Quarto poder

Se legítimo, direito à informação é mais forte que à honra

Autor

  • Ney Lopes

    é deputado federal pelo PFL-RN. É também procurador-geral da Câmara dos Deputados presidente do Parlamento Latino-Americano jornalista e professor de Direito Constitucional da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

29 de agosto de 2006, 16h51

Este texto é uma palestra que o deputado federal Ney Lopes proferirá nesta quarta-feira (30/8) no 6º Congresso Brasileiro de Jornais, promovido pela Associação Nacional de Jornais, e I Cúpula Latino-Americana de Líderes de Jornais, promovida pela Associação Mundial de Jornais

Ao agradecer a distinção do convite coloco-me neste debate como jornalista profissional, participante acionário de órgãos de comunicação, além de advogado militante, inclusive com exercício no magistério superior federal. Sou obrigado, por dever de consciência, a formular observações, orientadas em razão do interesse público, que nestes dois Encontros significam a preservação constitucional dos Direitos da Personalidade do cidadão e também o papel, absolutamente fundamental, da “imprensa livre” na consolidação da Democracia.

O tema abordado em função do ordenamento jurídico vigente inclui o ponto polêmico da reparação ao dano moral e seus valores. Questão complexa a ser definida, sem que lesione princípios constitucionais, de juridicidade e da boa técnica legislativa. Busca-se o equilíbrio entre a liberdade informativa, opinativa e os direitos da personalidade.

A Constituição de 1988 estabelece os fundamentos legais sobre o direito à informação (liberdade de imprensa) e a reparação pelo dano moral, material e à imagem. Tudo está definido no artigo 5°, inciso V e X. Tramita, no momento, proposta específica de legislação infraconstitucional sobre o tema, originário do Senado Federal.

Faz-se necessário recordar que a apresentação do projeto de lei, no Senado Federal, se deu no ano de 1999. Assim sendo, pareceu acertado, aos olhos daquela casa alta, aprovar a proposição, na medida em que a Constituição de 1988 menciona, expressamente, nos dispositivos citados, a possibilidade de reparação pelo dano moral, material e à imagem. Na época, o Código Civil de 1916 era silente, o que não ocorre no momento, após a vigência da Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (o novo Código Civil).

Coloca-se, de saída, a relevante questão trazida à colação pelo Constituinte de 1988, que ao tratar do tema do “Processo Legislativo”, estabeleceu que fosse editada lei complementar que dispusesse sobre “a elaboração, redação, alteração e consolidação das leis” (CF, art. 59, parágrafo único). Dessa forma, o Congresso Nacional aprovou a Lei Complementar 95, de 26 de fevereiro de 1998, já alterada, que ditou normas gerais, estabelecendo padrões para a “elaboração”, a “redação”, a “alteração” e a “consolidação” da legislação “federal”. O Decreto 2.954/99 e mudanças posteriores regulamentaram a Lei Complementar 95/98.

O ministro Ives Gandra da Silva Martins Filho, em comentário à LC 95, observa: “Evitar a legislação extravagante — novos comandos legais devem ser inseridos em leis já existentes, que tratem da mesma matéria em seu âmbito mais geral, de modo a que, para cada temática haja apenas uma lei disciplinadora da matéria”. A propósito, o artigo 7°, inciso IV, da LC 95, assim dispõe: “o mesmo assunto não poderá ser disciplinado por mais de uma lei, exceto quando a subseqüente se destine a complementar lei considerada básica, vinculando-se a esta por remissão expressa” (grifo nosso).

No caso do projeto de lei, em análise na Comissão de Constituição e Justiça e Redação Final da Câmara dos Deputados (PL 7.124/02) terá de ser atendido o princípio nominado pelo ministro Ives Gandra Filho, ou seja, evitar a legislação extravagante (o mesmo assunto não pode ser disciplinado por mais de uma lei), considerando que a matéria já está disciplinada no novo Código Civil, salvo para complementações, que se ajustem ao sistema constitucional e jurídico. A técnica legislativa, portanto, não apenas recomenda, mas impõe (ex-vi artigo 7°, IV supra transcrito), que a regulamentação do dano moral, material e à imagem seja feita por meio de complementação à Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002, que institui o novo Código Civil Brasileiro. O Senado Federal, originariamente, assim não procedeu pelo fato de que a proposta foi analisada na vigência do Código Civil de 1916.

