Sem diploma

Justiça suspende diplomação do deputado Juvenil Alves

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5 de dezembro de 2006, 6h00

Acusado de sonegação fiscal e evasão de divisas, o deputado federal Juvenil Alves Ferreira Filho (PT/MG) teve sua diplomação suspensa. A decisão foi do juiz auxiliar, Rogério Medeiros Garcia de Lima, do Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais. O juiz atendeu pedido do Ministério Público Eleitoral, que quer aguardar apuração das denúncias sobre doações não declaradas durante a campanha eleitoral.

O parlamentar também é acusado de praticar crime de estelionato e falsidade ideológica. Segundo a Receita Federal, suas práticas ilícitas causaram prejuízos de R$ 1 bilhão aos cofres públicos. Para o juiz, a diplomação deve ser suspensa até a decisão definitiva da investigação.

Juvenil Alves Ferreira Filho, 47 anos, é advogado tributarista. Foi eleito para seu primeiro mandato com mais de 110 mil votos. Ele é acusado de comandar quadrilha que atuava em Minas, São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná, Alagoas e no Distrito Federal, com ramificações no Uruguai e na Espanha. Ele foi preso pela Polícia Federal em , na Operação Castelhana. Ao todo, 21 mandados de prisão foram expedidos pela Justiça Federal de Minas.

Segundo a PF, o escritório do tributarista montava o esquema de criação de empresas off-shore e empresas subsidiárias para adquirir pessoas jurídicas endividadas. Todo o esquema de burocracia da criação de off-shore era feito no escritório do advogado em Belo Horizonte.

Ele tinha um esquema de modelo de blindagem patrimonial. Empresários endividados, então, compravam o serviço. Entre os presos estão três empresários, um contador e nove advogados. Empresas interessadas em não pagar tributos procuravam o escritório do Juvenil para distanciar o patrimônio delas do verdadeiro titular. Colocavam a empresa em nome de laranjas, mudavam o domicílio fiscal e constituíam off-shores no Uruguai e Espanha que eram sociedades anônimas, para burlar a legislação.

Cinco escritórios foram vistoriados em Belo Horizonte, Rio, São Paulo, Distrito Federal e Divinópolis, no centro-oeste de Minas. No escritório de Juvenil em Belo Horizonte foram apreendidos R$ 350 mil em dinheiro. A investigação contou com apoio da Receita Federal e do Ministério Público Federal. No total, oito pessoas foram presas em Minas Gerais, quatro em São Paulo e uma no Rio de Janeiro.

Leia a decisão

TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DE MINAS GERAIS

Representação nº 4.759/2006

Representante: MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL

Representado: JUVENIL ALVES FERREIRA FILHO, DEPUTADO FEDERAL ELEITO

Relator: Juiz Rogério Medeiros Garcia de Lima

Vistos etc.

Versam os autos REPRESENTAÇÃO oferecida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL contra o deputado federal eleito pelo Partido dos Trabalhadores (PT) JUVENIL ALVES FERREIRA FILHO, qualificado às fls. 02, com intuito de instaurar INVESTIGAÇÃO JUDICIAL para averiguação da prática de abuso de poder econômico (artigo 30-A da Lei n. 9.504/97).

A petição inicial relata, em breve síntese, ser o representado advogado tributarista. O escritório “Juvenil Alves Advogados e Associados” possui representação em diversos estados da federação. O Dr. Juvenil Alves vinha sendo investigado em operação conjunta do Ministério Público Federal, Polícia Federal e Receita Federal. Realizadas inúmeras diligências, confirmou-se a suspeita de que o advogado seria o “pivô” de uma quadrilha que gerencia complexo esquema de “blindagem patrimonial” de empresas brasileiras, cuja finalidade seria manter ativos fora do alcance do Fisco e demais credores.

O referido esquema e suas variantes teriam causado ao país prejuízo superior a um bilhão de reais (R$ 1 bilhão), decorrente de sonegação fiscal e evasão de divisas.

Ainda estaria sendo imputada ao Dr. Juvenil Alves e seus indigitados cúmplices prática de crimes de estelionato, falsidade, sonegação fiscal e evasão de divisas.


Em 23 de novembro p. p., foram cumpridos mandados de prisão e busca e apreensão. O representado foi recolhido à prisão provisória, nesta capital mineira. Foram efetuadas buscas e apreensões em diversas localidades, mesmo fora de Minas Gerais.

Durante as apurações, teriam os investigadores se deparado com evidências de prática de ilícitos atinentes à sua campanha eleitoral. Teria sido verificada a existência de gastos e recebimento de doações não declarados. Grande parte dessas doações teriam sido depositadas em contas bancárias dos escritórios de “Juvenil Alves Advogados e Associados”, ao arrepio do artigo 22, caput, da Lei das Eleições, o qual exige a abertura de conta bancária exclusiva para tal finalidade. Tais doações seriam acobertadas com recibos de serviços jamais prestados. Seriam meras simulações para ludibriar a fiscalização a cargo deste Tribunal Regional Eleitoral.

Em suma:

“Realizou vultosos gastos com sua vitoriosa campanha política que jamais chegaram ao conhecimento da Justiça Eleitoral, já que não constaram de suas prestações de contas, superando em muito a previsão inicial de gastos. O próprio Juvenil Alves injetou grande soma de recursos próprios em sua campanha, sem que isso fosse registrado em sua contabilidade”.

No entendimento da douta Procuradoria Regional Eleitoral, a conduta do representado amolda-se ao disposto pelo artigo 30-A da Lei n. 9.504/97 – Lei das Eleições (redação dada pela Lei n. 11.300/2006, conhecida como Mini-Reforma Eleitoral):

“Art. 30-A. Qualquer partido político ou coligação poderá representar à Justiça Eleitoral relatando fatos e indicando provas e pedir a abertura de investigação judicial para apurar condutas em desacordo com as normas desta Lei, relativas à arrecadação e gastos de recursos.

“§ 1o Na apuração de que trata este artigo, aplicar-se-á o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar no 64, de 18 de maio de 1990, no que couber.

“§ 2o Comprovados captação ou gastos ilícitos de recursos, para fins eleitorais, será negado diploma ao candidato, ou cassado, se já houver sido outorgado”.

Farto volume de documentos, oriundos das investigações conduzidas pelos Órgãos federais já mencionados, instruem a representação.

Ao final, o ilustre Procurador requereu a antecipação dos efeitos da tutela, para ser negada a expedição do diploma de deputado federal ao representado, ou, alternativamente, a concessão de medida liminar inaudita altera pars, para a mesma finalidade.

Os autos vieram-me conclusos.

Passo a decidir sobre as medidas antecipatória ou acautelatória requeridas.

I – DA COMPETÊNCIA DA COMISSÃO DE JUÍZES AUXILIARES

A primeira consideração diz respeito à competência da Comissão de Juízes Auxiliares, da qual este julgador é membro integrante. O Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais baixou a Resolução nº 688/2006, com base no artigo 1º da Resolução nº 22.142-TSE/2006, para constituir a Comissão de Juízes Auxiliares destinada à apreciação das reclamações e representações referidas pelo artigo 96 da Lei nº 9.504/97:

“Art. 1º Serão designados, para a apreciação das reclamações e das representações de que cuida o art. 96 da Lei nº 9.504/97 (art. 96, § 3º, da Lei nº 9.504/97 e art. 1º da Resolução TSE nº 22.142/2006), dentre os integrantes substitutos da Corte, um representante da classe de Desembargador e dois representantes da classe de Juiz de direito, para exercerem as funções de Juízes Auxiliares deste Tribunal, a teor do art. 96, § 3º, da Lei nº 9.504/97, c/c o § 2º do art. 2º da Resolução nº 614/2002/TREMG. (…)


“Art. 2º Aos Juízes Auxiliares compete apreciar e decidir monocraticamente as reclamações e representações relativas ao descumprimento da Lei n. 9.504/1997, notadamente as relativas à captação ilícita de sufrágio (art. 41-A), bem como os pedidos de direito de resposta, no âmbito das eleições de 2006, para os cargos de governador e vice-governador, senador, deputado federal e estadual e, ainda, as representações relativas à impugnação do registro de pesquisas eleitorais (art. 96, II, da Lei n. 9.504/1997; arts. 14, 15 e 16, da Resolução TSE n. 22.142/2006 e art. 9º, §§ 1º e 2º, da Resolução TSE n. 22.143/2006).

