Emprego de todos

Discussão da diversidade racial chega, enfim, ao trabalho

Autor

  • Humberto Adami

    é advogado e mestre em Direito. É Diretor do IARA Instituto de Advocacia Racial e Ambiental e ex- Ouvidor da SEPPIR Secretaria Nacional de Políticas de Igualdade Racial da Presidência da República.  Atualmente preside a Comissão Nacional da Verdade da Escravidão Negra no Brasil do Conselho Federal da OAB. 

3 de dezembro de 2006, 6h02

A desigualdade racial do mercado de trabalho deve ser combatida todo o dia, o dia todo. Esta é uma das claras idéias que empresas estão incorporando ao seu dia a dia, sabedoras que as dificuldades inerentes à implementação da diversidade racial agregam duas qualidades vitais para os negócios: criatividade e rentabilidade. Ser igual, com todas as diferenças, é legal, é constitucional e também é lucrativo e ético. Isso sim é responsabilidade social.

Como tais valores não puderam ser percebidos antes? Como pôde ser mantido um país com tamanho “fosso racial”?, como denominou o economista Gesner Oliveira durante o II Seminário de Diversidade Racial Corporativa e Ações Afirmativas, realizado nos dias 9 e 10 de novembro de 2006, em São Paulo, pela Universidade da Cidadania Zumbi dos Palmares e Fundação Cultural Itaú.

A Federação Nacional dos Advogados (Fenadv) e o Instituto de Advocacia Racial e Ambiental (Iara) têm mantido decidida postura no sentido de provocar a investigação de tal desigualdade racial. Com isso, tem aberto uma trilha de avanços na busca de caminhos e soluções para toda a sociedade brasileira.

Inicialmente, ao fim de 2003, apresentaram 27 representações ao Ministério Público do Trabalho, requerendo a abertura de inquéritos civis públicos para apurar a desigualdade racial nos setores industriais, comerciais e bancários. O MPT respondeu a tal demanda com o Programa de Combate à Discriminação Racial no Mercado de Trabalho, inaugurado em abril de 2005.

Ações civis públicas foram ajuizadas perante a Justiça do Trabalho. Audiências públicas foram realizadas na Câmara dos Deputados Federais. Seis dos maiores bancos privados adotando postura pro ativa, tecem uma série de medidas em parceria com a Sociedade Afro-Brasileira de Desenvolvimento Sócio-Cultural (Afrobras) e a Universidade da Cidadania Zumbi dos Palmares (Unipalmares), e outras entidades, que demonstram o acerto das primeiras representações.

Como disse o secretário executivo de uma das maiores instituições financeiras do país, “antes das representações, não havia percepção da gravidade do problema e que era preciso, e poderíamos, fazer algo” .

Bem, o tudo feito até agora é muito. É bom e merece o aplauso. Deve prosseguir com iguais medidas para todo o país e todos os estados da Federação da República, além da cidade de São Paulo e da Afrobras.

A palavra do ex-presidente José Sarney, em solenidade na Afrobras, é definitiva: “Me disseram que há 20 negros e negras contratados em alguns bancos aqui em São Paulo, na Afrobras. Quero ver negros e negras, em todos os bancos de todas as cidades brasileiras”.

Incentivado pelo acerto e seriedade de suas medidas legais, pro ativas, o Instituto de Advocacia Racial e Ambiental, com o apoio permanente da Federação Nacional de Advogados, requereu ao procurador-geral da República, nos últimos meses, a instauração de inquéritos civis públicos para apuração de desigualdade racial, no Exército e demais Forças Armadas, na Igreja Católica e Itamaraty.

Com base na assertiva de um ex-ministro da Justiça, ora advogado de uma instituição financeira privada, que asseverou em sua peça de resistência que “estão fazendo ações contra bancos por desigualdade racial? Há 300 generais no Exército, 300 bispos na igreja, 300 embaixadores no Itamaraty. Apenas cinco ou seis negros. Quero ver fazerem as mesmas ações contra essas instituições!”.

Em conseqüência, o Iara ofereceu representação ao procurador-geral da República para abertura de inquérito civil público para apuração das desigualdades raciais nas Forças Armadas, Itamaraty e Igreja Católica. O pedido de inquérito formulado pelo Iara aguarda decisão do procurador-geral da República. O ex-ministro tem toda razão e será ótima testemunha, pois sabe do que está falando.

Da mesma forma, as empresas petrolíferas, com base em seu balanço social, estão tendo representações requeridas junto ao Ministério Público Federal e Ministério Público do Trabalho, nos 27 estados, para esclarecer em inquéritos civis públicos porque apresentam apenas 4% de afro-descendentes em seus quadros, em um caso, ou porque, num total de aproximadamente 1,7 mil funcionários, apenas 34 são negros, com 0% em cargo de chefia. Trata-se dos casos da Petrobras e Shell Brasil, respectivamente. Cogita-se a aplicação da lei de improbidade administrativa, em face do Decreto 4.228/02.

A discussão da diversidade racial chega, pois, ao mercado de trabalho. Iguais medidas estão sendo tomadas, como a implementação da Lei 10.639/03, Lei da História da África e Cultura Afro-Brasileira no âmbito dos 27 estados da República, com requerimento de inquéritos civis públicos em todos os municípios dos estados, a exemplo do que ocorreu no estado do Rio de Janeiro, onde se desenvolvem 92 inquéritos, um para cada município.

Neles se requer intimações pelo promotor de Justiça, de todos os diretores de escolas públicas e privadas, do ensino médio e fundamental, para que digam do porque da ausência de imediata implementação da Lei da História da África e Cultura Afro-Brasileira. Requer-se também a intimação do Ministro da Educação, da ministra da Secretaria de Políticas de Igualdade Racial (SEPPIR) e do Secretário de Diversidade (Secad), responsáveis legais que são pela implementação da política pública em comento. A legislação da improbidade administrativa, Lei 8.429/92, vem a ser rememorada.

A advocacia de combate é um instrumento que tem oferecido inúmeras vantagens à sociedade brasileira para alcançar a igualdade racial e que merece atenção, pois afasta falsa crença de que o direito está a reboque das transformações sociais.

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