A liberdade de imprensa

O princípio do acesso à informação pública está intimamente vinculado à liberdade de imprensa e sempre foi proclamado nos textos constitucionais brasileiros, com maior ou menor grau de liberdade. Note-se que hoje em dia, o termo “liberdade de imprensa” vem paulatinamente sendo substituído pela expressão “direito à informação jornalística”, considerada mais ampla e abrangente de qualquer espécie de mídia possível para a divulgação de opinião, crítica ou notícia.

O dano moral, material e à imagem são, há muito, objeto de tutela no ordenamento jurídico brasileiro, mas a sua reparação, em termos civis, nem sempre foi reconhecida. Dano, neste contexto, significa a diminuição ou subtração de um bem jurídico, a lesão de um interesse. E a reparação do dano moral nada mais é do que a consagração e reconhecimento, pelo direito, do valor e importância desse bem, que se deve proteger tanto quanto, senão mais do que os bens materiais e interesses que a lei protege.


Como no período da ditadura a imprensa foi, notoriamente, cerceada pela censura oficial, ela apenas veio a manifestar-se livremente nos períodos em que o Estado brasileiro tornou-se democrático, garantia assegurada pelas Constituições de 1946 e 1988.

Se nos citados períodos de Estado Democrático de Direito a imprensa torna-se livre, desenvolvendo e adquirindo seu espaço, o sistema jurídico também define os seus limites. Aí surgem os chamados direitos da personalidade que, se ofendidos, dão ensejo à reparação do dano moral, material e à imagem decorrente da violação de tais direitos da personalidade. Atualmente — como já mencionado no início desta exposição — o direito individual da personalidade está resguardado na CF/88, em seu artigo 5º, inciso X; e no CC, artigo11 a 21, mais especificamente.

Mas também encontramos outras normas no CC, sobre a reparação do dano moral, material e à imagem, no disciplinamento dos atos ilícitos (artigos 186 e 187, do CC); bem como no tocante a responsabilidade civil, da obrigação de indenizar, no artigo 927, CC; e quanto à indenização, no artigos 944, 946, 947, 953 e 954; todos do atual Código Civil.

Deste contexto surge o delicado paradoxo a ser equilibrado pela sociedade: o respeito à moral e aos direitos da personalidade versus o direito de prestar a informação jornalística, ou seja, o equilíbrio entre a liberdade de expressão e o direito à reparação de cidadãos que se sentem atingidos por acusações veiculadas pela mídia.

O dano moral — doutrina e legislações

Como a ofensa aos direitos da personalidade gera dano moral, material ou à imagem vamos esclarecer o que são estes direitos da personalidade, sob o conceito utilizado por Maria Helena Diniz, Goffredo Telles Júnior e R. Limongi França, juristas de renome que dispensam apresentações: “(…) o direito da pessoa de defender o que lhe é próprio, ou seja, a sua integridade física (vida, alimentos, o próprio corpo vivo ou morto), a sua integridade intelectual (liberdade de pensamento, autoria científica, artística e literária) e a sua integridade moral (honra, recato, segredo pessoal, profissional e doméstico, imagem, identidade pessoal, familiar e social)”.

Juridicamente, pode-se então definir o dano moral, material e à imagem como uma ofensa à dignidade da pessoa humana, pela violação aos seus sentimentos inatos que infligem à dor moral, exatamente pelo padecimento injusto e grave, oriundo de um ato público reprovável.

A possibilidade, aliás, de as pessoas jurídicas serem vítimas de dano moral não é novidade entre nós, havendo, inclusive, súmula do Superior Tribunal de Justiça a respeito: “Súmula 227: A pessoa jurídica pode sofrer dano moral”.

Na ocorrência de dano moral, este é passível de reparação integral por indenização pecuniária.

O antigo Código Civil, no seu artigo 159, previa ser compensável o dano. Vale citá-lo: “Artigo 159 – Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano”. Em breve análise da norma, pode-se mencionar dois aspectos relevantes que merecem nosso destaque: O primeiro aspecto é que ao estatuir a reparação do dano decorrente de ato ilícito, o antigo código não qualificou qual dano (material, moral ou à imagem) seria passível de reparação. Trouxe o substantivo — dano —, desprovido de qualquer adjetivo que o especificasse.

O segundo aspecto era que bastava apurar a culpa (grave, leve ou levíssima) do agente para que ele fosse responsabilizado pela reparação de um dano causado na esfera jurídica de outrem. Só que a doutrina nacional e a jurisprudência, por alguns anos, oscilaram entre admitir a reparação pura e autônoma do dano moral, ou autorizar a reparação da dor moral somente quando, de forma correlata, existisse um dano patrimonial passível de ressarcimento.

