Regime fechado

Acusados de estuprar e matar comerciante são condenados

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30 de agosto de 2006, 11h19

O 1º Tribunal do Júri da capital paulista condenou a 29 anos de detenção, em regime integralmente fechado, dois acusados de estuprar e matar a comerciante Arlete Tiyomi Nakatsu. A sentença foi dada na madrugada desta quarta-feira (30/8) pelo juiz Waldir Calciolari. Os crimes ocorreram em outubro de 2003, na Tinturaria e Lavanderia Miguel Stéfano, de propriedade da vítima, localizada no bairro da Saúde (zona Sul de São Paulo).

Lucieudo Barbosa Conrado e Ronildo Soares da Luz foram condenados por homicídio triplamente qualificado – mediante pagamento, meio cruel e recurso que impossibilitou a defesa da vítima – e estupro.

O marido de Arlete, Sérgio Akiro Nakatsu, é acusado de ter encomendado o crime. Ele não foi a julgamento porque tem recurso pendente no Tribunal de Justiça.

Arlete sofreu duplo estupro. Depois, foi morta de maneira cruel, com uma facada no pescoço. Para o juiz, os acusados revelaram possuir personalidade violenta, perversa e extremamente agressiva, avessa aos padrões de vida em grupo.

Arlete tinha 42 anos e deixou dois filhos. Para estuprá-la, os criminosos a amarraram com os cabos de videogame. O juiz classificou a atitude “reprovável” e “bárbara”.

“Tem-se ainda que os acusados, após estuprarem Arlete, a mataram com extrema perversidade. O fizeram de forma mercenária, a mando do então marido da falecida. Para tanto, agiram com extrema crueldade, impondo desnecessário martírio a ofendida, a esgorjando com um profundo corte no pescoço”, afirmou o juiz.

Como homicídio qualificado e estupro são crimes previstos em lei como hediondos, o juiz determinou que a pena seja cumprida integralmente em regime fechado. Ele entendeu, ainda, que os réus não poderão recorrer da pena em liberdade porque oferecem risco a ordem pública.

“Os réus demonstraram extrema periculosidade dada a natureza e circunstância dos crimes que vitimaram Arlete Tiyomi Nakatsu, praticados com requintes de barbaridade”, afirmou o juiz.

Leia a sentença:

VISTOS.

LUCIEUDO BARBOSA CONRADO, vulgo “Barbosinha”, “Popinia” e “Popinha” e RONILTON SOARES DA CRUZ, vulgo “Pig”, foram pronunciados para serem submetidos a julgamento perante o Tribunal do Júri, como incursos no artigo 121, § 2º, incisos I, III e IV e artigo 213, c.c. artigo 226, inciso I, na forma do artigo 29, “caput”, todos do Código Penal, porque em concurso de agentes, juntamente com Rafael da Silva Campos e a mando de Sérgio Akihiro Nakatsu, em data de 31 de outubro de 2003, por volta das 19:40 horas, na “Tinturaria e Lavanderia Miguel Stéfano”, localizada na Avenida Miguel Stéfano, nº 517, nesta Cidade e Comarca de São Paulo, de forma mercenária (paga e promessa de recompensa), de maneira cruel (esgorjamento) e impossibilitando a defesa, mediante o emprego de faca (arma branca), provocaram em Arlete Tiyomi Nakatsu os ferimentos descritos no Laudo de Exame Necroscópico de fls. 233, causando-lhe a morte.

Consta que Sérgio Akihiro Nakatsu, à época casado com Arlete Tiyomi Nakatsu, era proprietário da “Tinturaria e Lavanderia Miguel Stéfano”, local que também servia de morada para a família Nakatsu. Sérgio, ao deliberar dar cabo da vida da companheira, contratou Lucieudo Barbosa Conrado, seu ex-funcionário, para matar Arlete.

Combinado o preço do homicídio mercenário, Lucieudo, na data dos fatos, fazendo-se acompanhar dos co-réus Ronilton e Rafael, compareceu ao estabelecimento comercial referido, sabedor que ali encontraria à sua mercê a vítima. Enquanto Rafael permaneceu do lado de fora, em vigilância, Lucieudo e Ronilton adentraram no imóvel. A dupla, sob a premissa de se tratar de um assalto, dominou a ofendida. Lucieudo e Ronilton então se apoderaram de R$ 800,00, dinheiro este previamente deixado por Sérgio no local dos fatos, conforme combinado, como parte do pagamento a ser depois complementado.

Ocorre que estando Arlete à mercê dos acusados, Lucieudo e Ronilton decidiram, antes de matá-la, estuprá-la. Foi então que Lucieudo, contando com o concurso de Ronilton, constrangeu Arlete, mediante violência e grave ameaça, a conjunção carnal. Na seqüência foi a vez de Ronilton praticar a cópula vagínica. Findo o coito, Lucieudo passou a bater a cabeça da vítima contra a parede. Ato contínuo, dispondo Lucieudo de uma faca, efetuou-lhe profundo corte no pescoço, com esgorjamento.