“Parágrafo único. Fica ressalvada a competência da Corregedoria Regional Eleitoral para a apuração do uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, e da utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político (art. 22, caput, da Lei Complementar n. 64/1990) (…)”.

O c. Tribunal Superior Eleitoral corrobora:

“Os juízes auxiliares exercem competência que é do TRE (art. 96, §3º, da Lei nº 9.504/97)” (Tribunal Superior Eleitoral, Resolução nº 20.718, min. Nelson Jobim, DJU 06.10.2000).

“Os juízes auxiliares exercem competência que é da Corte Regional” (Tribunal Superior Eleitoral, Acórdão nº 15.860, min. Nelson Jobim, DJU 17.03.2000).

Cuidando-se, pois, de suposta subsunção da conduta do representado aos ditames do artigo 30-A da Lei n. 9.504/97, exsurge a competência da Comissão de Juízes Auxiliares.

II – DOS FATOS

Compulsei atentamente a farta documentação oriunda das investigações desenvolvidas no âmbito da denominada “Operação Castelhana”, conduzidas pelo Ministério Público Federal, Polícia Federal e Receita Federal. Aquelas investigações, deveras, coligiram diversas evidências da prática de ilícitos penais em prejuízo do Erário da União. O representado Dr. Juvenil Alves Ferreira Filho teve sua prisão temporária decretada pelo Juiz Federal competente e prosseguem as investigações em seus termos legais.

No que concerne à matéria eleitoral, em juízo preliminar e valendo-me de documentos acostados aos autos, verifiquei a aparente prática dos ilícitos eleitorais minuciosamente descritos pelo Ministério Público Eleitoral na representação inaugural deste procedimento. Dizem respeito a: 1) gastos vultosos de campanha eleitoral não declarados à Justiça Eleitoral, 2) arredação de recursos em montante superior ao declarado na prestação de contas à Justiça Eleitoral (nos autos daquela prestação de contas consta detalhado relatório contábil, baseado em acesso a dados bancários e outros documentos, que apontam as aparentes irregularidades), e 3) transcrições de conversas telefônicas, judicialmente autorizadas, onde há menção, pelo representado e terceiros, a gastos e arrecadação de recursos ao arrepio das determinações cogentes da Lei n. 9.504/97.

Sem pretender prejulgar a matéria, verifiquei a existência de veementes indícios de arrecadação de recursos vultosos, não contabilizados perante o Tribunal Regional Eleitoral.

Nos meios políticos, há notória perplexidade com a estupenda votação do deputado federal eleito Juvenil Alves. Ainda mais se tratando da primeira eleição por ele disputada. Foram mais de 100 mil votos, granjeados em todas as regiões do Estado, para uma disputada vaga à Câmara dos Deputados.

Todavia, o respeitado jornal O Tempo já noticiava há um ano (Belo Horizonte, edição de 05 de dezembro de 2005, caderno de Política):

“Empresários e representantes de entidades comerciais e industriais tentam viabilizar candidaturas, de olho no Congresso Nacional. ‘Bala na agulha’ não lhes falta: geralmente dispõem de recursos para uma campanha bem estruturada, item obrigatório, segundo os marqueteiros, para tornar o candidato “visível” ao eleitorado.

“Para o consultor político André Paulinelli, os chamados marinheiros de primeira viagem, principalmente os que representam o empresariado, navegam numa tendência.


“‘É um novo nicho de agentes políticos. A propensão é explicada porque os empresários sempre foram os principais financiadores. Como a lógica deve mudar, eles viraram candidatos para defender suas próprias bandeiras’, acredita.

“O advogado e empresário mineiro Juvenil Alves Ferreira Filho, filiado ao PT desde 1980, é um dos exemplos dessa inclinação. A um ano da eleição, vem construindo passo a passo a candidatura para deputado federal pela primeira vez.

“De acordo com um correligionário, a candidatura de Juvenil Alves deve consumir R$ 6 milhões – valor até modesto para quem já chegou a arrematar uma novilha premiada por R$ 800 mil. Bem-relacionado, fechou acordo com pelo menos cem prefeituras mineiras. “O deputado estadual Durval Ângelo (PT) e o prefeito de Abaeté, Preto (PTB), já confirmaram o apoio. O parlamentar deve aparecer ao lado de Juvenil Alves em peças publicitárias. Já o prefeito tentará transferir os cerca de 5.000 votos que teve nas eleições municipais de 2005. Comedido, Juvenil Alves ainda nega ser candidato.

“‘Sou um pré-candidato em avaliação, preocupado com a política nacional, com o descaso com os movimentos sociais e a alta carga tributária brasileira’, afirma.

“Por mais que mude de assunto, Juvenil Alves vem patrocinando eventos e realizando discursos políticos com desenvoltura, principalmente em Abaeté, sua cidade natal, onde andou subindo em palanque improvisado.

“Pessoas ligadas ao advogado garantem que ele até contratou um publicitário – Paulo Vasconcelos”.

Aparentemente, portanto, deverá ser aberta investigação judicial prevista pelo artigo 30-A da Lei das Eleições, a ser processada sob o rito previsto pelo artigo 22 da Lei Complementar n. 64/90.

III – DA MEDIDA PRELIMINARMENTE CABÍVEL

A antecipação da tutela, prevista pelo artigo 273 do Código de Processo Civil, é importante instrumento processual para a defesa de interesses individuais, coletivos e difusos em juízo. Dispõe aquela regra processual que “o juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e: I – haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou II – fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu”.

Luiz Guilherme Marinoni destaca ser a morosidade dos processos o principal problema da Justiça Civil, em nosso País. O procedimento ordinário é injusto às partes mais pobres, que não podem esperar, sem dano grave, a realização dos seus direitos. Todos sabem que os mais fracos ou pobres aceitam transacionar sobre seus direitos, em virtude da lentidão da Justiça, abrindo mão de parcela do direito que provavelmente seria realizado, mas depois de muito tempo. A demora no processo, na verdade, sempre lesou o princípio da igualdade. Conclui o processualista paranaense:

“A tutela antecipatória constitui o único sinal de esperança em meio à crise que afeta a Justiça Civil. Trata-se de instrumento que, se corretamente usado, certamente contribuirá para a restauração da igualdade no procedimento. Embora Chiovenda houvesse anunciado, com absoluta clareza e invulgar elegância, que o processo deve dar a quem tem um direito tudo aquilo e exatamente aquilo que ele tem o direito de obter, e, ainda, que o processo não deve prejudicar o autor que tem razão, a doutrina jamais compreendeu, porque não quis enxergar o que se passava na realidade da vida, que o tempo do processo não é um ônus do autor” (in A Antecipação da Tutela. São Paulo: Malheiros Editores, 4ª ed., 1998, pp. 20-21).

Igualmente, aponta Cândido Rangel Dinamarco:

“No direito moderno, a realidade dos pleitos judiciais e a angústia das longas esperas são fatores de desprestígio do Poder Judiciário (como se a culpa fosse só sua) e de sofrimento pessoal dos que necessitam da tutela jurisdicional” (in A Reforma do Código de Processo Civil. São Paulo: Malheiros Editores, 1995, p. 138).


Humberto Theodoro Júnior festeja o instituto processual:

“Universalmente há uma evolução nas leis processuais civis na direção de agilizar a prestação jurisdicional e de contornar as crises dos procedimentos clássicos mediante expedientes expeditos, comprometidos muito mais com a garantia de justiça do que simplesmente com os ritos e solenidades, que sempre representaram na ordem prática, mais embaraço do que incentivo à real tutela dos direitos subjetivos violados ou ameaçados.

“O legislador atual tomou conhecimento da dura verdade de que o processo, tal como concebido em seu rito comum ou ordinário, não estava suficientemente aparelhado para enfrentar os problemas de emergência. Assim como a medicina tem aperfeiçoado cada vez mais as técnicas cirúrgicas de emergência, para salvar pacientes em risco de vida, também o direito processual tem de conceber expedientes capazes de tutelar, em caráter de urgência, os direitos subjetivos que não podem deixar de ser prontamente exercitados, sob pena de perecerem e de conduzir os respectivos titulares a um profundo descrédito no processo judicial como um todo.