A tutela constitucional da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem

Com o advento da Constituição de 88, elevou-se a indenização ao dano moral, material e à imagem como direito fundamental. Senão, vejamos o inciso X, do artigo 5º: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.

Da mesma forma, o STJ já editou a Súmula 37 para abarcar outra situação a este respeito, qual seja: “São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundas do mesmo fato”.

Portanto, vigora no sistema jurídico brasileiro o princípio geral de direito do dever de reparar o dano moral causado a outrem. Ora, negar-se a reparar a dor moral alheia com o dinheiro é deslocar a questão. Afinal, não se trata de venda de um bem moral, mas simplesmente de afirmar que este bem deve ser respeitado, conforme prevê o texto constitucional, pois mais imoral seria não fazê-lo e proclamar-se a total idoneidade do causador do dano. O dinheiro entra na reparação dos danos morais como um compensador indireto dos sofrimentos sentidos pelo lesado.


Pela interpretação constitucional, em observância ao artigo 5º, parágrafo 1º, da Constituição Federal, as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata. Assim, como o dano moral ofende direitos individuais definidos pelo inciso X, a sua reparação deve surtir efeitos imediatos. Existindo gravame injusto que atinja a dignidade, honra, imagem, ou fama de uma pessoa, o dano, entendido aqui como a diminuição ou subtração de um bem jurídico ou a lesão de um interesse deve ser indenizada.

A reparação do dano moral tem por objetivo desestimular a ação de quem pratica para o futuro. Ao definir a inviolabilidade do direito à imagem e à honra, o constituinte impôs o ressarcimento pecuniário mais para desestimular a ação do que para indenizar a inviolabilidade perdida.

Devemos lembrar que a indenização por dano moral deve ser arbitrável, mediante uma estimativa prudente, que leve em conta a necessidade de, com a quantia, tanto satisfazer a dor da vítima, quanto dissuadir possível novo atentado, ou semelhante, pela renovação da ofensa.

Os valores da indenização por dano moral

A polêmica em torno de sentenças judiciais de altos valores, concedidas por tribunais, encontra suas raízes neste fato. São as chamadas “imorais indenizações por dano moral”. Tantas são as manifestações da sociedade que tivemos iniciativas sob a forma de projetos de lei, que estão sendo por mim relatados, por distribuição da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara dos Deputados. Tratam-se, in casu, do PL 7.124/02 e seus apensos, PL 1.914/03 e PL 1.443/03. Todos dispõem sobre danos morais e sua reparação, objetivando delimitar possíveis valores em contrapartida a dano moral praticado.

Não se pode negar a possibilidade dessas reparações ensejarem o “enriquecimento ilícito dos demandantes”, por meio de indenizações exageradas e exorbitantes. Como em todas as situações humanas poderia existir, também nesta hipótese, o chamado “preparo prévio” do pedido à indenização, por suposta violação dos direitos da personalidade. Diante de falsas evidencias, o julgador, mesmo de boa fé, correria o risco de ser induzido em erro e, na prática, verificar-se-ia o cerceamento da liberdade de imprensa, além da imposição de pesados e inexplicáveis ônus pecuniários às empresas de comunicação, expostas a processos de insolvência.

Por outro lado, vislumbra-se inconstitucionalidade evidente, por ofensa à isonomia, a previsão legal de valores pecuniários indenizatórios, fixados anteriormente ao fato que dá ensejo ao dano moral. Isto seria o mesmo que colocar, de antemão, um “preço” prévio para cada ofensa cometida. Lembro as palavras do desembargador Walter Moraes (Ap. n. 113.190 -1, Rel. Des. Walter Moraes): “Não há critérios objetivos para cálculo de expiação pecuniária do dano moral, que, por definição própria, nada tem com eventuais repercussões econômicas do ilícito. A eficácia da contrapartida pecuniária está na aptidão para proporcionar tal satisfação em justa medida, de modo que tampouco signifique um enriquecimento sem causa da vítima, mas está também em produzir no causador do mal impacto bastante para dissuadi-lo de igual e novo atentado. Trata-se, então, de uma estimação prudencial”.

Entendo que este aspecto pertinente à regra legal a ser estabelecida para a verba indenizatória nas hipóteses de dano moral, material e à imagem deve merecer maior reflexão do legislador, na busca de uma solução equânime, justa e que não lesione os fundamentos constitucionais da cidadania e da liberdade de imprensa.