Os réus agiram mediante paga e promessa de recompensa, visto que o homicídio foi cometido sob encomenda do então marido da vítima, o qual deixou no local R$ 800,00 como parte inicial de um pagamento que viria a ser depois complementado pelo mandante.

O homicídio foi cometido mediante o emprego de meio cruel, de forma a impor desnecessário sofrimento a ofendida, a qual foi esgorjada com um profundo corte no pescoço.

Os réus agiram ainda mediante o emprego de recurso que impossibilitou a defesa da vítima, a qual foi surpreendida durante sua jornada de trabalho, em seu local de serviço e moradia, sem poder suspeitar da possibilidade de sua morte e sem condição de oferecer qualquer resistência.


Nesta oportunidade, procedido o julgamento dos réus Lucieudo e Ronilton perante o Tribunal do Júri, decidiram os Senhores Jurados componentes do Conselho de Sentença, em resposta aos quesitos submetidos à votação, afirmar a prática, por parte dos acusados, dos crimes de estupro cometido mediante concurso de pessoas e homicídio triplamente qualificado. Quanto ao réu Lucieudo foi afirmada a incidência da atenuante da confissão espontânea da autoria delitiva e no tocante ao co-réu Ronilton foi negada a incidência de atenuantes.

Diante da soberana decisão dos Senhores Jurados, mister se faz a formalização do decreto condenatório, com a imposição das penas correspondentes.

Sopesados os elementos norteadores do artigo 59 do Código Penal, percebe-se que as circunstâncias judiciais são desfavoráveis aos agentes, devendo as penas serem estabelecidas acima do mínimo legal.

Conforme reconhecido pelo Tribunal Júri, por soberano veredicto, os réus, antes de Arlete Tiyomi Nakatsu ser morta, decidiram amarrar a vítima e mediante violência real, constrangeram-na a conjunção carnal, sob grave ameaça exercida com o emprego de arma.

Deveras reprovável o bárbaro proceder dos criminosos, ao dominar uma frágil senhora, de 42 anos de idade e 1,64 m de estatura, trabalhadora e mãe de família, em seu próprio local de serviço e moradia, compelindo-a a cópula vagínica. Note-se que para ser seviciada, a ofendida foi amarrada com os cabos do “videogame” dos filhos, sendo certo que a condição de mãe da vítima em momento algum foi considerada pelos sádicos delinqüentes. As condições do duplo estupro, ao qual Arlete foi constrangida, bem lustradas na perícia perinecroscópica (fls. 267/291) e no laudo de reconstituição (fls. 1077/1111), dão a dimensão da intensa gravidade do ilícito proceder dos agentes.

Destarte, em face das desfavoráveis circunstâncias acima alinhavadas e considerando ter sido o réu Lucieudo o primeiro criminoso a estuprar a ofendida, de forma a incentivar o co-réu Ronilton a dar seqüência à repugnante violação sexual, estabeleço para o mesmo, pela prática do crime do artigo 213 do Código Penal, a pena-base em 09 (nove) anos de reclusão. Por haver Lucieudo confessado espontaneamente a autoria criminosa, reduzo em 01 (um) ano a reprimenda originariamente fixada, o que perfaz 08 (oito) anos de reclusão.

Quanto ao co-réu Ronilton, por conta das desfavoráveis circunstâncias judiciais acima expostas, estabeleço a reprimenda para o crime do artigo 213 do Código Penal em 08 (oito) anos de reclusão.

Ainda no tocante ao estupro e com relação aos dois acusados, considerando que o Conselho de Sentença reconheceu a incidência da causa de aumento de pena, consistente no crime ter sido cometido com o concurso de duas ou mais pessoas (CP, art. 226, inc. I), aumento em ¼ (um quarto) a reprimenda de 08 (oito) anos de reclusão, o que perfaz 10 (dez) anos de reclusão para cada réu.

Tem-se ainda que os acusados, após estuprarem Arlete, a mataram com extrema perversidade. O fizeram de forma mercenária, a mando do então marido da falecida. Para tanto, agiram com extrema crueldade, impondo desnecessário martírio a ofendida, a esgorjando com um profundo corte no pescoço. Arlete foi seviciada e morta sem condição de defesa, posto que surpreendida durante sua jornada de trabalho, em seu local de serviço e moradia. A vítima não teve como oferecer qualquer resistência e tão pouco poderia suspeitar de sua morte ter sido encomendada aos agressores, um dos quais, seu ex-funcionário.

O reconhecimento pelo Júri de três qualificadoras do homicídio, leva necessariamente à exacerbação da pena, conforme orientação dominante seguida pelos Tribunais (RT 641/324, 600/338, 624/290 e 551/342).

O horrendo quadro demonstrou que os acusados revelaram possuir personalidade violenta, perversa e extremante agressiva, completamente avessa aos padrões de vida em grupo.

