Aula de Direito

Juristas fazem tour por importantes teses jurídicas dos últimos anos

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3 de dezembro de 2006, 13h29

A cerimônia de posse do ministro Gilmar Mendes e da tributarista Misabel Derzi na Academia Internacional de Direito e Economia foi o pretexto para que grandes nomes do Direito fizessem um tour por importantes teses jurídicas dos últimos anos. Gilmar Mendes passou a ocupar a cadeira do ex-ministro do STF, Oscar Dias Corrêa. Misabel Derzi ficou com a vaga deixada pelo doutrinador Miguel Reale.

Gilmar Mendes foi saudado pelo doutrinador Arnoldo Wald, que descreveu a trajetória do novo acadêmico desde a apresentação de seu doutorado, em 1991, sobre controle abstrato de constitucionalidade, até a sua atuação no Supremo Tribunal Federal. Wald descreveu a contribuição de Gilmar Mendes para a Justiça brasileira em três tópicos: interpretação constitucional moderna; eficiência legal, processual e regulatória; e segurança jurídica.

Ressaltou os esforços do ministro na defesa de ferramentas para descongestionar os tribunais e dar eficiências às decisões como a Súmula Vinculante, aprovada na quinta-feira (30/11) pelo Congresso Nacional, e da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF). Para Wald, a eficiência é o meio de garantia da segurança jurídica, que não pode ser abalada por políticas públicas. Gilmar Mendes integrou, ao lado de Arnoldo Wald, Oscar Dias Corrêa, Ives Gandra e Celso Bastos, a comissão que elaborou o anteprojeto de lei que disciplinou a ADPF.

Ele citou o voto de Gilmar Mendes na ADI sobre a lei que definiu o modelo do setor elétrico. O que se discutia era se o STF deve analisar ADI contra uma Medida Provisória que já se transformou em lei por manobra do Executivo, que pressiona o Congresso Nacional para aprovar a MP antes de o tribunal analisar a sua constitucionalidade. O ministro, relator, entendeu que a ADI deve, sim, ser analisada por conta da segurança jurídica e do tamanho reflexo que a medida pode ter na vida de cada cidadão.

No final de seu discurso, Arnoldo Wald chamou atenção para o desafio moderno do Direito para acompanhar a velocidade do avanço da tecnologia e da economia. “Se, no passado, era possível acreditar que as normas abstratas podiam resolver todos os problemas, a situação atual, com a globalização e a modernização da economia, exige, muitas vezes, uma aplicação concreta e mais detalhada dos princípios gerais”.

Para acompanhar essa rápida transformação dos paradigmas, Gilmar Mendes entende que é preciso que as leis incorporem abertura para o avanço tecnológico. Ele lembra que o Supremo está analisando o caso da cola eletrônica, em que um grupo montou um esquema para transmitir informações aos candidatos de um vestibular. A corte discute a aplicação de um tipo penal que já existe ou se é necessária a criação de uma nova forma de punição. “Talvez aí o Direito tenha que adotar alguma plasticidade, alguma flexibilidade, mas sem perder a sua matriz e segurança jurídica. Por isso, haja um certo atraso e seja até compreensível”.

Em seu discurso de posse, Gilmar Mendes fez uma retrospectiva da vida do mineiro Oscar Dias Corrêa de quem era amigo e que também foi juiz, parlamentar, professor e presidente do Tribunal Superior Eleitoral. Contou que Corrêa foi dos poucos opositores da instituição da Assembléia Nacional Constituinte de 1987 e do projeto da Carta Magna. Segundo ele, Corrêa “preocupava-se com o estado de ingovernabilidade que a mudança poderia instaurar”.

Ao contrário de Corrêa, Gilmar Mendes é um defensor da Constituição de 1988, apesar de entender que seu texto é altamente regulador, e acredita que a sua aplicação está sendo bem-sucedida. A maior prova disso, para Gilmar Mendes, é que o país passou por um impeachment presidencial, inúmeras crises políticas e econômicas que foram “superadas sob a disciplina constitucional, sem qualquer contestação ou reclamo relevante”.

Lembrou ainda da atuação da Suprema Corte no caso Tablita (Tabela de Deflações) em que houve ponderação entre a proteção dos valores envolvidos no contrato de aplicação financeira e a proteção da política econômica, como uma garantia institucional. Mendes expressou o seu voto no sentido de que a garantia constitucional da propriedade não está imune a eventuais alterações da política e econômica. A corte decidiu pela inconstitucionalidade da Tablita.

Outra discussão suscitada na cerimônia foi a possibilidade de prisão do depositário infiel em contratos de alienação fiduciária. O Brasil é signatário da Convenção Americana dos Direitos Humanos, que proíbe prisão por dívida. O problema é que a Constituição Federal permite a prisão civil do depositário infiel, desde que esteja prevista em lei. O Supremo sinaliza para o entendimento de que os tratados internacionais tenham status de norma supra legal. Nesse caso, o depositário infiel fica protegido. Ainda faltam três votos para a decisão.

Universalidade de pensamento

Misabel Derzi foi recebida por um afetuoso discurso de Ives Gandra Martins, que se disse encantado com a sua “fantástica facilidade expressional e admirável precisão conceitual”. Mesmo com divergências de natureza ideológica, relembraram passagem em que reuniram forças para levantar bandeira contra o Plano Collor.

Em princípio, foram das poucas vozes que foram contra a opinião dominante de apoio ao governo e criticaram a falta de ética e inconstitucionalidade do novo plano econômico. Segundo Misabel, Ives Gandra foi o único que não se impressionou com a alta inflação e com os argumentos econômicos colocados e se levantou em busca da defesa da Constituição brasileira.

Em face da universalidade de pensamento e atuação de Misabel como jurista, Ives Gandra a apresentou como a pessoa certa para ocupar a cadeira de Miguel Reale, homenageado durante toda a cerimônia. Misabel exaltou de forma poética a influência do culturalismo e do humanismo de Miguel Reale na composição do Código Civil.

A nova acadêmica ressaltou a visão do jurista de Justiça prospectiva, que faz uma associação entre tempo, formação dos fatos jurídicos e a proteção da segurança jurídica. Em seu discurso, defendeu “mais eticidade, mais socialidade, mais emancipação e liberação, por meio de um agito comunicativo livre de toda forma de coação”. Ela entende que essa é a forma com que Miguel Reale conduziu por toda a vida o seu trabalho acadêmico, político e cultural.

Ives Gandra também fez sua homenagem ao “símbolo maior da intelectualidade brasileira”, por quem sentia uma admiração típica de um filho. Admiração decorrente da percepção dialética de Miguel Reale sobre o fenômeno da tridimensionalidade e pela sua “compreensão da transcendência da aventura humana e por sua concepção mística da outra vida”.

Dada a importância técnica e doutrinária dos discursos — verdadeiras aulas de Direito — este site os publicará nos próximos dias, na íntegra.

A Academia

A Academia nasceu em 1986, época em que a relação entre juristas e economistas não andava muito bem. A pretensão era conciliar as duas ciências, reunindo o melhor do pensamento jurídico e o melhor do pensamento econômico. Atualmente, são 57 acadêmicos. Sempre que um ilustre membro morre, figuras representativas são convidadas para preencher o vazio deixado.

Arnoldo Wald diz que a pretensão da Academia é integrar juristas e economistas para transformar a legislação em direito de desenvolvimento com finalidades sociais e éticas. Além de uma forma de interligar de forma efetiva esses especialistas, a sociedade civil e o Poder Público.

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