Uma alternativa válida — sugerida a priori — seria a lei fortalecer e incentivar a divulgação do direito de resposta instantâneo, sem comentários redacionais de qualquer espécie, requerido extrajudicialmente, proporcional ao agravo e em prazo não superior a 72 horas do pedido feito pelo ofendido, desde que considerado satisfatório pelo órgão que divulgou a informação. Efetivado o direito de resposta, este seria considerado atenuante para redução, em proporção a ser fixada na lei, do quantum da presumida indenização, caso reconhecida judicialmente. A retratação aceita pelo ofendido ou o julgador elidiria o direito à propositura da ação indenizatória. Por outro lado, seria assegurado ao órgão de imprensa negar-se a divulgar o direito de resposta, por considerá-lo insatisfatório e, dessa maneira, assumir o ônus da prova, na hipótese de demanda judicial.

Por fim, é sabido que há vários aspectos a serem, ainda, considerados sobre o dano moral. Nossa intenção foi a de apenas dar uma pincelada sobre o conceito e sua realidade. Para encerrar, vale citar o Código Civil de 2002, que sintetiza e prevê, também expressamente, a exemplo da Constituição, a reparação por dano moral, em seu artigo 186: “Aquele, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. O dano moral e a obrigação de indenizar ocorrem, portanto, quando é praticado o ato ilícito. E ato ilícito é aquele praticado em descompasso com o ordenamento jurídico. Estão aí os ditames para o equilíbrio entre a liberdade de expressão e o direito à reparação de cidadãos que se sentem atingidos. Não apenas o Código Civil, mas também o Código Brasileiro de Telecomunicações (L 4.417/62), em seu artigo 84, e a Lei de Imprensa de (L 5.250/67), em seu artigo 53, 2, prevêem expressamente o direito à reparação do dano moral.


O papel da imprensa

Democracia e Liberdade. Em 1789, o termo liberdade assumiu a posição de um dos tripés da revolução que instituíra a República francesa. E foi a partir das constituições francesa e norte-americana que a tutela da liberdade de opinião foi elevada ao plano de proteção dos textos constitucionais, por meio do movimento constitucionalista, que destacou sobremaneira a importância da liberdade de manifestação do pensamento do século XVIII.

Note-se que a garantia da liberdade de expressão e de informação encontra-se prevista na grande maioria das constituições dos países ocidentais, da mesma maneira que é disposição obrigatória nos principais documentos internacionais de proteção aos direitos humanos.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, firmada pelos países integrantes da Organização das Nações Unidas, em 1948, e a Convenção Americana de Direitos Humanos — mais conhecida como Pacto de São José da Costa Rica —, reconhecem a fundamentalidade deste direito, como base dos estados democráticos. Esta última norma, que já foi devidamente incorporada à ordem jurídica interna do Brasil, expressamente afirma que “toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e de expressão”. Este direito compreende a liberdade de buscar, receber e difundir informações e idéias de toda índole, sem consideração de fronteiras.

A liberdade de pensamento e sua correspondente exteriorização, como já visto, é direito fundamental oponível contra o Estado. Visa a não tutela ou manipulação das idéias e posicionamentos do jornalista diante do mundo.

É assegurado a todos a não proibição de fazer divulgar estas opiniões por qualquer meio — jornais impressos, livros, televisão, rádio, internet, etc.. Ou seja, caminhando de braços dados, está o direito à liberdade de pensamento, a sua divulgação e o direito do indivíduo, de ser informado de modo integral e adequado.

São opções políticas fundamentais, inseridas na Constituição Federal de 1988, a livre manifestação do pensamento e da expressão da atividade intelectual, artística e de comunicação, aliada ao amplo acesso à informação. Não há como negar o caráter imprescindível à liberdade de imprensa para a existência saudável da democracia.

A figura da imprensa, atualmente, parece corresponder a um direito da própria sociedade. É neste sentido que se pode considerá-la um potencial “Quarto Poder”, ao informar e influenciar em massa a opinião dos indivíduos. Tem, portanto, a imprensa, uma autêntica missão pública, em razão dos seus atos gerarem repercussão, expectativas e influírem decisivamente nos comportamentos sociais.

Pressupostos éticos da imprensa. Toda notícia deve estar direcionada ao bem maior da coletividade. Vislumbro como possíveis pressupostos anteriores à divulgação de determinada notícia que se observe o princípio da boa-fé, bem como que o fato noticiado seja baseado na realidade, para que adquira status de “noticiável”.