“Daí lembrar Pajardi que as medidas de tutela provisória, no campo processual, devem ser encaradas da mesma forma com que se cuida, em medicina, das cirurgias de urgência, que não permitem ao médico observar todas as cautelas e precauções de ordinário prescritas para os tratamentos de rotina” (in Tutela Antecipada e Tutela Cautelar. São Paulo: Revista dos Tribunais, Editora RT, volume 742, agosto de 1997, p. 55-56; grifo no original).

Toda antecipação é sempre possível até que chegue o momento de sentenciar e o juiz pode também conceder a antecipação da tutela antes negada, pois a lei não o veda (Cândido Dinamarco, ob. cit. p. 141). A exigência de prova inequívoca suficiente para que o juiz se convença da verossimilhança da alegação significa que o julgador deverá estar imbuído do sentimento de que a realidade fática pode ser como a descreve o autor. O grau dessa probabilidade será apreciado pelo juiz, prudentemente e atento à gravidade da medida a conceder. A exigência de prova inequívoca significa que a mera aparência não basta e que a verossimilhança exigida é mais do que o fumus boni juris exigido para a cautelar (Cândido Dinamarco, ob. cit. pp. 141-143). Daí, o pertinente escólio de Ernane Fidélis dos Santos (in Novos Perfis do Processo Civil Brasileiro. Belo Horizonte: Del Rey, 1996, pp. 28-29):

“Quanto ao aspecto lógico, parece haver contradição porque, se verossimilhança não é o que é verdadeiro, mas o que parece ser verdadeiro (vero=verdade, similhança=semelhante, parecido), não há como considerar-se em tal conseqüência a inequivocidade da prova. Em outras palavras, prova inequívoca deveria conduzir não à verossimilhança, mas à certeza da própria verdade. Acontece, porém, que todo conhecimento é relativo. Não se pode dizer que o homem chegue ao conhecimento absoluto da verdade, senão a um juízo de máxima probabilidade. Neste caso, valendo-se do critério de que, em todo juízo, podem existir motivos para crer e motivos para não crer, a prova inequívoca seria a prova concludente, pela qual, não havendo nenhum motivo contrário para descrer, chega-se a um juízo de máxima probabilidade. Juízo de certeza, de pleno convencimento, porque a certeza, no sentido lógico, é subjetiva, nunca é provisória nem definitiva. No sentido jurídico é que pode dizer-se certeza definitiva, quando a regulamentação da relação jurídica não é feita por provimento com força de provisoriedade (grifos no original).

Coligi jurisprudência:

“A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito (Constituição da República, art. 5º, XXXV), valendo dizer que não pode evitar a lei a proteção liminar ou a antecipação de tutela se tal proibição torna inviável a futura tutela definitiva. Somente o juiz, considerando os dados objetivos do caso concreto, poderá aquilatar a necessidade ou não de tutela, ainda que provisória, em face da possibilidade de dano atual ou iminente e de difícil reparação” (Tribunal de Justiça de Minas Gerais, Agravo nº 172.826-0/00, Des. Carreira Machado, Diário do Judiciário-MG, 15.12.2000).


“Para se admitir a tutela antecipada, é mister que se proceda à avaliação dos interesses em conflito, atentando-se para os critérios de cautela e prudência recomendáveis e para os indícios seguros de verossimilhança do direito alegado, tornando-se, ainda, imprescindível que estejam presentes os requisitos do fumus boni iuris e periculum in mora (Tribunal de Alçada de Minas Gerais, Agravo de Instrumento nº 258.459-4, Juíza Jurema Brasil, jornal Desafio, outubro de 1998).

“A antecipação da tutela sujeita-se ao prudente arbítrio do juiz, só podendo sua decisão ser reformada pelo tribunal em caso de evidente ilegalidade” (Tribunal de Alçada de Minas Gerais, Agravo de Instrumento nº 238.744-2, Juiz Pedro Henriques, Diário do Judiciário-MG 19.02.1998). “Em trato de concessão de tutela antecipada de provimento jurisdicional, mister se faz que o juiz, dentro da esfera de sua discricionariedade judicial, proceda a prudente e cuidadosa análise, porquanto pode haver situação emergencial que a reclame, desde que haja prova inequívoca do alegado e se convença de sua verossimilhança. Na dicção doa art. 273 do CPC, não se pode perder de vista que, de outro lado, os postulados do due process of law, dos quais o princípio do contraditório e da ampla defesa são corolários, hão de ser observados” (lº Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, Ag In 689.493-7, juiz Ademir de Carvalho Benedito, Revista dos Tribunais, vol. 736, fevereiro de 1997, p. 256).

Em seara eleitoral, o instituto não passa despercebido:

“Caracterizada a ‘invasão’ do espaço e do tempo de propaganda que era do candidato a governador, é de ser deferida a tutela antecipada para, nos termos do § 9º do art. 26 da Resolução nº 20.988/2002, determinar a perda do tempo da propaganda do candidato à Presidência da República (Precedente: Rp nº 422).

“Tempo reduzido de 36 segundos, como pedido na inicial, para 10 segundos, em atendimento ao princípio da proporcionalidade” (Tribunal Superior Eleitoral, Acórdão nº 571, min. José Gerardo Grossi, publicado na sessão de 03.10.2002).

Entretanto, a antecipação da tutela não se confunde com tutela cautelar, porque esta última deve se limitar a assegurar a viabilidade da realização do direito afirmado. A tutela sumária satisfativa não se limita a tal desiderato, configurando a antecipação do provimento decisório (Cândido Dinamarco, ob. cit., p. 139). Na cautelar, o juiz analisa o risco de ineficácia da futura tutela provável. Na antecipação, o juiz analisa a necessidade de ser executada, de logo e provisoriamente, a decisão do mérito que proferiu ou vai proferir (J. J. Calmon de Passos, in Inovações no Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2ª ed., 1995:17-18).

Os tribunais pátrios estão atentos a essa distinção:

“A tutela antecipada não veio substituir a medida cautelar. Os procedimentos são distintos, assim como os requisitos. Ausentes os requisitos da medida cautelar, correta a decisão que indeferiu a petição inicial” (Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial nº 117.945-AL, Min. Gilson Dipp, DJU 30.01.1998).

“A tutela antecipatória visa adiantar o próprio provimento jurisdicional requerido na ação, no todo ou em parte, não se confundindo com a medida cautelar” (Tribunal de Alçada de Minas Gerais, Agravo de Instrumento nº 286.651-9, Juiz Edilson Fernandes, Diário do Judiciário-MG 20.05.2000).

“A função da tutela antecipada é adiantar os efeitos da própria sentença, com a qual se satisfaz a pretensão do titular de um direito. A tutela antecipada é um adiantamento da tutela de mérito, ou seja, é um adiantamento do objeto da demanda ou dos efeitos da sentença que concede o que foi pedido” (Tribunal de Alçada de Minas Gerais, Agravo de Instrumento nº 327.182-7, Juiz Gouvêa Rios, jornal Desafio, agosto de 2001).

Enfim, a pretensão definitiva almejada pelo Ministério Público Eleitoral, ao cabo deste procedimento, é a sanção imposta pelo parágrafo 2º do artigo 30-A da Lei 9.504/97:


“Comprovados captação ou gastos ilícitos de recursos, para fins eleitorais, será negado diploma ao candidato, ou cassado, se já houver sido concedido” (grifei).

Diante dos fortes indícios de graves ilícitos eleitorais aparentemente praticados pelo representado Dr. Juvenil Alves Ferreira Filho, vale aplicar a sabedoria de antigo adágio popular: melhor prevenir, do que remediar. Mutatis mutandis, melhor não diplomar, do que depois cassar.