A gravidade do criminoso proceder adotado pelos agentes e a repugnância que emerge dos atos cometidos, dadas às circunstâncias que estão objetivamente estampadas nas perícias encartadas aos autos, bem evidenciam a extremada reprovabilidade do injusto penal.

Gravíssimas as conseqüências do homicídio, mormente porque com a morte da vítima, duas crianças de tenra idade ficaram na orfandade, portanto privadas para sempre da insubstituível assistência materna.

Enfim, o padrão de comportamento dos réus e a forma desumana como agiram na consecução do atroz crime contra a vida, causou perplexidade e profunda indignação, merecendo severo apenamento.

Para o réu Lucieudo, maior protagonista do grave ilícito contra a vida, fixo a pena-base em 20 (vinte) anos de reclusão. Por haver Lucieudo confessado espontaneamente a autoria criminosa, reduzo em 01 (um) ano a reprimenda originariamente fixada, o que perfaz, 19 (dezenove) anos de reclusão.


Quanto ao co-réu Ronilton, por conta das desfavoráveis circunstâncias judiciais acima expostas, estabeleço a reprimenda pelo homicídio triplamente qualificado em 19 (dezenove) anos de reclusão.

Levando em conta que os crimes acima apenados foram cometidos por meio de ações independentes, ofendendo bens jurídicos distintos, concluo que as respectivas penas, acima dosadas, devem ser aplicadas cumulativamente, incidindo a regra do concurso material de delitos (artigo 69, “caput”, do Código Penal). Assim, quanto aos dois acusados, a soma das penas totaliza 29 (vinte e nove) anos de reclusão, sanção esta que torno definitiva, ante a inexistência de outras circunstâncias capazes de influírem na dosimetria da reprimenda.

O homicídio qualificado e o estupro são delitos previstos em lei como crimes hediondos, razão pela qual o montante da pena imposta deverá ser cumprido integralmente no regime fechado, uma vez que em plena vigência o previsto no § 1º, do artigo 2º, da Lei dos Crimes Hediondos.

Ante o exposto, em cumprimento ao decidido pelo Tribunal do Júri e levando em consideração os fundamentos apresentados e o conteúdo dos autos, JULGO PROCEDENTE a presente ação penal para CONDENAR os réus LUCIEUDO BARBOSA CONRADO, vulgo “Barbosinha”, “Popinia” e “Popinha” e RONILTON SOARES DA CRUZ, vulgo “Pig”, ao cumprimento de 29 (vinte e nove) anos de reclusão, declarando-os como incursos no artigo 121, § 2º, incisos I, III e IV e artigo 213, c.c. artigo 226, inciso I, na forma do artigo 29, “caput” e artigo 69, “caput”, todos do Código Penal.

Os réus demonstraram extrema periculosidade dada a natureza e circunstâncias dos crimes que vitimaram Arlete Tiyomi Nakatsu, praticados com requintes de barbaridade. Em liberdade colocariam em risco a ordem pública. Os sentenciados também não demonstraram vínculo com o distrito da culpa e a continuidade de suas custódias assegurará o cumprimento das sanções impostas, resguardando o pleno cumprimento da lei penal.

Ressalte-se, conforme reiteradas decisões do Supremo Tribunal Federal, que o direito de recorrer em liberdade não se aplica ao réu preso cautelarmente que vem a ser condenado no respectivo processo. Referido benefício visa apenas abrandar o princípio da necessidade do condenado, que responde ao processo em liberdade, recolher-se à prisão para apelar (RHC 54.430, DJU 26.11.76, pag. 10.203: RHC 55.109, DJU 27.05.77, pag. 3459: RHC 56.943, DJU 27.04.79, pag. 3381: RHC 58.286, DJU 03.10.80, pag. 7735), sendo de rigor “acautelar o meio social e a própria credibilidade na Justiça em face da gravidade do crime e de sua repercussão” (Código de Processo Penal Interpretado, Júlio Fabbrini Mirabete, Editora Atlas, 1994). Assim, presentes os pressupostos para continuidade da custódia cautelar dos condenados, denego-lhes a faculdade do apelo em liberdade.

Recomendem-se os réus nas prisões em que se encontram, encaminhando-se cópia da presente decisão.

Mediante ofício, encaminhem-se cópias dos interrogatórios dos réus em Plenário do Júri e da presente sentença, para instruir os autos desmembrados com relação aos co-réus Sérgio e Rafael.

Após o trânsito em julgado, lancem-se os nomes dos sentenciados no Livro do Rol dos Culpados, expeça-se o necessário e oportunamente arquivem-se os autos com as cautelas e formalidades legais.

Dou esta sentença por publicada em plenário, saindo intimados os presentes. Registre-se. Comunique-se.

São Paulo, Sala das Deliberações do Primeiro Tribunal do Júri da Capital, Plenário “4”, aos 30 de agosto de 2006, à 01 hora e 45 minutos.

WALDIR CALCIOLARI

JUIZ DE DIREITO

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