Satisfeitas essas condições, a liberdade de imprensa passa a ter um caráter preferencial em relação aos direitos fundamentais da personalidade. Fora desse contexto, o direito à crítica continua a existir, porém despido desse caráter preferencial. Neste sentido, há o detrimento do direito à honra e a prevalência do direito de informar, mas, para que isto ocorra, é necessário verificar se a informação é verídica e o informe ofensivo à honra alheia é inevitável para a perfeita compreensão da mensagem.

Conclui-se que há possibilidade de o direito à informação ser mais forte do que o direito à honra, desde que se manifeste legitimamente. Para tanto, é necessário o atendimento de dois pressupostos: o primeiro, que a informação seja verdadeira; o segundo, que a veiculação da informação deve ser inevitável ou imprescindível para passar o conteúdo da notícia. Não ocorrendo à deliberada ou flagrante intenção de denegrir o bom nome de outrem, nem a imprudência na forma de publicação da notícia, não há que se cogitar em indenização por danos morais. A divulgação estará amparada pela liberdade de pensamento, bem maior a ser, em qualquer circunstância, preservado pela sociedade livre.

Leia a íntegra do parecer no projeto de lei que regulamenta a indenização por dano moral

COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO E JUSTIÇA, CIDADANIA E REDAÇÃO FINAL.

PROJETO DE LEI N.º 7124, DE 2002.

DISPÕE SOBRE DANOS MORAIS E SUA REPARAÇÃO.

Autor: SENADO FEDERAL

Relator: Deputado Ney Lopes

I – RELATÓRIO

Nos termos do art. 65 da Constituição Federal, vem a esta Casa, para ser revisado, o projeto de lei em epígrafe, oriundo do Senado Federal, que busca regrar a reparação por dano moral.

Para tanto, inicia por conceituá-lo, como a “ação ou omissão que ofenda o patrimônio moral da pessoa física ou jurídica, e dos entes políticos, ainda que não atinja o seu conceito na coletividade”.


A seguir, trata de explicitar os bens jurídicos tutelados pela lei projetada, tanto em relação às pessoas físicas como às jurídicas.

Determina que serão responsáveis pelo dano moral todos os que tenham colaborado para a ofensa, na proporção da ação ou da omissão, e que a situação de irregularidade do agente ou preposto da Administração não a isentará da responsabilidade objetiva de indenizar o dano moral, ressalvado o direito de regresso.

Deixa estreme de dúvidas que a reparação por dano moral poderá ser pleiteada cumulativamente com a decorrente de dano material, em face do mesmo ato lesivo.

Estabelece três níveis de reparação dos danos morais, a saber: ofensa de natureza leve, indenização de até vinte mil reais; ofensa de natureza média, indenização de vinte mil a noventa mil reais; ofensa de natureza grave, indenização de noventa mil a cento e oitenta mil reais. No caso de reincidência, estes valores poderão ser triplicados.

Finalmente, prevê prazo prescricional para o ajuizamento da ação indenizatória por danos morais, relaciona dispositivos da lei civil que não se aplicariam à espécie, e encerra cláusula de vigência.

Da justificação ao projeto de lei, constante de seu avulso, tal como apresentado à consideração do Senado Federal (anexado aos autos), destaca-se:

“A presente proposta reclama a colaboração de todos os parlamentares quantos nela reconheçam a necessidade de se inserir, no ordenamento jurídico pátrio, texto legal compatível com os direitos e garantias individuais, consagrados pelo art. 5º da Constituição Federal, com o objetivo de mitigar a dificuldade com que os nossos magistrados se deparam, no quotidiano, ao exarar sentenças sobre danos morais. Essas sentenças, de estado para estado, de norte a sul do país, à falta de norma balizadora, discrepam não apenas entre si, no que tange aos valores das indenizações, mas até nos próprios fundamentos.”

Em apenso, acha-se o PL nº 1.914, de 2003, do ilustre Deputado Marcus Vicente, que altera a redação do art. 953 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), tendo em vista fixar parâmetros para a indenização por danos morais, nos seguintes termos:

“Na fixação da indenização por danos morais, o juiz, a fim de evitar o enriquecimento ilícito do demandante, levará em consideração a situação econômica do ofensor, a intensidade do ânimo de ofender, a gravidade e repercussão da ofensa, a posição social ou política do ofendido, bem como o sofrimento por ele experimentado.”

A inclusa justificação aduz que o referido balizamento auxiliará os magistrados brasileiros a alcançarem um arbitramento justo e equânime na fixação do dano moral, em benefício de toda a coletividade.