Entretanto, sendo o representado potencial detentor de mandato eletivo, conquistado mediante sufrágio universal, vejo como medida extremamente antidemocrática cassar-lhe o diploma previamente, sem o crivo do devido processo legal. Julgo que a intervenção da Justiça Eleitoral deve se restringir estritamente ao desiderato de preservar os princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito consagrado pela Magna Carta Brasileira. Do contrário, haverá indevida “judicialização da política” (o tema é percucientemente tratado por Luiz Werneck Vianna, Maria Alice Rezende de Carvalho, Manuel Palácios Cunha Melo e Marcelo Baumann Burgos, em A Judicialização da Política e das Relações Sociais no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 1999).

Vem a talho o princípio da razoabilidade, consagrado pelo artigo 2º, parágrafo único, inciso VI, da Lei Federal nº 9.784/99, segundo o qual, nos processos administrativos no âmbito da Administração Pública Federal, serão observados, entre outros, os critérios de “adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público”.

Anoto ementa do Superior Tribunal de Justiça:

“Evidenciada a manifesta desproporção entre a penalidade imposta pelo agente administrativo e a infração cometida, consistente na venda de mercadoria por preço superior ao permitido, afigura-se inequívoca a aplicação do princípio da razoabilidade para o fim de impor sanção compatível com o grau de gravidade da conduta delitiva praticada” (Superior Tribunal de Justiça, Ag Reg no Ag Inst nº 421.317-SC, Min. João Otávio de Noronha, DJU 11.05.2004).

Nessa lógica do razoável, in casu, é suficiente a concessão de medida cautelar para suspender a diplomação do representado, deputado federal eleito Juvenil Alves Ferreira Filho, até ser proferida decisão definitiva nos autos da investigação judicial.

É noticiada nestes autos aparente e grave violação ao princípio constitucional da moralidade administrativa (artigos 37, caput, e 14, par. 9º, da Constituição Federal). Logo, o periculum in mora resulta da iminente diplomação de candidatos eleitos pelo Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais, prevista para 18 de dezembro vindouro. A partir daí vigorarão, em benefício do representado, na condição de deputado federal eleito, a tão controvertida imunidade parlamentar, nos termos da Carta de 1988:

“Art. 53. Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos.

“§ 1º Os Deputados e Senadores, desde a expedição do diploma, serão submetidos a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal.

“§ 2º Desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. Nesse caso, os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão.

“§ 3º Recebida a denúncia contra o Senador ou Deputado, por crime ocorrido após a diplomação, o Supremo Tribunal Federal dará ciência à Casa respectiva, que, por iniciativa de partido político nela representado e pelo voto da maioria de seus membros, poderá, até a decisão final, sustar o andamento da ação.

“§ 4º O pedido de sustação será apreciado pela Casa respectiva no prazo improrrogável de quarenta e cinco dias do seu recebimento pela Mesa Diretora.


“§ 5º A sustação do processo suspende a prescrição, enquanto durar o mandato”.

IV – PRINCÍPIOS

Diplomação é ato administrativo emanado da Justiça Eleitoral, ao cabo de uma eleição. Na precisa definição de Adriano Soares da Costa:

“O diploma é expedido após o procedimento administrativo de apuração das eleições (em que não há requerentes, mas envolvidos ou participantes na qualidade de candidatos ou delegados de partidos políticos) e de proclamação dos resultados, como ato certificador do resultado eleitoral. O juiz eleitoral, na qualidade de administrador do processo eleitoral, apenas confirma o resultado sufragado nas urnas, como conseqüência da vontade dos eleitores” (em Instituições de Direito Eleitoral. Belo Horizonte: Del Rey, 6ª ed., 2006, p. 467).

A priori, deparamo-nos com um ato administrativo vinculado, porque a lei não deixaria ao juiz eleitoral margem para opções:

“Ela estabelece que, diante de determinados requisitos, a Administração deve agir de tal ou qual forma. Por isso mesmo se diz que, diante de um poder vinculado, o particular tem um direito subjetivo de exigir da autoridade a edição de determinado ato” (Maria Sylvia Zanella Di Pietro, in Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 15ª ed., 2003, p. 205).

Seríamos tentados a concluir pela existência de direito subjetivo do candidato eleito à diplomação. Mas devemos atentar para os importantes efeitos daquele ato. A partir dela, o representando, embora aparentemente envolvido em graves atos atentatórios à probidade administrativa, passíveis, em tese, de graves sanções eleitorais, penais, civis e administrativas, passaria a adquirir imunidade parlamentar “à brasileira” (artigo 53 e parágrafos da Constituição Federal).

Socorro-me da preciosa lição do então ministro Ruy Rosado de Aguiar Júnior, do Superior Tribunal de Justiça, segundo quem o juiz está subordinado aos princípios democráticos. Sua atividade, se não pode ser discricionária, também não será neutra:

“O juiz responde perante a sociedade pelo exercício da sua função, que é, como as demais funções do Estado, meio de realização dos valores fundamentais por ela consagrados. No Estado democrático, o juiz assume o compromisso de exercer o poder estatal de acordo com os princípios orientadores do ordenamento jurídico que o investiu no cargo e de onde lhe advém a força da decisão. Do descumprimento desse dever podem derivar duas espécies de responsabilidade, a responsabilidade jurídica, com possibilidade de perda do cargo se infringir o princípio constitucional, como está previsto na Constituição da República Federal da Alemanha, e a responsabilidade social, que é de ordem ética. (…) A atividade do juiz, (…) de descoberta do direito, não é neutra, mas também não é discricionária, devendo ser adotada em função das regras e princípios, implícitos e explícitos adotados pelo sistema, de tal sorte que a decisão, ainda que inovadora, mantenha coerência com o ordenamento jurídico vigente, que não perde por isso a sua identidade. O sistema jurídico de um Estado democrático permite liberdade decisória, nas condições acima referidas, e espera do juiz, a quem garante independência institucional e funcional, a utilização dessa liberdade para a realização dos seus valores e por isso é que ele tem responsabilidade social” (in Responsabilidade Política e Social dos Juízes nas Democracias Modernas. São Paulo: Revista dos Tribunais, volume 751, maio de 1998, p. 35-50).

O Superior Tribunal de Justiça tem assumido posição vanguardeira, ao decidir:

“A norma de sobre-direito magistralmente recomenda ao Juiz, na linha da lógica razoável, que, ‘na aplicação da lei, o Juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum’. Em outras palavras, é de repudiar-se a aplicação meramente formal de normas quando elas não guardam sintonia com a realidade” (Recurso Especial n. 64.124-RJ, Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, publicação da Escola Judicial Desembargador Edésio Fernandes, Tribunal de Justiça-MG, Diário do Judiciário-MG, 16.05.1997).


“Urge preocupar-se com o Direito Justo. A justiça social não pode ser postergada. Toda lei tem a ampará-la uma norma, um princípio. A lei é mero compromisso histórico com o Direito. Se ele não realiza a justiça, deve ser corrigido. Palavras de RADBRUCH: ‘não se pode definir o Direito, inclusive o Direito positivo, senão dizendo que é uma ordem estabelecida com o sentido de servir à Justiça” (Embargos de Divergência no Recurso Especial n. 75.864-SC, Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, idem, Diário do Judiciário-MG, 23.05.1997).

“Ao juiz, em sua função de intérprete e aplicador da lei, em atenção aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum, como admiravelmente adverte o art. 5º, LICC, incumbe dar-lhe exegese construtiva e valorativa, que se afeiçoe aos seus fins teleológicos, sabido que ela deve refletir não só os valores que a inspiraram mas também as transformações culturais e sócio-políticas da sociedade a que se destina” (Recurso Especial n. 162.998-PR, Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, Diário do Judiciário da União, 01.06.1998).

“Se a interpretação por critérios tradicionais conduzir à injustiça, incoerências ou contradições, recomenda-se buscar o sentido eqüitativo, lógico e acorde com o sentimento geral” (Recurso Especial nº 122.499-SP, Min. Milton Luiz Pereira, Diário do Judiciário da União, 15.05.2000).

