Rota paulista

Leia denúncia do MP contra policiais acusados de execução

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5 de dezembro de 2006, 17h04

O promotor Marcelo Alexandre Oliveira, do Ministério Público de São Paulo, denunciou quatro policiais da Rota e um comerciante por homicídio duplamente qualificado, por motivo torpe e sem dar chance de defesa às vítimas. O grupo é acusado de exterminar dois homens durante os ataques do Primeiro Comando da Capital, em São Paulo.

De acordo com a denúncia, o comerciante é o dono de um Audi e prestou falsa queixa de roubo do carro para que os PMs pudessem usar seu carro e simular uma perseguição. O objetivo era justificar a execução de dois suspeitos, em 13 de maio, em Guarulhos (SP).

Foram mortos a tiros o camelô José Felix Ramalho e Jefferson Morgado Brito. Ambos tinham ficha policial. Pela versão dos PMs, os “suspeitos” dominaram o comerciante em Guarulhos e obrigaram-no a se deitar no banco traseiro. Segundo o jornal O Estado de S. Paulo, os policiais da Rota contam que cruzaram com o Audi, mas os bandidos, em vez de fugir, deram um cavalo de pau e pararam de frente para a viatura. Saíram do Audi atirando com uma submetralhadora e uma pistola.

Mas uma testemunha viu Ramalho ser detido pela Rota na Praça da República, no centro de São Paulo, às 19h30. Ramalho, que segundo os PMs dirigia o Audi, não sabia dirigir. Ele levou um tiro à queima-roupa no queixo. As armas que os PMs dizem pertencer aos suspeitos foram examinadas pela perícia. O laudo constatou que nenhuma delas havia sido usada recentemente. Além disso, uma outra testemunha viu dois homens saírem do Audi correndo, sem atirar. Portanto, se havia ladrões, eles não morreram.

Oliveira pediu a prisão do tenente Francisco Carlos Laroca Júnior, do cabo Renato Aparecido Russo e dos soldados Alexandre de Lima Costa e Marco Antônio Pinheiro, além do comerciante Rui Rodrigues da Silva, dono do Audi A4. Ele quer ainda a quebra de sigilo telefônico de Silva para identificar o PM que lhe telefonou para pedir o carro emprestado.

Leia a denúncia

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL DO JÚRI DA COMARCA DE GUARULHOS.

Autos nº 898/06

Consta dos inclusos autos de inquérito policial que, no dia 13 de maio de 2001, entre as 19h30min e 21h30min, nas proximidades da Avenida Emílio Ribas, nesta cidade e comarca de Guarulhos, terceiras pessoas, agindo necandi animo, por motivo torpe e mediante recurso que dificultou a defesa das vítimas, efetuaram disparos de arma de fogo em José Feliz Ramalho e Jefferson Morgado Brito, produzindo neles as lesões descritas nos laudos de exame necroscópico a fls. 40/41 e 38/39, respectivamente.

Consta ainda que, nas mesmas circunstâncias, FRANCISCO CARLOS LAROCA JÚNIOR, qualificado a fls. 43, ALEXANDRE DE LIMA COSTA, qualificado a fls. 45, MARCO ANTONIO PINHEIRO, qualificado a fls. 47, RENATO APARECIDO RUSSO, qualificado a fls. 49, e RUI RODRIGUES DA SILVA, qualificado a fls. 36, concorreram para a prática do crime, conforme abaixo descrito.

Segundo se apurou, José Feliz Ramalho, no dia 13 de maio de 2006, encontrava-se nas proximidades do Viaduto do Chá, na cidade de São Paulo, vendendo vasos artesanais na companhia de outros amigos.

Por volta das 19:00 horas, ao se dirigir a uma lanchonete existente no local acima referido,l a vítima foi abordada por policiais militares da ROTA (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar), sendo colocada, após breve diálogo, no compartimento de presos da viatura.

Os policiais militares, então, vieram para a cidade de Guarulhos, onde executaram José Feliz Ramalho, juntamente com Jefferson Morgado Brito, que foi pego em local ainda desconhecido.

Tratava-se do período de ataques do PCC e ambas as vítimas possuíam antecedentes criminais.