Também apensado, encontra-se o PL nº 1.443, de 2003, do ilustre Deputado Pastor Reinaldo, que “Estabelece critérios para a fixação do dano moral”.

De acordo com a proposição, o dano moral decorre de ação ou omissão, dolosa ou culposa, que provoca, gravemente, e de maneira injustificada, perturbação, intranqüilidade e ofensa a outrem, contrária aos princípios e valores consagrados na sociedade e no ordenamento jurídico. A indenização do dano moral será fixada em até duas vezes e meia os rendimentos do ofensor ao tempo do fato, desde que não exceda em dez vezes o valor dos rendimentos mensais do ofendido, que será considerado limite máximo. Na ocorrência conjunta de dano material, o valor indenizatório do dano moral não poderá exceder a dez vezes o valor daquele apurado. A autoridade judicial deverá levar em consideração, para a fixação do montante indenizatório, o comportamento do ofendido e se houve retratação por parte do ofensor, podendo reduzir a indenização e, até mesmo, cancelá-la se houver anuência do ofendido. A ação por dano moral prescreverá em um ano, a contar do conhecimento pelo ofendido.

A inclusa justificação esclarece que a proposição busca parâmetros para a fixação do dano moral, “uma vez que proliferam os pedidos indenizatórios em nossos Tribunais claramente abusivos, onde fica patente a desproporção entre o dano e o montante que se quer obter a seu pretexto. São pedidos formulados sem a mínima razoabilidade e que nos fazem crer, infelizmente, na existência de uma indústria — no pior sentido da palavra —, indenizatória.”

Trata-se de apreciação terminativa desta comissão, sem que, escoado o prazo regimental, sobreviessem emendas às proposições.

É o relatório

II – VOTO DO RELATOR

A proposição principal atende ao pressuposto de constitucionalidade, pois é competência da União e atribuição do Congresso Nacional legislar sobre Direito Civil, sendo adequadas à elaboração de lei ordinária e a iniciativa parlamentar.


O pressuposto de juridicidade se acha preenchido, porquanto não se ofendem princípios norteadores do sistema jurídico pátrio. Deve-se ressalvar, entretanto, que é feita menção legislativa a lei revogada, qual seja, o Código Civil de 1916, mas tal é fruto da época em que o projeto foi apresentado, na origem.

A técnica legislativa é adequada.

A proposição apensada, PL nº 1.914/03, atende, igualmente, aos pressupostos de constitucionalidade, juridicidade e adequada técnica legislativa, merecendo esta, apenas, pequeno reparo redacional, em seu art. 1º, a fim de não utilizar, muito próximas, as palavras “fixa” e “fixação”.

A segunda proposição apensada, PL nº 1.443/03, atende, também, aos pressupostos de constitucionalidade, juridicidade e adequada técnica legislativa.

Passa-se a apreciar o mérito das proposições, começando pela proposição oriunda do Senado Federal (proposição principal).

Preliminarmente, faz-se necessário recordar que a apresentação do projeto de lei, no Senado Federal, se deu no ano de 1999. Assim sendo, pareceu acertado, aos olhos daquela Casa Alta, aprovar a proposição, na medida em que a Constituição de 1988 menciona, expressamente, em seu art. 5º, incisos V e X, a possibilidade de reparação pelo dano moral, e o Código Civil de 1916 era silente a respeito – o que, em verdade, não impedia ou inviabilizava os pedidos de reparação por dano moral, haja vista que, juridicamente, já eram, de há muito, tidos como possíveis, em análise sistêmica do ordenamento. Nesse sentido, a lição de YUSSEF SAID CAHALI:

“Impende considerar que a Constituição de 1988 apenas elevou à condição de garantia dos direitos individuais a reparabilidade dos danos morais, pois esta já estava latente na sistemática legal anterior; não sendo aceitável, assim, pretender-se que a reparação dos danos dessa natureza somente seria devida se verificados posteriormente à referida Constituição.” (em Dano Moral, Ed. Revista dos Tribunais, 2ª ed. , 1998, p. 53)

O Código Civil de 2002 prevê, também expressamente, a exemplo da Constituição, a reparação por dano moral, em seu art. 186:

“Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”

Os arts. 946, 953 e 954 do Código, igualmente, conectam-se com a matéria.

No que tange ao projeto de lei em exame, especificamente, uma análise mais cuidadosa de seus dispositivos recomenda sua desaprovação.

O art. 1º busca conceituar o dano moral, tarefa ingrata a que o legislador não deve se dedicar.