Superando o clássico positivismo jurídico, os juízes não devem mais aplicar simplesmente a lei. É preciso aplicá-la de modo a encontrar o justo no caso concreto. É marcante sua atuação, no que concerne à segurança, à igualdade e liberdade individuais; ao sentido e alcance da pessoa jurídica; à definição do Estado e à sua submissão ao direito; às transformações da ordem individualista, contribuindo à socialização dos direitos subjetivos; ao princípio da boa-fé nas relações jurídicas; ao princípio da eqüidade; às grandes transformações ocorridas na responsabilidade civil, onde, em boa parte, a evolução resultou de seu trabalho; em suma; à proteção dos direitos do indivíduo, fazendo deste o verdadeiro fim do direito. A jurisprudência realiza concretamente o Estado de Direito (Plauto Faraco de Azevedo, in Aplicação do Direito e Contexto Social. São Paulo: Editora RT, 1996, pp. 153-154).

O publicista argentino Roberto Dromi acrescenta:

“Os juízes devem ser juízes da República. Sua missão não se limita a uma simples busca da justiça, segundo fórmulas processuais preestabelecidas. Deles depende a vigência de todo o sistema institucional de uma comunidade política. Os juízes são juízes da coisa pública, de todas as suas instituições e não só da legalidade formal. A eles a Constituição também confiou o conhecimento daquelas causas que versam sobre as instituições republicanas (El Poder Judicial. Buenos Aires: Ediciones Ciudad Argentina,1996, p. 237; livre tradução e grifo nossos).

Avulta o papel dos princípios. O grande civilista Caio Mário da Silva Pereira, ao receber, em 1999, o título de doutor honoris causa da Universidade de Coimbra, proferiu magnífico discurso:

“Posso dizer, com a autoridade de quem enfrenta essa luta há mais de sessenta anos, que é necessário acreditar que se pode construir o futuro sobre os alicerces jurídicos. (…) Visualizando o Direito, sem me ater a particularismos que interessem a tal ou qual categoria social, ou a algum sentimento personalíssimo, penso que ele é ‘todo inteiro’, na expressão de Del Vecchio, ‘um complexo sistema de valores’, e, mais especialmente, ‘uma conciliação dos valores da ordem e os valores da liberdade’” (jornal “Estado de Minas”, Belo Horizonte, edição de 19 de agosto de 1999, p. 10).


Carlos Maximiliano definiu:

“Todo conjunto harmônico de regras positivas é apenas o resumo, a síntese, o ‘substratum’ de um complexo de altos ditames, o índice materializado de um sistema orgânico, a concretização de uma doutrina, série de postulados que enfeixam princípios superiores. Constituem estes as diretivas idéias do hermeneuta, os pressupostos científicos da ordem jurídica” (in Hermenêutica e Aplicação do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 10ª ed., 1988, p. 295; grifo do autor).

Nessa linha conceitual, são os princípios idéias gerais e abstratas, que expressam em maior ou menor escala todas as normas que compõem a seara do Direito. Cada área do Direito não é senão a concretização de certo número de princípios, que constituem o seu núcleo central. Eles possuem uma força que permeia todo o campo sob o seu alcance (Celso Bastos, in Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 1996 p. 23).

Segundo Fábio Konder Comparato, a axiologia transformou a ética contemporânea. Há uma revolução axiológica, abalando o positivismo puro e seco, vigorante na maior parte do século XX (prefácio ao livro Temas de Direitos Humanos, de Flávia Piovesan. São Paulo: Max Limonad. 1998, páginas 11/14). O sistema jurídico, em geral, é controlado e aplicado como uma rede axiológica e hierarquizada de princípios, de normas e de valores jurídicos, cuja função é a de dar cumprimento aos princípios e objetivos fundamentais do Estado Democrático de Direito, assim como se encontram consubstanciados, expressa ou implicitamente, na Constituição (Juarez Freitas, in O Controle dos Atos Administrativos e os Princípios Fundamentais. São Paulo: Malheiros Editores, 1997, p. 49).

Surge nova materialidade constitucional e alcança o patamar supremo da Constituição. Ao mesmo passo, insere-se na órbita principal, com superioridade normativa, no que toca aos demais preceitos da Constituição. Em caso de conflito constitucional, o princípio é superior à regra. O princípio se aplica, a regra não. Os juristas do positivismo sempre foram contundentes no menosprezo e aversão aos princípios. As correntes antipositivistas, deste fim de século, fundaram uma Nova Hermenêutica. Retiraram os princípios — dantes designados simplesmente princípios gerais de Direito — da esfera menor dos Códigos, onde jaziam como a mais frágil, subsidiária e insignificante das peças hermenêuticas do sistema, para a região mais elevada e aberta das Constituições, cujo espaço oxigenado entraram a ocupar até se fixarem com aquela densidade normativa que os converteu em senhores supremos da jurisdicidade constitucional. De tal sorte que, por derradeiro, os princípios governam a Constituição e a governam nos termos absolutos que a legitimidade impõe (Paulo Bonavides, in Reflexões – Política e Direito. São Paulo: Malheiros Editores, 3ª ed., 1998, pp. 22-29).

Segundo José Joaquim Gomes Canotilho, hoje a subordinação à lei e ao Direito, por parte dos juízes reclama, de forma incontornável, a “principialização” da jurisprudência. O Direito do Estado de Direito do Século XIX e da primeira metade do Século XX é o Direito das regras dos códigos. O Direito do Estado Constitucional Democrático e de Direito leva a sério os princípios, é um Direito de princípios. O tomar a sério os princípios implica uma mudança profunda na metódica de concretização do Direito e, por conseguinte, na atividade jurisdicional dos juízes (in A ‘Principialização’ da Jurisprudência Através da Constituição. São Paulo. Revista de Processo. Ed. RT. Volume 98. Abril-junho de 2000, páginas 83/84).

Prossegue o constitucionalista luso afirmando que a existência de regras e princípios permite a descodificação, em termos de um “constitucionalismo adequado” (Alexy), de estrutura sistêmica. Isto é, possibilita a compreensão da Constituição como sistema aberto de regras e princípios. Um modelo ou sistema constituído exclusivamente por regras conduzir-nos-ia a um sistema jurídico de limitada racionalidade prática. Exigiria uma disciplina legislativa exaustiva e completa – legalismo – do mundo e da vida, fixando, em termos definitivos, as premissas e os resultados das regras jurídicas. Conseguir-se-ia um “sistema de segurança”, mas não haveria qualquer espaço livre para a complementação e desenvolvimento de um sistema, como constitucional, que é necessariamente aberto (in Direito Constitucional. Coimbra: Livraria Almedina, 6ª ed., 1993, pp. 168-9).


V – MORALIDADE ADMINISTRATIVA

Importa destacar que a Constituição Federal de 1988 consagrou o princípio da moralidade administrativa, de observância obrigatória no âmbito da Administração Pública. Lúcia Valle Figueiredo ressalta (in Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros Editores, 1995, p. 49):

“O princípio da moralidade vai corresponder ao conjunto de regras de conduta da Administração, que, em determinado ordenamento jurídico, são considerados os ‘standards’ comportamentais que a sociedade deseja e espera”.

Aristóteles subordinou a ética à política (apud Giovanni Reale, in História da Filosofia Antiga. São Paulo: Edições Loyola, trad. Henrique Cláudio de Lima Vaz e Marcelo Perine, 1994, p. 405/419). Nessa subordinação, incidiu clara e determinadamente a doutrina platônica, conferindo forma paradigmática à concepção tipicamente helênica, que entendia o homem unicamente como cidadão e punha a cidade completamente acima da família e do homem individual. O indivíduo existia em função da cidade e não a cidade em função do indivíduo:

“Se, de fato, idêntico é o bem para o indivíduo e para a cidade, parece mais importante e mais perfeito escolher e defender o bem da cidade; é certo que o bem é desejável mesmo quando diz respeito só a uma pessoa, porém é mais belo e mais divino quando se refere a um povo e às cidades”.

Portanto, todas as concepções morais giram em torno do bem geral. A moralidade começa com associação, interdependência e organização. A vida em sociedade requer a concessão de uma parte da soberania do indivíduo à ordem comum. A norma de conduta acaba se tornando o bem-estar do grupo. A natureza assim o quer e seu julgamento é sempre definitivo. Um grupo sobrevive, em concorrência ou conflito com outro grupo, em função da sua unidade e poder e na medida da capacidade de seus membros de cooperarem para fins comuns. A melhor cooperação é aquela em que cada qual faz aquilo que melhor sabe fazer. Eis o objetivo que toda sociedade deve perseguir, para que tenha vida (Will Durant, in A História da Filosofia. São Paulo: Nova Cultural, tradução de Luiz Carlos do Nascimento Silva, 2000, p. 61-62).

