportável que se vive.

Será preciso iniciativa, criatividade, vontade e espírito público por parte de todos que vivem da e para a Justiça, de braços dados com a Assembléia Legislativa e com o Poder Executivo através de sua Secretaria de Justiça, para que possamos transformar a Justiça Paulista que hoje representa o que Rui Barbosa, em Oração aos Moços escrito em 1920 previu, uma “ … justiça atrasada não é Justiça, senão injustiça qualificada e manifesta…”

Quadro 1

Propostas Apresentadas

a) o acórdão, quando confirmatório da sentença, pode limitar-se a adotar as razões de decidir da decisão de 1º Grau, conforme o permite a Jurisprudência (RSTJ 34/22 – citado na Nota 3 ao artigo 563 – CPC – Glosa processual 35ª Edição – Theotônio Negrão – pagina 641), devendo, porém, ainda que de modo sucinto, serem explicitadas as razões que nortearão o referido juízo de valor;

b) quando do julgamento dos recursos nas Câmaras, em não havendo sustentação oral pelo advogado de qualquer das partes, pedido de preferência, ou entrega antecipada de memoriais, ficaria dispensada a leitura integral do acórdão por parte do relator, substituída, nestes casos, pela leitura apenas da ementa;

c) criação de Câmaras Especializadas nos Tribunais, de forma a facilitar o julgamento por juízes ou desembargadores mais afeitos e habituados ao tema de especialização;

d) que os relatores dos processos informem previamente aos demais juízes da Câmara, nas causas de grande repercussão, que uma determinada causa será apresentada para julgamento, com vistas a que os demais juízes tragam para julgamento as causas de mesmo tema que tiverem sob sua relatoria, para decisão em conjunto;

e) distribuição temática de 30 (trinta) recursos por juiz ou desembargador a cada semana, de acordo com os critérios definidos pelo respectivo Tribunal, com preferência dos temas mais simples para julgamento imediato;

f) julgamento alternado, semanalmente, sendo ora pelo critério de distribuição temática, ora pelo critério de ordem cronológica;

g) realização de duas distribuições diárias de Agravos de Instrumentos;

h) julgamento imediato dos recursos interpostos contra o indeferimento da petição inicial, quando não tenha havido citação do réu;

i) apoio ao Projeto de Lei apresentado pelo Ministro do STJ Humberto Gomes de Barros, levado ao Congresso pelo então Secretário da Reforma do Judiciário, Dr. Sérgio Renault, que propõe a extinção do processo de execução por título judicial;

j) fomento à utilização, pelos Tribunais Paulistas, do disposto no artigo 557 do Código de Processo Civil, que possibilita ao juiz relator: (i) negar seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou jurisprudência dominante daquela Corte ou de Tribunal Superior; ou (ii) dar provimento ao recurso se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal ou de Tribunal Superior.

Quadro 2

Movimentação de autos – RECURSOS JULGADOS
(fonte TJ/SP)

Anos

Dir. Privado

Dir. Público

Criminal

2001

31.466

36.708

22.026

2002

31.848

36.298

26.930

2003

34.764

10.106

27.611

2004

29.854

36.868

20.049

2005

199.552

73.141

77.205

Anos

Órgão Especial

Alçadas

TOTAL

2001

9.397

120.643

220.240

2002

8.297

138.146

241.519

2003

7.851

122.586

202.918

2004

6.851

139.820

233.442

2005

9.117

Extintos

359.015

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