“Na realidade, multifacetário o ser anímico, tudo aquilo que molesta gravemente a alma humana, ferindo-lhe gravemente os valores fundamentais inerentes à sua personalidade ou reconhecidos pela sociedade em que está integrado, qualifica-se, em linha de princípio, como dano moral; não há como enumerá-los exaustivamente, evidenciando-se na dor, na angústia, no sofrimento, na tristeza, pela ausência de um ente querido falecido; no desprestígio, na desconsideração social, no descrédito à reputação, na humilhação pública, no devassamento da privacidade; no desequilíbrio da normalidade psíquica, nos traumatismos emocionais, na depressão ou no desgaste psicológico, nas situações de constrangimento moral.” (CAHALI, obra citada, pp. 20/1)

A par disso, o artigo faz referência aos “entes políticos”, o que seria desnecessário, na medida em que estes já são classificados como pessoas jurídicas, sejam elas de direito público interno (União, Estados, Distrito Federal, Municípios, Territórios, autarquias e demais entidades de caráter público, criadas por lei) ou de direito privado (partidos políticos).

A possibilidade, aliás, de as pessoas jurídicas serem vítimas de dano moral não é novidade entre nós, havendo, inclusive, Súmula do Superior Tribunal de Justiça – STJ a respeito:

Súmula 227: “A pessoa jurídica pode sofrer dano moral.”

Na esteira do que se ponderou quanto à recomendação de a lei não conceituar o dano moral, também os artigos. 2º e 3º não se sustentam, porquanto encerrariam uma lista fechada (“numerus clausus”). O dano moral, como visto, pode originar-se de inúmeras e inimagináveis ações ou omissões, sendo mais recomendável deixar ao crivo dos operadores do Direito, da doutrina e da jurisprudência a análise de cada caso, individualmente. Vale lembrar que o novo Código Civil dedica todo um capítulo especial aos direitos da personalidade (arts. 11 a 21).

O art. 4º é desnecessário na medida em que pretende normatizar um princípio já constante de nosso sistema, atinente ao instituto da responsabilidade civil, que é tratada pelo atual art. 927 do Código Civil.


Da mesma forma, o art. 5º não se faz imprescindível, pois trata de matéria que é pacífica, e sobre a qual também o STJ já editou uma Súmula, a de nº 37:

“São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato.”

Esse princípio foi consagrado pela Constituição, que não excluiu a cumulação dos danos material e moral originados pelo fato.

Em razão do princípio já consolidado em nosso ordenamento jurídico, e esculpido no art. 37, § 6º, da Constituição Federal, o art. 6º do projeto não merece acolhida por ir além do que a Magna Carta dispõe.

O dispositivo mais polêmico da proposição é o 7º, que ensaia fixar valores para a recomposição do dano moral.

Trata-se, a nosso ver, de dispositivo inconstitucional, pois nosso Diploma Maior não limitou ou estabeleceu escala de valores para a quantificação da verba indenizatória pelos danos morais suportados.

O art. 8º é desnecessário pelo fato de a matéria prescrição já estar regulada no Código Civil de 2002, o que o Projeto do Senado não poderia ter previsto, pois é anterior a sua promulgação.

Finalmente, o art. 9º deve ser desconsiderado, porquanto se refere ao revogado diploma civil de 1916 – conforme ressalvado quando da análise da juridicidade do projeto.

A proposição, ressalvados os pontos acima elencados, merece aprovação nos termos do Substitutivo em anexo.

A primeira proposição apensada (PL nº 1.914/03) estabelece parâmetros para a fixação do dano moral.

Os critérios por ela trazidos são ponderados, sendo fruto da doutrina e da experiência jurisprudencial, e deverão, de fato, ser de boa serventia aos juízes que houverem de se debruçar sobre os feitos dessa natureza, evitando, inclusive, sentenças díspares para casos análogos. A única alteração recomendável é a substituição da expressão “enriquecimento indevido” por “enriquecimento ilícito”, mais consentânea com nosso Direito.

Por outro lado, parece mais indicado, ao invés de se acrescentar parágrafo ao art. 953 do Código Civil, estabelecerem-se esses critérios em dispositivo independente, pois há outras situações que podem ensejar reparação moral, a par da injúria, da difamação ou da calúnia.

Esta proposição, assim, merece aprovação, na forma de um substitutivo.