Norberto Bobbio exalta as forças morais que impedem as instituições de degenerar. Para o filósofo italiano, o fundamento de uma boa república, mais até do que as boas leis, é a virtude dos cidadãos (in Elogio da Serenidade e outros Escritos Morais. São Paulo: Editora Unesp, trad. Marco Aurélio Nogueira, 2002, p. 10).

Miguel Reale pontificava (in Filosofia do Direito. São Paulo: Saraiva, 15ª ed., 1993, p. 392):

“O homem jamais se desprende do meio social e histórico, das circunstâncias que o envolvem no momento de agir. Delas participa e sobre elas reage: são forças do passado que atuam como processos e hábitos lentamente constituídos, como laços tradicionais e lingüísticos, que a educação preserva e transmite: são forças do presente com seu peso histórico imediato; são forças do futuro que se projetam como idéias-força, antecipações e ‘programas de existência’ envolvendo dominadoramente a psique individual e coletiva”.

Juarez Freitas também disserta (in O Controle dos Atos Administrativos e os Princípios Fundamentais cit., p. 69):

“O princípio da moralidade, no campo administrativo, não há de ser entendido como singelo conjunto de regras deontológicas extraídas da disciplina interna da Administração. Na realidade, é extremamente mais: diz com os padrões éticos de uma determinada sociedade, de acordo com os quais não se admite a universalização de máximas de conduta que possam fazer perecer os liames sociais. É verdade que um controlador arguto, à base da mencionada submissão do administrador não apenas à lei, mas ao Direito, já conseguiria alcançar resultado idêntico”.


Diogo de Figueiredo Moreira Neto distingue a moralidade administrativa da moral comum (in Curso de Direito Administrativo cit., p. 69):

“Na verdade, a moralidade administrativa, entendida como espécie diferenciada da moral comum, é uma derivação da legitimidade política e da finalidade pública. (…)

“É que é pela finalidade que se estabelece, entre outros limites, o que vem a ser a moralidade da atuação pública, aferida em relação a seus fins e a seus meios, mas sempre conotada à idéia de legitimidade da ação do Estado no atendimento do interesse público. A utilização de meios ilegítimos ou a traição da finalidade, que está ínsita na regra de competência, é que caracterizam a imoralidade e acarretam a anulação do ato administrativo, e, ainda aí, com Cretella, afirmamos que a ineficácia não decorreu imediatamente da violação da regra moral de conduta, mas mediatamente, pois, de permeio, foi violada a regra jurídica que a continha.

“A moral comum é orientada pela distinção entre o bem e o mal, ao passo que a moral administrativa é orientada pela diferença entre boa e má administração.

“O administrador age imoralmente quando administra mal, isso é, quando usa de seus poderes administrativos para atingir resultados divorciados do interesse público a que deveria atender”.

Odete Medauar (in A Processualidade no Direito Administrativo. São Paulo: Editora RT, 1993, p. 93) afirma que o princípio da moralidade se imbrica com o da impessoalidade. Um dos aspectos da imoralidade diz respeito ao uso de poderes administrativos com o fim de propiciar favorecimentos a si e a outrem, situação que envolve a impessoalidade como um dos fatores da imoralidade. Segundo a autora, contudo, é princípio de difícil tradução verbal, porque é impossível enquadrar em um dos dois vocábulos a ampla gama de condutas e práticas desvirtuadoras das verdadeiras finalidades da Administração Pública. Submete-se às regras de conduta extraídas da disciplina da Administração, sob perfil do fim do interesse público, boa administração, boa-fé e lealdade da Administração.

Para Caio Tácito, forte na lição de Hauriou, a moralidade integra a legitimidade do exercício da competência administrativa (in Moralidade Administrativa. Rio de Janeiro: Revista de Direito Administrativo, vol. 218, outubro-dezembro de 1999, p. 1-10). Pressupõe o exame dos motivos do ato administrativo, em conexão com o vínculo legal à finalidade. O administrador não pode colocar seus poderes a serviço de interesses pessoais exclusivos e de conceitos que discrepam de valores morais respeitáveis.

A exigência de ética na Administração Pública ainda inspirou a sanção aos atos de improbidade administrativa, os quais também violam o princípio da moralidade administrativa. O art. 37, § 4º da CF/88 dispôs que “os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e graduação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível”.

Fábio Medina Osório discorre (em Improbidade Administrativa. Porto Alegre: Síntese, 2ª ed., 1998, p. 213-214):

“Também decorre do controle da moralidade a exigência de que a conduta administrativa ‘não deixe dúvidas acerca da conformidade à lei, entendida em seu aspecto substancial, isto é, em relação à sua finalidade e não apenas à sua forma (Judith Hofmeister Martins Costa, As funções do princípio da moralidade administrativa).

“Exige-se, pela via da moralidade pública, não apenas a honestidade, mas a aparência de honestidade e a lisura dos atos administrativos. Cobra-se transparência da atividade pública e dos atos administrativos. A honestidade do administrador, no desempenho de suas atribuições, deve revestir-se de formalidades tais que não se permitam dúvida a este respeito. (…)


“Não há espaço para suspeitas nos procedimentos públicos. A mera suspeita, aliás, desde que respaldada em indícios mínimos, traduz ofensa ao princípio da moralidade, ainda que o procedimento se adapte às exigências legais específicas”.

A conduta do representado Dr. Juvenil Alves Filho, aparentemente, violou os preceitos constitucionais norteadores da boa Administração, decantada pela doutrina administrativista italiana. Desde a campanha, todo candidato deve ser o protótipo do homem público a ser eventualmente eleito. Não pode ‘ab ovo’ adotar condutas repelidas pela Constituição e a legislação em geral.

O artigo 14, § 9º, da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 4, de 1994, encareceu a exigência de aferição prévia da probidade de candidatos em disputa por cargos eletivos:

“Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta”.

A sociedade brasileira aguarda avidamente a edição da referida lei completar…

Ao votar no julgamento de controvertido recurso oriundo do Estado do Rio de Janeiro, o eminente ministro Carlos Ayres Britto, do Tribunal Superior Eleitoral, embora vencido em considerar o candidato recorrente inelegível, teceu relevantes considerações sobre o tema. Atentou para os princípios constitucionais de direito coletivo, como o da soberania popular e da democracia representativa. Segundo a convicção, referidos princípios devem se sobrepor aos direitos individuais, como o princípio da não culpabilidade:

“O eleitor não exerce o direito para se beneficiar, o mesmo acontecendo com o candidato a cargo político eletivo, que ali está para representar uma coletividade, jamais para servir a si próprio. (…)

“Tais perquirições acerca de condições de elegibilidade e fatores de inelegibilidade estão a desafiar, penso, um ancoradouro normativo a que somente se pode chegar pela via do método de interpretação que toma o conhecido nome de ‘sistemático’. Método ‘sistemático’ ou ‘contextual’, cuja função eidética é procurar o sentido peninsular da norma jurídica; isto é, o significado desse ou daquele texto normativo, não enquanto ilha, porém enquanto península ou parte que se atrela ao corpo de dispositivos do diploma em que ele, texto normativo, se ache engastado. Equivale a dizer: por esse método de compreensão das figuras de Direito o que importa para o intérprete é ler nas linhas e entrelinhas, não só desse ou daquele dispositivo em particular, como também de toda a lei ou de todo o código de que faça parte o dispositivo interpretado. Logo, o que verdadeiramente importa é fazer uma interpretação casada do texto-alvo ou do dispositivo-objeto, e não apenas uma exegese solteira. (…)

“Ao arrolar as condições de elegibilidade (§ 3º do art. 14), a Constituição nem precisou dizer que a idoneidade moral era uma delas; pois o fato é que a presença de tal requisito perpassa os poros todos dos numerosos dispositivos aqui citados. O que por certo inspirou o legislador ordinário a embutir nas condições de registro de candidatura a cargo eletivo a juntada de "certidões criminais fornecidas pelos órgãos de distribuição da Justiça Eleitoral" (inciso VI do art. 11 da Lei nº 9.504/97). Cabendo aos órgãos desse ramo do Poder Judiciário, também por certo, dizer se em face da natureza e da quantidade de eventuais processos criminais contra o requerente, aliadamente a outros desabonadores fatos públicos e notórios, fica suficientemente revelada uma ‘vida pregressa’ incompatível com a dignidade do cargo em disputa. Função integrativo-secundária perfeitamente rimada com a índole da Justiça Eleitoral, de que serve como ilustração este dispositivo da Lei Complementar nº 64/90: ‘O Tribunal formará sua convicção pela livre apreciação dos fatos públicos e notórios, dos indícios e presunções e prova produzida, atentando para circunstâncias ou fatos, ainda que não indicados ou alegados pelas partes, mas que preservem o interesse público e a lisura eleitoral" (art. 23, sem os caracteres em negrito)” (Recurso Ordinário n. 1069-RJ, interposto por Eurico Miranda; fonte: Notícias do Tribunal Superior Eleitoral, http://www.tse.gov.br/, captado em 15.09.2006; grifei).