Previamente ajustados e com unidade de desígnios com os executores dos homicídios, os denunciandos se incumbiram de “legalizar” a ocorrência, simulando uma resistência seguida de morte.

Para tanto, os policiais militares FRANCISCO CARLOS LAROCA JÚNIOR, ALEXANDRE DE LIMA COSTA, MARCO ANTONIO PINHEIRO e RENATO APARECIDO RUSSO, integrantes da guarnição da viatura 91304 da ROTA, utilizaram-se do veículo marca AUDI, modelo A4, de propriedade de RUI RODRIGUES DA SILVA, que, juntamente com outros dois indivíduos ainda não identificados, prestou auxílio aos denunciandos, simulando o roubo do veículo de sua propriedade.

Por volta das 21h20min, um dos indivíduos não identificados passou a conduzir o veículo Audi, enquanto o outro sentou-se no banco do carona. RUI RODRIGUES DA SILVA sentou-se no banco de trás do referido automóvel.

Depois de acionado por indivíduo identificado apenas como Fernando, o COPOM irradiou a ocorrência do roubo.

Os policiais militares, então, no interior da viatura 91304, passaram a simular a perseguição do veículo supostamente roubado.

No entroncamento da Rua Mogi das Cruzes com a Rua Carutapera, o condutor do veículo Audi efetuou manobra conhecida como cavalo de pau, parando o veículo na frente da viatura 91304 da ROTA.

Os policiais militares desembarcaram e começaram a efetuar disparos de arma de fogo, simulando troca de tiros.

Os corpos das vítimas, no entanto, já se encontravam no compartimento de presos da referida viatura.

Simulada a resistência seguida de morte, os corpos das vítimas foram levados para o Hospital Padre Bento e a ocorrência foi apresentada pelos denunciandos no Quinto Distrito Policial de Guarulhos.

Os crimes foram cometidos por motivo torpe, em ato típico de grupo de extermínio, uma vez que os policiais militares pretendiam se vingar de indivíduos com antecedentes criminais, em razão dos ataques do PCC contra as forças de segurança do Estado.

Os homicídios foram praticados mediante recurso que dificultou a defesa das vítimas, consistente na superioridade numérica e na indevida utilização do aparato da Polícia Militar do Estado.

Posto isso, denuncio a Vossa Excelência FRANCISCO CARLOS LAROCA JÚNIOR, qualificado a fls. 43, ALEXANDRE DE LIMA COSTA, qualificado a fls. 45, MARCO ANTONIO PINHEIRO, qualificado a fls. 47, RENATO APARECIDO RUSSO, qualificado a fls. 49, e RUI RODRIGUES DA SILVA, qualificado a fls. 36, como incursos na sanção do artigo 121, § 2º, incisos I e IV, combinado com o artigo 29, do Código Penal, e requeiro que, autuada e recebida esta, sejam os denunciados citados, processados, pronunciados e, afinal, condenados pelo E. Tribunal do Júri desta Comarca, seguindo-se o procedimento previsto nos artigos 394 e seguintes do Código de Processo Penal, ouvindo-se, na instrução processual, as testemunhas do rol abaixo:

Rol:

1. Emerson Alves Dionísio (fls. 11 do Procedimento da Corregedoria da PM);

2. Edson Rodolfo Troni (fls. 14 do citado Procedimento);

3. João Carlos Ramalho (fls. 16 do Procedimento);

4. Auxiliadora Ramalho Mignoli (fls. 24);

5. Marco Antonio Brito (fls. 36);

6. Janete Morgado Brito (fls. 39);

7. Marco Aurélio Morgado Quirino (fls. 41);

8. Maurício Ramos Saad (fls. 255);

9. Testemunha sigilosa I (fls. 263);

10. Testemunha sigilosa II (fls. 264).

Guarulhos, 1º de dezembro de 2006.

MARCELO ALEXANDRE DE OLIVEIRA

Promotor de Justiça

VARA DO JÚRI DA COMARCA DE GUARULHOS

11ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE GUARULHOS

AUTOS Nº 898/06

COTA DE OFERECIMENTO DE DENÚNCIA

MERITÍSSIMO JUIZ

I – Trata-se de inquérito policial instaurado para apurar as circunstâncias que envolveram a morte de Jefferson Morgado Brito e José Feliz Ramalho.