No que tange à segunda proposição apensada (PL nº 1.443/03), vê-se, novamente, tentativa de quantificar, a priori, o dano moral, “em até duas vezes e meia os rendimentos do ofensor ao tempo do fato, desde que não exceda em dez vezes o valor dos rendimentos mensais do ofendido, que será considerado limite máximo”. Valem, a esse respeito, os comentários feitos em relação ao art. 7º da proposição principal, quanto à inconveniência desta tentativa de precifixar o dano moral.

Merece crítica, igualmente, a exemplo do que se fez em relação ao art. 8º da proposição principal, o art. 3º do projeto de lei em tela, que encerra prazo de prescrição inferior ao previsto pelo art. 206, § 3º, V, do Código Civil de 2002, qual seja, três anos.

Assim, deve-se recomendar a rejeição deste projeto de lei.

Por outro lado, vislumbramos uma alternativa válida para minimizar os valores das indenizações por dano moral ou à imagem. A lei deveria fortalecer e incentivar a divulgação do direito de resposta instantâneo, sem comentários redacionais de qualquer espécie, requerido extrajudicialmente, proporcional ao agravo e em prazo não superior a setenta e duas horas. Esta resposta instantânea do ofendido, se considerada satisfatória pelo órgão que divulgou a informação, poderia ser atenuante para redução do quantum da presumida indenização, caso reconhecida judicialmente. A retratação total e cabal aceita pelo julgador e divulgada pelo órgão elidiria o direito à propositura da ação indenizatória.

Em face do exposto, o voto é pela constitucionalidade, juridicidade, adequada técnica legislativa e, no mérito, pela rejeição do PL nº 7.124/02; pela constitucionalidade, juridicidade, adequada técnica legislativa e, no mérito, pela aprovação dos PLs nºs 7.124, de 2002 e 1.914, de 2003, na forma do substitutivo oferecido em anexo ao presente parecer, e pela constitucionalidade, juridicidade, adequada técnica legislativa e, no mérito, pela rejeição do PL nº 1.443/03.

Sala da Comissão, em de de 200.

Deputado Ney Lopes

Relator

COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO E JUSTIÇA E DE CIDADANIA

SUBSTITUTIVO DO DEPUTADO NEY LOPES AO PROJETO DE LEI Nº 1.914, DE 2003.

ALTERA A LEI Nº 10.406, DE 10 DE JANEIRO DE 2002, QUE INSTITUI O CÓDIGO CIVIL.

O Congresso Nacional decreta:

Art. 1º Esta lei estabelece parâmetros para a fixação da indenização por danos morais.

Art. 2º A Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, passa a vigorar com as seguintes alterações:

“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, imperícia ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, de natureza moral, material ou à imagem, comete ato ilícito. (NR)

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano moral, material ou à imagem de outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único…………… (NR)

Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.

§ 1º. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, eqüitativamente, a indenização.

§ 2º. A indenização pelo dano moral, divulgada através de órgão de comunicação social poderá ser reduzida ou elidida, se o responsável pela suposta ofensa divulgar o direito de resposta, proporcional ao agravo, requerido judicial ou extrajudicialmente pelo ofendido, no prazo de até setenta e duas horas.

§ 3º. O órgão divulgador terá o prazo de quarenta e oito horas para publicar ou não a resposta do ofendido, sem comentários redacionais, sendo-lhe facultado o direito de recusa ou adicionar esclarecimentos, assumindo o ônus judicial da prova da divulgação feita.

§ 4º. A divulgação do direito de resposta, com as mesmas características e condições da divulgação ou publicação originária, será apreciada pelo julgador, no prazo de até quarenta e oito horas, para considerar retratação total ou parcial da ofensa.

§ 5º. Na hipótese de ser considerada pelo julgador retratação total e cabal da ofensa extinguir-se-á o procedimento ajuizado (NR).

Art. 954A. Na fixação da indenização por danos morais, o juiz, a fim de evitar o enriquecimento ilícito do demandante, levará em consideração a intensidade do ânimo de ofender, a gravidade e a repercussão da ofensa, a posição social ou política do ofendido, bem como o sofrimento por ele experimentado.”

“Art. 953. ………………………….

Parágrafo único. Se o ofendido não puder provar prejuízo material, caberá ao juiz fixar, eqüitativamente, o valor da indenização, na conformidade das circunstâncias do caso e de acordo com o disposto no art. 954A (NR).”

Art. 3º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação oficial.

Sala da Comissão, em de de 2006.

Deputado Ney Lopes

Relator

Autores

  • Brave

    é deputado federal pelo PFL-RN. É também procurador-geral da Câmara dos Deputados, presidente do Parlamento Latino-Americano, jornalista e professor de Direito Constitucional da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

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