VI – ÉTICA NA POLÍTICA.

Já tive ocasião de publicar o ensaio “Justiça Eleitoral e Improbidade Administrativa” (in Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro, nº 229, julho-setembro de 2002, págs. 211/232). Preponderantemente no exercício da jurisdição eleitoral, os magistrados devem estar atentos à observância dos princípios e regras constitucionais e do ordenamento infraconstitucional. Mais, devem considerar o clamor social por probidade na Administração Pública.

Para o saudoso jurista, filosófo e político André Franco Montoro, os tempos são de aspirações indeclináveis por ética:

“Na segunda metade do século 20, é impressionante o volume de publicações sobre ética, em todas as partes do mundo e em todos os setores do conhecimento. As publicações, estudos, pesquisas e debates sobre o tema estendem-se a todas as áreas da atividade humana. Ética na política, no direito, na indústria, no comércio, na administração, na justiça, nos negócios, no esporte, na ciência, na economia, na comunicação. As obras sobre ética, em seus múltiplos aspectos, enchem as estantes das bibliotecas e das livrarias. ‘Ética para Amador’ é o título do estudo de Fernando Savater, que se tornou best-seller dos livros vendidos na Espanha, com sete edições num só ano, em 1991. E a parte da Filosofia mais estudada neste final de século é a Axiologia, a Filosofia dos ‘Valores’.

“Paralelamente a essa intensa produção no campo da ciência, da arte e da filosofia, multiplicam-se em toda parte movimentos populares ou associativos, reivindicando ética na vida pública, na vida social e no comportamento pessoal. Movimentos semelhantes à famosa ‘campanha das mão limpas’, na Itália, vêm ocorrendo em quase todas as Nações. No Brasil, esses movimentos provocaram processos inéditos em nossa história, que culminaram com a punição de altos funcionários, a cassação de mandatos de parlamentares e do próprio Presidente da República.

“Esses fatos revelam — no campo da produção intelectual e do comportamento social — um incontestável retorno às exigências de ética.

“Por que a ética voltou a ser um dos temas mais trabalhados do pensamento filosófico contemporâneo? — pergunta José Arthur Gianotti, em estudo que integra a obra coletiva sobre ‘Ética’, editada pela Secretaria Municipal da Cultura, de São Paulo e a Companhia das Letras, em 1992.

“A resposta talvez possa ser indicada no célebre título do romance de Balzac, ‘Ilusões Perdidas’. Quiseram construir um mundo sem ética. E a ilusão se transformou em desespero. No campo do direito, da economia, da política, da ciência e da tecnologia, as grandes expectativas de um sucesso pretensamente neutro, alheio aos valores éticos e humanos, tiveram resultado desalentador e muitas vezes trágico” (in Ética na Virada do Século, coordenação de Maria Luiza Marcílio e Ernesto Lopes Ramos, Editora LTR, 1997, pp. 13/14).

Esse entendimento é mais condizente com os tempos vividos. Ao assumir a presidência do Tribunal Superior Eleitoral, o ministro Marco Aurélio de Mello, do Supremo Tribunal Federal, destacou a necessidade do Brasil superar a sua crônica crise ética. Essa superação passa pela afirmação das regras do Direito Eleitoral em sua plenitude, motivo pelo qual alertava o ministro empossado (discurso de posse; fonte: Notícias do Tribunal Superior Eleitoral, http://www.tse.gov.br/, captado em 05.05.2006):

“No que depender desta Presidência, o Judiciário compromete-se com redobrado desvelo na aplicação da lei. Não haverá contemporizações a pretexto de eventuais lacunas da lei, até porque, se omissa a legislação, cumpre ao magistrado interpretá-la à luz dos princípios do Direito, dos institutos de hermenêutica, atendendo aos anseios dos cidadãos, aos anseios da coletividade. Que ninguém se engane: não ocorrerá tergiversação capaz de turbar o real objetivo da lei, nem artifício conducente a legitimar a aparente vontade das urnas, se o pleito mostrar-se eivado de irregularidades. Esqueçam, por exemplo, a aprovação de contas com as famosas ressalvas. Passem a largo das chicanas, dos jeitinhos, dos ardis possibilitados pelas entrelinhas dos diplomas legais. Repito: no que depender desta Cadeira, não haverá condescendência de qualquer ordem. Nenhum fim legitimará o meio condenável. a lei será aplicada com a maior austeridade possível – como, de resto, é o que deve ser”.


No campo da defesa da moralidade administrativa – penso – não basta recriminar recorrentemente a omissão de partidos políticos e legisladores em evitar o preenchimento de cargos eletivos por pessoas desprovidas dos atributos éticos necessários à vida pública. O ministro Ayres Britto lembrava:

“Permita-me, Ministro Gerardo Grossi, ressaltar um aspecto consignado por Sua Excelência neste Colegiado: ‘Os partidos políticos são lenientes, não fazem a triagem devida quanto aos candidatos, quanto à aprovação de nomes em convenções’.

“Sua Excelência consignou isso ao concluir pelo não-conhecimento da consulta formulada pelo Deputado Miro Teixeira. E o Congresso Nacional está a dever à sociedade brasileira uma Lei de Inelegibilidades, já considerando que a Emenda Constitucional de Revisão nº 4/94 fez inserir sob o ângulo pedagógico no § 9º do artigo 14” (trecho de voto proferido no Recurso Ordinário n. 1069-RJ, interposto por Eurico Miranda; fonte: Notícias do Tribunal Superior Eleitoral, http://www.tse.gov.br/, captado em 15.09.2006; grifei).

O Judiciário não deve se omitir na defesa das pedras angulares do Estado Democrático de Direito. O saudoso Geraldo Ataliba ensinava:

“Sendo a Constituição lei suprema, superior às demais, deve prevalecer sobre todas as normas, o que requer a desassombrada ação de uma magistratura culta e imparcial – objetiva e subjetivamente imparcial (…), magistratura, essa, que se mova expeditamente, provocada por órgãos e agentes públicos e privados, empenhados no postular, instar, pedir, questionar incansavelmente no sentido do prestígio constitucional. (…) Na verdade, o Judiciário é a chave de abóboda de todo o sistema (in República e Constituição. São Paulo: Malheiros, 2ª ed., 1998, pp. 16/18; grifei).

Decisão lapidar foi proferida pelo ministro da Suprema Corte Celso de Mello, nos autos de ação direta de inconstitucionalidade versando a frustrada cobrança de contribuição previdenciária dos inativos, durante o governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso:

“A DEFESA DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA REPRESENTA O ENCARGO MAIS RELEVANTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. O Supremo Tribunal Federal- que é o guardião da Constituição, por expressa delegação do Poder Constituinte- não pode renunciar ao exercício desse encargo, pois, se a Suprema Corte falhar no desempenho da gravíssima atribuição que lhe foi outorgada, a integridade do sistema político, a proteção das liberdades públicas, a estabilidade do ordenamento normativo do Estado, a segurança das relações jurídicas e a legitimidade das instituições da República restarão profundamente comprometidas. O inaceitável desprezo pela Constituição não pode converter-se em prática governamental consentida. Ao menos, enquanto houver um Poder Judiciário independente e consciente de sua alta responsabilidade política, social e jurídico-institucional (ADIN nº 2.010/DF, DJU 12.04.2002; grifei).