José Feliz Ramalho encontrava-se, duas horas antes da suposta resistência, nas imediações do Viaduto do Chá, na cidade de São Paulo, quando foi preso por viatura da ROTA (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar).

Tal prisão foi presenciada por testemunha ouvida nestes autos, que comunicou a família da vítima, a qual chegou a elaborar boletim de ocorrência de desaparecimento.

José não foi apresentado em nenhuma Delegacia de Polícia.

Duas horas depois da prisão, a vítima, que possuía antecedentes criminais, foi apontada como a condutora do veículo subtraído.

Segundo as testemunhas, no entanto, a vítima não sabia dirigir.

Uma das perfurações existentes no cadáver de José Feliz Ramalho apresentava zona de tatuagem, o que infirma a versão dos denunciados.

Se isso não bastasse, testemunha sigilosa relatou fatos que comprovam a simulação da ocorrência (fls. 265).

Acrescente-se que nem a viatura e tampouco o veículo supostamente subtraído foram atingidos por projéteis de arma de fogo.

Isso não obstante o relato dos denunciados de que o veículo Audi, depois da manobra de cavalo de pau, parou de frente para a viatura.

Estou convencido de que os denunciados, no mínimo, participaram do homicídio, em ato típico de grupo de extermínio, de José Feliz Ramalho e Jefferson Morgado Brito.

Ofereço, pois, denúncia em separado, em 06 laudas, digitadas e rubricadas apenas no anverso.

II – Requeiro folha de antecedentes criminais dos denunciados e certidões do que delas, eventualmente, constar.

III – Requeiro o formal indiciamento dos denunciados.

IV – Requeiro o apensamento do inquérito policial militar e do procedimento da Corregedoria da Polícia Militar.

V – Requeiro ainda, expedição de ofício às empresas de telefonia, solicitando-se os números de telefone existentes em nome do denunciado RUI RODRIGUES DA SILVA.

Com a vinda da informação, requeiro a quebra do sigilo telefônico do denunciado para identificação dos outros envolvidos.

IV – Requeiro, ainda, que as testemunhas arroladas na denúncia que ultrapassam o número legal sejam ouvidas como do Juízo, tendo em vista a gravidade e a complexidade dos fatos que serão apurados neste processo.

V – Requeiro, por fim, a prisão preventiva dos denunciados.

Com efeito, trata-se de homicídio duplamente qualificado, praticado em ato típico de grupo de extermínio, crime considerado hediondo por nosso ordenamento jurídico.

A desenfreada ocorrência dessa espécie delitiva vem provocando grande intranqüilidade nesta comunidade de Guarulhos, cidade com um dos maiores índices de homicídio do Estado de São Paulo.

Demais, quatro dos denunciados são policiais militares e praticaram o fato no exercício de suas funções, com o aparato estatal, demonstrando a mais absoluta impossibilidade de permanecerem no convívio social.

Praticaram, aliás, para se vingar dos criminosos em geral, tendo em vista os ataques da facção que se intitula Primeiro Comando da Capital.

A prisão preventiva, portanto, é imprescindível para a manutenção da ordem pública.

Por outro lado, a custódia cautelar também é necessária para preservar a instrução criminal, uma vez que, se os denunciados permanecerem soltos – 04 deles são policiais militares -, terão todas as oportunidades para coagir as testemunhas no curso deste processo.

A prisão preventiva, dessa forma, é necessária para a instrução criminal.

Se isso não bastasse, trata-se de processo da competência do Egrégio Tribunal do Júri, cujo julgamento não prescindirá da presença física dos denunciados.

Prisão cautelar, portanto, também necessária para aplicação da lei penal.

Releva notar, ainda, que a prisão preventiva imprime celeridade ao feito, tornando a justiça mais rápida, aspiração legítima da sociedade.

Por essas razões, requeiro seja decretada a custódia cautelar dos denunciados.

MARCELO ALEXANDRE DE OLIVEIRA

Promotor de Justiça

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