Naquele precitado e célebre discurso de posse, o presidente do TSE, ministro Marco Aurélio, criticou o “jogo do faz de conta” em torno da submissão aos ditames da lei. Destacou a necessidade do Brasil sair da sua crônica crise ética e estabelecer “invencíveis anticorpos contra a corrupção”:

“Nesse processo de convalescença e cicatrização, é inescusável apontar o papel do Judiciário, que não pode se furtar de assumir a parcela de responsabilidade nessa avalancha de delitos que sacode o País. Quem ousará discordar que a crença na impunidade é que fermenta o ímpeto transgressor, a ostensiva arrogância na hora de burlar todos os ordenamentos, inclusive os legais? Quem negará que a já legendária morosidade processual acentua a ganância daqueles daqueles que consideram não ter a lei braços para alcançar os autoproclamados donos do poder? Quem sobriamente apostará na punição exemplar dos responsáveis pela sordidez que enlameou gabinetes privados e administrativos, transformando-os em balcões de tenebrosas negociações?

“Essa pecha de lentidão – que se transmuda em ineficiência – recai sobre o Judiciário injustamente, já que não lhe cabe outro procedimento senão fazer cumprir a lei, essa mesma lei que por vezes o engessa e desmoraliza, recusando-lhe os meios de proclamar a Justiça com efetividade, com o poder de persuasão devido. Pois bem, se aqueles que deveriam buscar o aperfeiçoamento dos mecanismos preferem ocultar-se por trás de negociatas, que o façam sem a falsa proteção do mandato. A República não suporta mais tanto desvio de conduta” (discurso de posse; fonte: Notícias do Tribunal Superior Eleitoral, http://www.tse.gov.br/, captado em 05.05.2006).


A convivência humana é, essencialmente, uma experiência compartilhada. A vida impõe, portanto, a formação de grupos sociais. Registra Carlos Ari Sundfeld (in Fundamentos de Direito Público. São Paulo: Malheiros, 1997, pp. 21-22; grifei):

“A convivência, seja dos indivíduos no interior desses grupos, seja de cada grupo com os demais, depende de um fator essencial: da existência de regras estabelecendo como devem ser as relações entre todos. Em uma palavra: a convivência depende da organização.

“Os integrantes de cada grupo social – uma família, uma empresa, um clube, uma cidade, um país, o mundo – vivem sob regras comuns. O grupo social pode ser definido, portanto, como a reunião de indivíduos sob determinadas regras.

“Para existirem tais regras, alguma força há de produzi-las; para permanecerem, alguma força deve aplica-las, com a aceitação dos membros do grupo. A essa força, que faz as regras e exige seu respeito, chama-se poder.

O poder estatal é essencialmente unitário. No entanto, em fase avançada de sua evolução, este poder se cinde e se articula em vários órgãos que cumprem ações distintas, mas coordenadas, ao fim comum de todo o sistema (Giorgio Del Vecchio, in Teoria do Estado. São Paulo: Saraiva, trad. Antônio Pinto de Carvalho, 1957, p. 55).

O Legislativo legisla e o Executivo governa. O Judiciário também é um Poder de Estado. Incumbe-lhe aplicar o Direito para solucionar conflitos de interesses em concreto. Como qualquer função estatal, a função jurisdicional deve ser desempenhada sob o manto da mais absoluta legitimidade. Ao poder não basta a legalidade, vale dizer, sua atuação sempre em conformidade com as regras jurídicas. Submete-se o poder ao princípio da legitimidade, como expôs magistralmente Paulo Bonavides:

“A legitimidade tem exigências mais delicadas, visto que levanta o problema de fundo, questionando acerca da justificação e dos valores do poder legal. A legitimidade é a legalidade acrescida de sua valoração. É o critério que se busca menos para compreender e aplicar do que para aceitar ou negar a adequação do poder às situações da vida social que ele é chamado a disciplinar.

“No conceito de legitimidade entram as crenças de determinada época, que presidem à manifestação do consentimento e da obediência.

“A legalidade de um regime democrático, por exemplo, é o seu enquadramento nos moldes de uma constituição observada e praticada; sua legitimidade será sempre o poder contido naquela constituição, exercendo-se de conformidade com as crenças, os valores e os princípios da ideologia dominante, no caso, a ideologia democrática (in Ciência Política. Rio de Janeiro: Forense, 5ª ed., 1983, p. 114; grifei).

Concluo com a sempre lúcida lição do ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira:

“O jurista, salientava Pontes de Miranda em escólio ao Código de 1939, XII/23, ‘há de interpretar as leis com o espírito ao nível do seu tempo, isto é, mergulhado na viva realidade ambiente, e não acorrentado a algo do passado, nem perdido em alguma paragem, mesmo provável, do distante futuro’. ‘Para cada causa nova o juiz deve aplicar a lei, ensina Ripert (‘Les Forces Créatives du Droit’, p. 392), considerando que ela é uma norma atual, muito embora saiba que ela muita vez tem longo passado’; ‘deve levar em conta o estado de coisas existentes no momento em que ela deve ser aplicada’, pois somente assim assegura o progresso do Direito, um progresso razoável para uma evolução lenta” (trecho de voto proferido no Superior Tribunal de Justiça, ao relatar o Recurso Especial n. 196-RS, in Revista dos Tribunais, vol. 651, janeiro de 1990, p. 170-173).

Este juiz conta quarenta e cinco anos de idade. Acadêmico da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, foi às ruas nos idos de 1984, clamar por Eleições Diretas Já! Aprendeu a valorizar o Estado Democrático de Direito. Liberdade tem elevado custo cívico. Democracia não se confunde com eleições periódicas: é a construção de um Brasil justo e ético. Nascido em São João del-Rei, sorveu os edificantes exemplos de seus conterrâneos Tiradentes e Tancredo Neves. Este último discursou após sua eleição à Presidência da República, em 1985:


“Se todos quisermos, dizia-nos, há quase duzentos anos, Tiradentes, aquele herói enlouquecido de esperança, podemos fazer deste país uma grande Nação. Vamos fazer”.

Nesse desiderato, é sempre atual a célebre frase do Almirante Barroso, por ocasião da Batalha do Riachuelo:

“O Brasil espera que cada um cumpra o seu dever”.

VII – CONCLUSÃO

Pelo exposto, em conclusão, defiro a liminar e suspendo a diplomação do deputado federal eleito pelo Partido dos Trabalhadores (PT) JUVENIL ALVES FERREIRA FILHO, até a decisão definitiva neste processo de investigação.

Dê-se ciência desta decisão a S. Exa. o Desembargador Presidente deste Tribunal Regional Eleitoral, para as providências cabíveis.

Notifique-se o representado, nos termos do artigo 22, I, “a”, da Lei Complementar nº 64/90.

Em consonância com o que restou deliberado na sessão da Corte Eleitoral do TRE-MG, em 29 de novembro p. p., imponho segredo de justiça a todos os documentos integrantes dos apensos desta representação, oriundos da “Operação Castelhana” e obtidos mediante quebra de sigilos bancário, fiscal e telefônico dos investigados e tercerios envolvidos.

O segredo de justiça, no entanto, não se estende ao conteúdo desta decisão, sob pena de afronta ao princípio constitucional da publicidade (artigo 37, caput, da Constituição Federal). Referido princípio propicia o controle dos atos administrativos pela própria Administração, pelos cidadãos e pelo Poder Judiciário. Segundo Carlos Ari Sundfeld, todo poder emana do povo (art. 1º, § 1º , CF/88 ):

“É óbvio, então, que o povo, titular do poder, tem o direito de conhecer tudo o que concerne ao Estado, de controlar passo a passo o exercício do poder”.

Publique-se. Intimem-se.

Belo Horizonte, 1º de dezembro de 2006.

Rogério Medeiros Garcia de Lima

Juiz Eleitoral

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